Quase um ano depois, Reitoria ainda não concluiu relatório sobre a morte do aluno Filipe, da Geografia, em acidente de trabalho na Poli

Homenagens ao estudante, que agora dá nome ao Centro Acadêmico do curso de Geografia, marcaram a recepção aos calouros e calouras em 19/2. Pais de Filipe Varea Leme participaram do evento — e exigem que a USP se responsabilize pelo caso. Ele era monitor do Laboratório de Informática da Escola Politécnica e faleceu em 30/4/19 dentro de um elevador daquela unidade, realizando tarefa estranha às suas atribuições. Chefe do Departamento de Geografia lamenta “blindagem” e falta de solidariedade por parte da Reitoria

Fotos: Daniel Garcia

Professora Marta Marques: "Filipe está presente entre nós"
Centro acadêmico adotou o nome do estudante
Professoras Sueli Furlan e Marta Marques cumprimentam os pais de Filipe
 

Lembranças, respeito, carinho e também cobranças pela postura omissa da universidade marcaram as cerimônias que homenagearam o estudante Filipe Varea Leme nesta quarta-feira (19/2) no auditório da Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Aluno do nono semestre de Geografia, Filipe, de 21 anos, morreu num acidente no dia 30/4/2019, quando foi requisitado para carregar um armário cheio de livros num elevador da Escola Politécnica.

 
O estudante era monitor do Laboratório de Informática da Poli e foi vitimado numa situação em que estava claramente em desvio de função, trabalhando numa mudança. Passado quase um ano da tragédia, a USP ainda não divulgou o resultado da comissão sindicante instaurada para apurar as circunstâncias do caso. “A indignação é muito grande. Estamos lutando contra o Estado”, disse ao Informativo Adusp a mãe do estudante, Ester Varea Leme.
 
Poucos dias após o acidente, a diretora da Poli, professora Liedi Bernucci, assinou portaria constituindo uma comissão sindicante para apurar o caso. O colegiado jamais chegou a se reunir, porque o seu presidente, professor Luciano Anderson de Souza, docente da Faculdade de Direito (FD), renunciou ao cargo. A Poli dissolveu a comissão e informou que a instauração da sindicância passaria a ser atribuição da Reitoria da USP, não cabendo mais à unidade o “acompanhamento do processo”, como registrou a professora Liedi em e-mail enviado na época ao Informativo Adusp.
 
A Reitoria formou então uma comissão sindicante, presidida por Gustavo Badaró, professor titular de Direito Processual Penal na FD. “A sindicância tramita em regime de acesso restrito, razão pela qual não poderei dar informações sobre o conteúdo dos atos realizados”, disse o professor em e-mail encaminhado ao Informativo Adusp. Pela mesma razão, prosseguiu, também não poderia fazer comentários “sobre as medidas e procedimentos encaminhados pela comissão ao longo do trabalho”.
 
De acordo com Badaró, no final de janeiro a comissão apresentou seu relatório final. O advogado da família Varea Leme pôde assistir às reuniões, mas até o fechamento desta reportagem ainda não tinha tido acesso ao documento. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Reitoria informou que o relatório vai passar “pela análise jurídico-formal da Procuradoria Geral da universidade” e posteriormente “será encaminhado ao reitor” Vahan Agopyan. Não foram mencionados prazos para esses procedimentos.
 
De acordo com o advogado da família, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) também aguarda a entrega do resultado da sindicância para dar sequência ao processo criminal referente ao caso. Os pais de Filipe movem ainda uma ação na esfera civil na qual pleiteiam uma indenização e, mais importante do que isso, demandam que a USP se responsabilize e se explique em relação ao caso — “o que não fez até agora”, ressalta Fábio Moraes Leme, pai do estudante. “Não vamos sair daqui até que alguma coisa aconteça para que fatos assim não se repitam, para que os alunos da USP sejam preservados e as pessoas não fiquem expostas.”
 
Blindagem, desconforto e falta de transparência
 
A reportagem acompanhou a primeira das cerimônias em homenagem a Filipe, realizada na tarde da quarta-feira com a presença dos seus pais. A segunda seria realizada à noite, também com participação de Fábio e Ester Leme. As atividades foram organizadas — como parte da agenda de recepção aos calouros e calouras — pela diretoria do centro acadêmico da Geografia, que passou a se chamar Centro de Estudos Geográficos Filipe Varea Leme (CEGE). Os alunos ingressantes receberam um kit com uma ecobag, camiseta e bottom com a silhueta de Filipe.
 
