A Assembleia Geral da Adusp de 15/10 autorizou a Diretoria a ajuizar ação civil pública contra a Reitoria da USP, com a finalidade de suspender as contratações temporárias do denominado “Programa de Atração e Retenção de Talentos” (PART). Os docentes avaliam que o PART agudiza o processo de precarização das condições de trabalho que está em curso na universidade desde 2014, quando a gestão M.A. Zago-Vahan Agopyan acabou com a reposição automática dos docentes que se aposentavam, suspendendo totalmente as contratações num primeiro momento, e depois contratando muito menos do que o necessário.

Desde 2014 a USP perdeu mais de 700 docentes efetivos, segundo o levantamento mais recente da Adusp, e as contratações por concurso público têm sido insuficientes para cobrir as aposentadorias e desligamentos. Por exemplo: em 2018 houve 152 aposentadorias e 33 desligamentos, enquanto as contratações limitaram-se a 109, portanto 76 vagas permaneceram em aberto. Em 2019, até setembro, foram 151 aposentadorias e 26 desligamentos, contra apenas 36 contratações, o que resulta em 141 vagas em aberto.

Ao invés de ampliar o número de contratações por concurso, a Reitoria optou por recrutar professores temporários em regime de 12 horas (dos quais cerca de 30 foram contratados como MS-1, recebendo salário de R$ 927 mensais), e mais recentemente adotou o PART, mediante o qual pretende contratar, em 2019, 250 pós-doutores da própria USP (bolsistas ou não) como Professor Colaborador III, para lecionarem na graduação, por 4 a 6 horas semanais. Os contratos serão de um ano, prorrogáveis por igual período, com remuneração bruta mensal de R$ 1.279,15 e vale-alimentação de R$ 870.

A inicial da ação, que tramitará numa das varas da Fazenda Pública, sustenta que a forma de contratação adotada pelo PART viola o princípio de que a admissão na Administração Pública se dá obrigatoriamente por concurso público. Pior ainda: trata-se de uma nova forma de contratação, alheia aos regimes de trabalho previstos e estabelecidos pelo estatuto da Universidade, pois não se enquadra sequer no Regime de Turno Parcial (RTP), que requer uma jornada semanal de 12 horas e dispensa o docente do envolvimento em pesquisa.

“Segundo o artigo 3º e seguintes da Resolução 7.754/19, os candidatos que preencherem determinados requisitos poderão participar de um processo de seleção constituído por uma série de etapas de avaliação entre comissões da própria USP. Tal forma de admissão docente, forma de contratação no serviço público, burla completamente as regras de concurso público e os princípios constitucionais a elas adjacentes, como o princípio da impessoalidade”, destaca a ação judicial, observando que até mesmo os docentes admitidos pela universidade por meio de contratos temporários submetem-se “a processo seletivo à semelhança do concurso público como forma de admissão”.

Portanto, acrescenta, a “nova modalidade de contratação” representada pelo PART é uma “verdadeira burla ao artigo 37, II da CF [Constituição Federal], caracterizando uma nova forma de contratação docente completamente inconstitucional”. Além disso, a ação da Adusp enfatiza que a Resolução 7.754, que criou o PART, foi editada à luz da Lei Complementar Estadual (LC) 1.093/2009, que admite a contratação temporária de servidores públicos estaduais por prazo determinado e que foi julgada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça (TJ-SP) em 2018.

A Adusp pede que seja concedida tutela de emergência (por decisão liminar), isto é: que a justiça, reconhecendo o perigo de dano oferecido pelo PART, suspenda as possíveis contratações derivadas desse programa até o julgamento final da ação: “A medida antecipatória é de vital importância nesse momento, à medida em que a Universidade ainda implementa as condições para as contratações, como a formação das comissões para analisar os candidatos selecionados, de tal forma a evitar preventivamente gastos financeiros e recursos humanos em medida ilegal”.

PART “rebaixa carreira e ensino de graduação”, diz Maria Clara di Pierro

A contratação de pós-doutorandos para lecionar nos cursos de graduação sem passar por concurso e sem a supervisão do docentes experientes é problemática, “rebaixa a carreira docente e o ensino de graduação”, avalia a professora Maria Clara di Pierro, do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação (FE), que já havia expressado objeções ao PART durante o Encontro de Docentes da USP realizado em agosto último.

A professora da FE reconhece que há uma antiga reivindicação dos pós-doutorandos de que seja permitida a eles a prática da docência, como lhe foi lembrado por uma colega no intervalo do Encontro (depois que Maria Clara se manifestou no plenário). Seria algo na linha do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), criado pela USP em 2005 e que oferece estágio supervisionado em docência para mestrandos e doutorandos, que assim fazem jus a uma bolsa.

O pós-graduando inscrito no PAE pode dar aulas, a critério do docente supervisor, no entanto o número de horas-aula ministradas por ele não pode ultrapassar 10% da carga horária total da disciplina. Além disso, as Diretrizes do PAE proíbem expressamente “a substituição de docentes pelo aluno PAE, sendo obrigatória a presença física do supervisor acompanhando a prática da regência do aluno”.

Maria Clara declara-se a favor de um programa que permita o engajamento dos pós-doutorandos na docência, mas não com a finalidade de substituição de docentes. “Uma coisa é ele [pós-doutor] ser supervisionado e não substituir o docente. Permitir a substituição, porém, implica o barateamento da carreira”, adverte. “Eles serão professores precários, contratados por um curto período, com salário irrisório [R$ 1.279,15 mensais]. Isso poderá trazer consequências negativas para a sua formação”.

Por outro lado, pondera, é possível que alguns pós-doutores venham a beneficiar-se, em termos de formação, com o programa da Reitoria. “Pode ser um enriquecimento, sem dúvida. Mas, na situação atual de escassez de docentes, isso vai funcionar como uma linha auxiliar do processo de contratações precárias”.

Reitoria cria e leva ao extremo figura do professor-horista na universidade pública

Tão logo a Reitoria divulgou o Edital 2019-2020 do PART, a Adusp denunciou o viés precarizante da medida: “Com o PART, a gestão Vahan Agopyan-Antonio Hernandes leva ao extremo a figura do professor-horista na universidade pública, criada na gestão M.A. Zago-Vahan Agopyan com a adoção dos professores temporários em regime de 12 horas”, registrou o Informativo Adusp 458. Nessa mesma edição o professor Otaviano Helene, do Instituto de Física (IF), opinava sobre a remuneração ultrajante prevista pelo novo programa da Reitoria: “Impensável pagar pouco mais do que R$ 1.200 para um professor contratado para fazer ensino e pesquisa. É um absurdo”.

Em artigo publicado no site da Adusp, o professor José Marcelino Rezende Pinto, do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), ironizou o “nome pomposo” do programa e seu objetivo declarado, a saber: que os pós-doutorandos sejam “agentes ativos para desenvolver suas competências e habilidades visando o ensino de graduação”. A seu ver, ao ser convertida para “português claro” tal frase tem o seguinte sentido: “uma nova forma de suprir a falta de docentes, criando uma categoria de docentes equivalente aos temporários RTP”.

“A combinação de professores temporários, que hoje são 240, o maior número desde o início desse tipo de contratação, com os 250 pós-doutores do PART será um enorme passo na precarização da carreira, alcançando o equivalente a quase 10% do quadro efetivo”, diz o presidente da Adusp, professor Rodrigo Ricupero. “Estaremos assistindo à criação de um verdadeiro novo regime de trabalho, precário e mal remunerado, que com a contínua queda no número de docentes efetivos tenderá a crescer cada vez mais”.

EXPRESSO ADUSP


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