A defesa da derrubada da liminar que suspendeu a avaliação, por parte da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), dos programas de pós-graduação (PPGs) em andamento relativa ao quadriênio 2017-2020 foi unânime pelos participantes da audiência pública em formato remoto promovida pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, na manhã desta segunda-feira (18/10).

A liminar foi concedida no dia 22/9 pela 32a Vara Federal do Rio de Janeiro, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), e determina que até esta sexta-feira (22/10) a Capes apresente “relação completa dos ‘critérios de avaliação’, ‘tipos de produção/estratos’ e as ‘notas de corte’ que estão sendo utilizados para avaliação, dividindo-os por área do conhecimento, indicando quais parâmetros de avaliação são novos em relação à avaliação da quadrienal anterior (2013-2016), e a data em que fixados os novos parâmetros para cada área”.

“A avaliação é uma grande contribuição que o CTC-ES [Conselho Técnico-Científico da Educação Superior da Capes] traz para o sistema nacional. É uma contribuição de aperfeiçoamento, de comparabilidade. Essa avaliação parte de um ‘chão de fábrica’ que são indicadores, critérios comparativos, critérios internacionais e de impacto na sociedade”, afirmou a presidenta da Capes, Cláudia Mansani de Toledo, ao defender a necessidade de concluir o processo do quadriênio.

A professora disse que, “como advogada”, tinha “uma cautela muito grande” ao fazer manifestações sobre o andamento da ação civil pública. Considera, porém, que “todos os elementos e dados para explicar esse riquíssimo e complexo cenário da avaliação” foram “exaustivamente elencados pelo CTC” para a Advocacia-Geral da União (AGU), que atua na representação e defesa em juízo do governo federal.

“Ninguém poderá se colocar com nenhuma arrogância institucional no sentido de dizer que estaremos sempre certos em 100% em tudo”, ressalvou, reconhecendo ainda que “não há modelo perfeito nem estático de atuação da Capes”. No seu entender, “todo esse sistema nacional de avaliação pode ter acertos e erros”.

Em relação ao modelo de avaliação da agência, enfatizou que as notas de 1 a 7, além de representarem a “honra objetiva do programa”, também têm consequência na destinação de dinheiro público para o seu financiamento.

Cláudia de Toledo comemorou o fato de o Brasil estar em 14o lugar no mundo em termos de produção científica, embora seja o 84o no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Temos de cumprimentar os pesquisadores brasileiros por conseguir estar em 14o lugar com condições inferiores às de outros países”, disse.

Recursos para pagamento de bolsas até o final do ano ainda não estão garantidos

Além de não ter entrado em detalhes na defesa do modelo de avaliação do último quadriênio, a presidenta da Capes, há seis meses no cargo, pouco avançou no esclarecimento de outros temas, várias vezes iniciando formulações sem concluí-las ou misturando assuntos diferentes numa mesma frase.

Referiu-se aos rumores sobre uma possível fusão entre Capes e CNPq como “fake news”, dizendo que as duas agências “atuam harmonicamente, mas são independentes entre si”. “Qualquer conversa de absorção de uma por outra ou de diminuição de protagonismo de uma ou outra é um desserviço à população”, ressaltou.

Na abertura de sua manifestação, disse que “não é possível que falemos publicamente sobre a Capes sem registrar nossa angústia” com “uma dívida social, entre tantas outras, que diz respeito ao pagamento da folha de setembro de 60 mil bolsas Pibid [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência]”. A “parte boa”, apontou, é que “os recursos já foram liberados pelo governo federal e pendem da aprovação do Projeto de Lei (PLN) 17/2021, que tem uma rubrica de R$ 43 milhões necessários ao pagamento dos programas da educação básica”.

O PLN 17/2021, relatado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), tramita na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. “Em sendo aprovado, imediatamente os pagamentos serão liberados. É uma questão de honra e de dívida social com esses professores em formação que estão na base de nossa educação”, afirmou Cláudia.

Esse não é, entretanto, o único problema. A agência terá que pedir ajuda do Congresso em relação a outros projetos de lei que liberem recursos para o pagamento de bolsas referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro, num total de R$ 124 milhões. “Temos muita urgência nessa colaboração [com o Parlamento]”, salientou.

“É angustiante ter que tratar mês a mês de recursos para pagar bolsas”, criticou o deputado Rogério Correia (PT-MG), que fez o requerimento para a realização da audiência pública sobre a avaliação quadrienal e a atuação da Capes e coordenou os trabalhos da sessão.

A presidenta da Comissão de Educação da Câmara, deputada Professora Dorinha Rezende (DEM-TO), que não acompanhou a reunião integralmente por estar num evento em Salvador, também afirmou que não se pode ficar nessa “agonia” mês a mês e que é necessário haver uma previsão para a destinação dos recursos.

A deputada propôs que a comissão marque uma audiência com o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), para tratar da recomposição do orçamento não só da Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), mas também das universidades e institutos federais.

Interrupção pode causar “instabilidade gigantesca” no sistema, considera Foprop

“Temos que frisar a importância da retomada da avaliação para a estabilidade do sistema. Se essa avaliação não for retomada, teremos uma instabilidade gigantesca, inclusive em termos de financiamento, inclusive como parâmetro para financiar o sistema a partir de 2022, 2023 e iniciar o próximo quadriênio”, afirmou Carlos Henrique de Carvalho, presidente do Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop).

Carvalho observou que a existência de um sistema nacional de avaliação da pós-graduação remonta a 1976, e que “foi a avaliação que a Capes desenvolveu ao longo dessas décadas que deu a importância e a qualidade do sistema”. O professor contestou ainda a alegação de que as regras da avaliação são alteradas sem debate, divulgação ou conhecimento da comunidade científica.

