Programa de cursos pagos da Esalq publicava anúncios em site de extrema-direita denunciado pelo Sleeping Giants Brasil

MBAs anunciados no “Jornal da Cidade Online” podem custar mais de 10 mil reais por aluno. Após a denúncia, a publicidade foi retirada

O Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (Pecege), associado ao Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), unidade da USP em Piracicaba, é uma das marcas expostas no Twitter pelo perfil Sleeping Giants Brasil, criado há pouco mais de duas semanas. O perfil entrou no ar o dia 17/5 e já tem mais de 340 mil seguidores.
 
Sua proposta, de acordo com o criador — que, por questões de segurança, prefere manter o anonimato e se apresenta como um estudante que pesquisa as fake news — é alertar empresas para o fato de que seus anúncios na Internet estão aparecendo em sites pouco confiáveis ou sabidamente ligados a grupos extremistas. “Uma luta coletiva de cidadãos contra o financiamento do discurso de ódio e das Fake News”, diz a apresentação do perfil.
 
O primeiro “alvo” da iniciativa é o site Jornal da Cidade Online, um dos mais conhecidos disseminadores de conteúdos falsos na rede, seguido por admiradores do presidente Jair Bolsonaro e objeto de vários processos e também de investigação na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news em andamento no Congresso Nacional.
 
 

No dia 21/5, um médico veterinário baiano publicou um tuíte no qual marcou os perfis do Sleeping Giants Brasil (@slpng_giants_pt) e dos cursos de master of business administration (MBA) do Pecege (@mbauspesalq). A publicação alertava para a inserção de anúncios dos cursos de MBA no site do Jornal da Cidade Online. No dia seguinte, o perfil do MBA da Esalq respondeu: “Nós não escolhemos os parceiros do Google, então nosso anúncio acabou indo parar aí. Mas já estamos verificando, ok? Obrigado por avisar!”

O Sleeping Giants Brasil aproveitou para “cutucar” o pessoal dos cursos pagos da Esalq: “Poxa, @mbauspesalq, já passou da hora de criar uma blocklist com os sites indesejados para seus anúncios ein?! O instrumento mais eficaz contras as Fake News é a educação! Bora bloquear esse site?”, dizia uma publicação no dia 24/5.

Extensa reportagem do Informativo Adusp, publicada em 7/11/2019, revelou que o Pecege movimenta uma “indústria” de cursos do tipo MBA online, alguns dos quais chegam a oferecer mil vagas ou mais. A receita anual do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq, que envolve também outros tipos de projetos privados além do Pecege, superou R$ 40 milhões em 2017, em aguda contradição com o caráter público e gratuito da USP.

“Aprender a usar ferramentas é o mínimo”, ironiza internauta

Vários internautas criticaram a postura do programa de cursos pagos, lembrando que há mecanismos no próprio Google AdSense — um serviço da gigante global que distribui automaticamente os anúncios contratados para sites assinantes — que permitem escolher categorias de sites a serem bloqueados. Um internauta ironizou: “Aprender a usar ferramentas é o mínimo, dotô da USP”. Outro postou na sequência o link da ferramenta do AdSense para os bloqueios.
 
“Estamos avisados e tomando providências. Nunca foi nossa intenção anunciar neste canal. Nosso compromisso é com a disseminação do conhecimento de qualidade, com a ética e a verdade! Ficaremos mais atentos às páginas parceiras da ferramenta de anúncio que utilizamos!”, tuitou o programa de MBA no dia 26/5. Nova publicação foi feita nesta segunda-feira (1/6), reforçando, em resposta a outro internauta, que “nossa equipe já está tomando providências”.
 
Na terça-feira (2/6), o Informativo Adusp enviou, pelo formulário de contato da página do programa de MBA da Esalq na Internet e também pelo e-mail apresentado no site, perguntas a respeito das providências adotadas para evitar que a verba destinada à publicidade financie veículos extremistas como o Jornal da Cidade Online. Nesta sexta-feira (5/6), a equipe de Marketing do Pecege enviou a seguinte resposta:
 
"Providências tomadas: bloqueio do site mencionado a nível de conta, além de tabloides, sites que contêm conteúdo chocante, sensacionalista, etc. As configurações da plataforma do Google contam com o recurso, sempre utilizado por nós, de excluir os anúncios em sites relacionados a conteúdos sensíveis, chocantes, sensacionalistas etc, mas o próprio Google não garante a exclusão total pois os anunciantes podem estar de acordo com a política de publicidade à primeira vista. Em contato com o nosso gerente de contas do Google, foi informado que: o Google conta com monitoramento diário para minimizar conteúdos que violem suas políticas, impedindo as ações de pessoas mal-intencionadas na rede. Além disto, a equipe de Marketing está comprometida a realizar as exclusões de sites relacionados a conteúdos sensíveis, fake news etc."
 