Depoimentos de professores e estudantes salientaram a intensa participação do aluno nas mais varidadas atividades na USP. “O Filipe teve uma presença importante entre nós e isso precisa ser lembrado. Ele conseguia agregar e acolher e está presente entre nós pelo que marcou na vida de quem passou por aqui”, disse a professora Marta Marques. “O estudar não é só na sala de aula: é participar dos GTs (Grupos de Trabalho), do CEGE, da Semana de Geografia, é jogar futebol, ir às bibliotecas, aos museus, apropriar-se da universidade. E o Filipe fazia tudo isso”, lembrou a professora Glória da Anunciação Alves.
 
Matheus Ferreira Fernandes, da diretoria do CEGE, se emocionou ao recordar que conheceu Filipe ao visitar a USP durante a Semana de Geografia de 2016. Matheus estava então no terceiro ano do ensino médio numa escola pública, e foi a participação no evento organizado pelos alunos que lhe abriu o interesse e a perspectiva de fazer o curso. No ano seguinte, ingressou na USP por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU) e passou então a se envolver em outras atividades nas quais Filipe também atuava.
 
A professora Sueli Furlan, chefe do Departamento de Geografia da FFLCH, destacou que Filipe “era um aluno brilhante, criativo, cheio de energia, colaborador com os colegas, generoso e carinhoso”. “Ele se tornava presente, e era muito evidente a alegria com que se engajava em tudo o que fazia”, disse.
 
A professora ressalvou, entretanto, que “as coisas bonitas não apagam os problemas que a universidade tem”. “Ainda guardamos uma indignação muito forte. Existe na universidade uma forte blindagem de alguns assuntos que ficam muito protegidos”, lamentou. “Os processos de sindicância não são respeitosos. Eu me sinto muito desconfortável porque gostaria de me sentir respeitada. A universidade é um conjunto interagentes e solidário, mas não houve solidariedade com a FFLCH, com os estudantes e com o Departamento de Geografia.”
 
Na avaliação da docente — que chegou a integrar, como representante da FFLCH, a comissão de sindicância criada na Poli e depois dissolvida — falta transparência na apuração e no encaminhamento que a USP vem dando ao caso. Tratar dessas situações de forma clara ajudaria “a antecipar problemas dos estudantes”, afirmou Sueli aos alunos ingressantes. “Nós lidamos com vidas e nos envolvemos muito com vocês.”
 
“Fico com a dor e fico também com orgulho”, diz a mãe de Filipe
 
A homenagem foi encerrada com uma fala de Ester Varea Leme, carregada de emoção, serenidade e dignidade. A mãe de Filipe agradeceu aos alunos por terem tomado a iniciativa e parabenizou os calouros e calouras por seu ingresso na USP. “Meu filho participou de tudo e vivenciou tudo. Ele punha amor e muita responsabilidade em tudo o que fazia. Ele amadureceu muito nesses anos, viajou muito, conheceu muita gente, e não retinha para ele o conhecimento. Tudo o que aprendia, ele passava para outras pessoas”, disse.
 
“Ele não concordava com a injustiça, e por ironia do destino houve esse acidente que nós lamentamos, que dói em nós, principalmente nos pais, familiares e nos amigos que participaram dessa rede que nos acolheu. Quero que vocês tenham o mesmo vigor em estudar e participar de todas as atividades, porque vi que para o meu filho foi enriquecedor”, continuou. “Fico com a dor, só que também fico com o orgulho e espero que cada um de vocês seja um orgulho dos seus pais, dos seus familiares, dos seus avós, e que todos possam ter uma carreira brilhante e maravilhosa. Só tenho a agradecer à parte que foi solidária conosco. Para mim é um orgulho ver o nome do meu filho numa coisa tão bonita que é a educação”, encerrou, recebendo uma longa salva de aplausos. 
 
Após a cerimônia, Fábio e Ester Leme conversaram com a reportagem do Informativo Adusp e deixaram clara sua indignação com o comportamento da Poli e da Reitoria da USP. “Todo o apoio veio da FFLCH. A postura da Poli é lamentável, e ainda esperamos a boa vontade do reitor para ter acesso ao relatório”, disse o pai de Filipe.
 
O descaso da unidade em que ocorreu o acidente está expresso em situações como a descrita por um dos servidores ouvidos na comissão sindicante, segundo o qual pelo menos dez novas medidas de segurança foram tomadas na Poli depois do acidente que vitimou Filipe. “Como um prédio de uma faculdade de engenharia não tem normas de segurança?”, pergunta a mãe do estudante. “A USP tem que responder pela causa e efeito, e não se esconder”, defende Fábio Leme.
 
 

EXPRESSO ADUSP


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