Fernanda Sobral, vice-presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciências (SBPC), defendeu que, independentemente dos problemas ou desafios atuais da Capes, a política de pós-graduação no Brasil é bem-sucedida por conta de um tripé: planejamento, com a adoção dos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPGs), avaliação e participação da comunidade científica. “Esse tripé é o que sustenta e sustentou até hoje a política de pós-graduação no país”, considera.

A professora questionou a presidenta da Capes sobre as medidas que estão sendo tomadas “para destravar essa liminar” e registrou ainda que os representantes da SBPC ficaram “tristes” pelo fato de Cláudia de Toledo não ter concedido uma entrevista solicitada pelo Jornal da Ciência, publicação da entidade. “Seria uma oportunidade única justamente para fazer esses esclarecimentos”, lamentou.

Ricardo de Mattos Rafael, coordenador do Fórum de Coordenadores da Pós-Graduação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), disse que “o impedimento da avaliação quadrienal da Capes automaticamente paralisa o calendário do sistema nacional de pós-graduação e deixa mais uma vez sem data a apresentação de propostas de novos cursos”.

Fabiane Maia Garcia, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), considera que as entidades estão preocupadas com a “postura passiva da Capes em relação a tudo o que acontece”. “O que a gente vive tem contornos jurídicos, mas é importante que a Capes assuma protagonismo político de dialogar com os programas, uma vez que nos falta esse feedback em relação ao que está acontecendo não só do ponto de vista jurídico mas também político”, afirmou.

A representante da Anped defendeu a conclusão do processo de avaliação “da forma como foi planejado nos últimos anos”. Na sua visão, a situação atual “ameaça outras iniciativas de programas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, em que se tem procurado aumentar o acesso das populações a essas políticas públicas”.

Stella Ferreira Gontijo, vice-presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), reiterou a posição da entidade pela defesa da continuidade do processo de avaliação e para que não se retorne “ao modelo anterior”. “Precisamos avançar no aprofundamento das transformações que foram feitas”, disse. Na visão da entidade, a via jurídica não é a melhor saída para avançar nesse debate.

Stella apelou ainda para que os programas não sejam sacrificados diante do cenário de desmonte da ciência no país e em meio a uma crise social, econômica, política e de saúde pública.

Já a procuradora da República Maria Cristina Manella, coordenadora do GT-Educação da 1a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, disse que não poderia e nem deveria se aprofundar no mérito da questão, que está sub judice. Ressaltou que participou da audiência como ouvinte e que ouviu “com atenção todas as argumentações colocadas para entender melhor a execução dessa importante política pública”, comprometendo-se a levar as informações “aos colegas que estão à frente dessa questão”.

Entre as propostas encaminhadas pelo deputado Rogério Correia ao final da audiência está o envio, pela Comissão de Educação, do vídeo e das notas taquigráficas da reunião, além dos manifestos já produzidos por diversas entidades, ao MPF, à AGU e à juíza responsável pela ação civil pública, solicitando urgência na resolução do caso.

A comissão também vai agendar uma reunião com entidades científicas e acadêmicas e a direção da Capes para aprofundar temas que não constavam da pauta da audiência pública, além de fazer um estudo da demanda de bolsas do CNPq e da Capes para tratar da recomposição do orçamento em 2022 e de eventuais PLNs em tramitação.

A ação judicial do MPF contra as arbitrariedades do sistema de avaliação dos PPGs empregado pela Capes não é a única, nem a primeira. Uma outra ação civil pública tramita na Justiça Federal de Minas Gerais desde fins de 2020. Seu autor é o Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH), que se baseou em extensa e detalhada pesquisa (confira aqui e também aqui a análise das alegações da Capes nesse processo).

Cortes no orçamento da ciência comprometem soberania do país

Apesar de não serem temas da pauta, questões referentes ao financiamento da ciência e da saúde e educação públicas foram abordados por vários participantes na audiência, que fizeram duras críticas à condução do governo Bolsonaro.

Ricardo Rafael, da Abrasco, apontou que “os cortes no CNPq inviabilizam a mais importante agência de fomento do país, tornando-se mais uma peça desse enredo que compromete a pesquisa e consequentemente a soberania e o futuro do país”.

“Estamos diante de um momento em que pesquisadores estão saindo do país, quer seja por medo dos ataques e ameaças, quer seja por tentar realizar seus estudos em locais que os fomentem. Temos uma verdadeira fuga de seres pensantes e isso não pode ser compreendido como trivial”, prosseguiu.

Rafael relatou ainda que sua experiência como enfermeiro e estudante de pós-graduação lidando diretamente com avanços e iniciativas de instituições públicas de pesquisa envolvidas no combate à pandemia da Covid-19 demonstrou novamente que “a pesquisa muda a vida das pessoas”. Essas iniciativas, porém, “são diretamente afetadas com o ferimento de morte que tem sido produzido no setor”, como a “ferida provocada no orçamento do CNPq”. “Que superemos essa fase ruim de desfinanciamento e ataque à educação pública e à ciência brasileira”, concluiu.

Stella Gontijo, da ANPG, também criticou o governo federal, que “vem atacando sistematicamente a educação e a produção científica do Brasil, seja por cortes orçamentários seja por intervenções antidemocráticas nas diversas esferas”. A entidade vai promover na próxima terça-feira (26/10) o Dia Nacional de Paralisação dos Pós-Graduandos.

EXPRESSO ADUSP


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