O programa não respondeu qual o montante da verba publicitária destinada a anúncios no Google AdSense e nem quais são os mecanismos próprios de monitoramento dos sites nos quais os anúncios são veiculados..

Várias instituições de ensino e até o TCE-MS cancelaram anúncios no site

O Sleeping Giants Brasil divulgou nesta segunda-feira (1/6) uma planilha com o nome de todas as “empresas, instituições e organizações que se comprometeram a entrar na luta coletiva contra o financiamento do discurso de ódio e das Fake News”. A lista inclui organizações dos mais variados setores, como bancos, empresas de comunicação, grandes redes de varejo e o até o Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul (TCE-MS).
 
Muitas instituições do setor privado da educação também estão na lista das que retiraram seus anúncios, como a Universidade Anhembi-Morumbi, a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC) nos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Já a Universidade Paulista (Unip) aparece como organização do setor que ainda não se posicionou, “apesar das centenas de avisos”.
 
Em seu site na Internet, o Jornal da Cidade Online se apresenta como um veículo com “tradição de mais de 40 anos dedicados ao jornalismo”. Seu início foi em 1978, com a publicação do semanário Jornal da Cidade, em Campo Grande (MS), que circulou “por mais de duas décadas”. Após um período de paralisação em suas atividades, prossegue a descrição, o veículo retornou em 2007 no formato eletrônico. “Atualmente, a sede da empresa que detém os direitos sobre o site está localizada no estado do Rio Grande do Sul e, através do trabalho abnegado de sua equipe, o Jornal da Cidade Online tem alcançado projeção nacional”, diz a descrição, concluída com a afirmação — típica fake news — de que o veículo é “respeitado pelo seu público leitor por seu comprometimento com a análise dos fatos, material opinativo, pluralidade e compromisso com a verdade”.
 
Na CPMI do Congresso, que teve seu funcionamento prorrogado até o mês de outubro, o deputado Túlio Gadêlha (PDT-PE) apresentou requerimento com pedido de quebra do sigilo fiscal e bancário do Jornal da Cidade Online a partir da pré-campanha eleitoral de 2018 para identificar a quantidade de recursos que o site recebeu de empresas e órgãos públicos.
 
Na noite desta segunda-feira (1/6), o perfil do Sleeping Giants Brasil comemorava o fato de que “o primeiro site alvo do movimento está sem anúncios, ou seja, optou hoje por retirar o Adsense da página”. “Não sabemos o motivo, provavelmente estamos atrapalhando alguma coisa!”, anunciou a postagem.
 
De acordo com reportagem do portal Uol, o Jornal da Cidade Online contou com 903 anunciantes em pouco mais de um ano por meio da plataforma do Google. “O serviço de mídia programática proporciona aos anunciantes a compra de espaços publicitários de acordo com dados de públicos-alvo. As páginas e sites que recebem os anúncios automáticos são pagos por visualizações e cliques na propaganda exibida”, explica o texto.

Perfil original derrubou publicidade de sites dos Estados Unidos

O Sleeping Giants Brasil teve como inspiração o perfil criado nos Estados Unidos pelo publicitário Matt Rivitz em 2016. A ação do movimento detonou uma verdadeira “fuga de capitais” de sites e veículos de extrema-direita do país, provocando a ira de figuras como Steve Bannon, o ex-estrategista de Donald Trump. Apenas de um dos sites mais famosos, o Breitbart News, desembarcaram cerca de 4,5 mil anunciantes.
 
Rivitz atuava no anonimato até ter a identidade revelada pelo site conservador The Daily Caller, e passou a receber ameaças de morte. Seu modelo de atacar o financiamento desse tipo de mídia extremista já se espalhou por vários países, especialmente na Europa. Na França, foi aprovada uma regulamentação governamental — chamada Emenda Sleeping Giants — destinada a evitar que anunciantes financiem o extremismo online.
 
No Brasil, o criador do perfil disse em entrevista publicada pelo Uol que mantém o anonimato “para continuar fazendo o trabalho”, uma vez que existe o medo de que “nos tornemos alvos das mesmas ameaças que aconteceram com o perfil original nos Estados Unidos”. De acordo com ele, pelo menos outros 104 sites de perfil semelhante ao Jornal da Cidade Online já foram identificados.
 
Um dos primeiros atos do Sleeping Giants Brasil foi alertar o Banco do Brasil sobre a exposição da marca no site. O banco decidiu retirar os anúncios, provocando reações dos filhos “02” e “03”, o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, além do secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten.
 
O banco então retomou os anúncios, mas no dia 27/5 o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), proibiu o BB de anunciar em sites da Internet que veiculem fake news. A decisão atendeu a um pedido do Ministério Público de Contas.
 
 

EXPRESSO ADUSP


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