Bastaram poucos dias para que o alentado currículo acadêmico de Carlos Alberto Decotelli da Silva — apresentado como mestre pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), doutor pela Universidade Nacional de Rosário (UNR) e pós-doutor pela Universidade de Wupertall, na Alemanha — desmoronasse em razão de desmentidos contundentes das duas instituições do exterior nas quais o novo ministro teria obtido seu doutorado e seu pós-doutorado. Tanto a universidade argentina quanto sua congênere alemã foram cristalinas ao negarem, de forma categórica, que Decotelli tenha obtido os respectivos títulos que, alegava ele, uma e outra lhe haviam concedido.

Em ambos os casos, Decotelli reconheceu quase imediatamente que as universidades estão corretas e que as informações que constavam do seu Lattes eram inverídicas, pois tratou de alterar o currículo nos pontos correspondentes. Obviamente, a mera declaração do reitor da UNR de que Decotelli não recebera o título de doutor já derrubava indiretamente o alegado pós-doutorado. Desse modo, as informações da Universidade de Wupertall foram apenas a “pá de cal” no suposto pós-doc do parceiro de MBA do ministro Paulo Guedes.

Assim, o homem que foi apresentado como gestor ideal para o MEC porque, entre outros motivos, faria a “ponte” com a comunidade acadêmica perdeu as credenciais que lhe permitiriam exercer essa alegada interlocução com certa tranquilidade. Como agravante, também seu mestrado foi colocado em xeque, porque verificou-se que extensos trechos foram simplesmente copiados de outros trabalhos, sem que ele tenha feito qualquer referência aos autores usados. Algumas reportagens informaram que a situação se tornou embaraçosa para o governo Bolsonaro: a “ala militar”, a quem se atribui a indicação de Decotelli, teria ficado “constrangida” com o noticiário. Circularam igualmente denúncias a respeito da sua gestão no FNDE. O fato é que a posse do novo ministro foi adiada sine die, conforme se anunciou nesta segunda-feira (29/6).

O Jornal da Adufrj destacou ainda outra informação relevante sobre a suposta carreira militar do novo ministro. “De acordo com o perfil publicado pela assessoria do MEC, o novo ministro também seria oficial da reserva da Marinha. Mas Decotelli passou apenas dois anos na Escola de Formação de Oficiais para a Reserva da Marinha (EFORM). Não se trata, portanto, de um oficial de carreira que entrou para a reserva, como faz supor o texto do ministério, mas de alguém formado para a reserva em baixa patente. Como os jovens que procuram algum estabelecimento de ensino militar para substituir o serviço militar obrigatório”.

Assim, Decotelli mostrou ser uma completa fraude, comprometendo a imagem simpática que parte da mídia tentava colar nele. O governo avisou que sua posse no cargo foi adiada. “As três revelações — primeiro a da mentira sobre o doutorado, segundo a do plágio no mestrado, e a última sobre o caráter fictício do pós-doutorado — são suficientes para desqualificá-lo para o cargo”, considera o professor Marcos Barbosa de Oliveira, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). “Como ainda não tomou posse, isso facilita a opção por um nome alternativo. De preferência um não militar”, disse ao Informativo Adusp.

“É lamentável que o Presidente insista em escolher para o cargo de Ministro da Educação pessoas que não representam a enorme comunidade de educadores do país, nem os interesses da população. Há um indisfarçável desprezo pela educação e por toda a comunidade que trabalha neste setor. Isto é o contrário daquilo que um governo deve fazer e causa danos que persistirão por longo tempo”, declara o professor Antonio Almeida, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). “No Brasil, não há escassez de pessoas competentes que podem assumir o cargo de ministro e fazer avançar a educação. Portanto, estas escolhas são intencionais e maldosas, visando destruir o que foi conquistado com muito trabalho e sacrifício. Trata-se de um acintoso deboche contra o povo brasileiro”.

No entender do professor Bruno Gualano, da Faculdade de Medicina (FM), a indicação de Decotelli para o MEC causa espécie, “pelo seu distanciamento de qualquer assunto que remeta à pasta”. “Sua atividade docente e profissional, em colaboração com Paulo Guedes, é confinada aos temas do mercado e das finanças, o que nos faz questionar sua capacidade para gerir um Ministério de tamanha envergadura e com propósitos tão estranhos à sua alçada”. Para ele, as fraudes apontadas no currículo de Decotelli, “que prontamente geraram desmentidos de instituições acadêmicas internacionais, entram na conta do governo, que por sua recorrente incompetência e seu afã de destruição embaraça o País e o deixa à deriva em duas das mais importantes áreas estratégicas – Educação e Saúde”. Cada vez será mais difícil, acrescenta, “encontrar algum especialista de notório saber disposto a rifar seu currículo em prol deste governo”.

“As pessoas têm se concentrado na falta de honestidade acadêmica por parte do possível ocupante do cargo de ministro da educação. Mas é também muito importante verificar se essa pessoa foi remunerada como doutor por alguma instituição. Se isso ocorreu, é muito grave”, adverte o professor Otaviano Helene, do Instituto de Física (IF) e ex-presidente do INEP. “Igualmente grave é se ele, nas avaliações feitas pelo MEC/INEP, que consideram a titulação dos docentes como critério essencial, constava como doutor. Ambos os casos são gravíssimos e mostram o total desrespeito que os atuais ocupantes do governo federal, presidente e ministros, têm pelo povo brasileiro e pela educação em particular”.

EXPRESSO ADUSP


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