Contratação em RTP permitirá punir docentes “sem proficiência” retirando-os do RDIDP, admite Terra

Em tom debochado, presidente do GT-AD acena com demissões, acusa relatórios departamentais de “ficção” e ironiza colegas

As propostas do GT-Atividade Docente (GT-AD) foram apresentadas por seu presidente, professor Ricardo Terra, em reunião aberta da Congregação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) em 20/8. Na ocasião, o documento final do grupo sofreu duros questionamentos, sendo ampla­mente contestado por muitos docentes. “Terra não teve pudor de deixar claros aspectos bem sinistros e propósitos inconfessos do trabalho desse GT”, sintetizou o professor Adrián Fanjul, que participou da reunião presidida pelo professor Sérgio Adorno, diretor da FFLCH.

No entender de diversos professores, o presidente do GT-AD comportou-se de modo desrespeitoso, quase vulgar. Além de ironizar algumas das críticas recebidas, acusou os projetos departamentais de serem “fictícios”, na medida em que “cada departamento faz uma ficção para ver se consegue mais claros”.

O professor Álvaro Faleiros, chefe do Departamento de Letras Modernas, reagiu: “Quero manifestar minha surpresa com as colocações do professor Ricardo Terra no que diz respeito ao caráter ficcional das avaliações que a gente faz. Eu passei sessenta dias reunindo meus colegas em reuniões imensas, fazendo um levantamento criterioso dos dados, para responder a essa avaliação institucional. Acho um absurdo ser chamado de ficção o trabalho que a gente faz aqui”.

Ao apresentar as propostas do GT-AD, Terra procurou convencer a Congregação de que os documentos produzidos pelo grupo resultaram de amplo debate na USP. Ele descreveu o que chamou de “mobilização razoável” do GT-AD, que teria assegurado a diversidade. “Eu mesmo visitei uma série de congregações e cheguei a discutir com centenas de professores”, disse, acrescentando que no total (uma vez que vários outros membros do grupo também o teriam feito) “chegamos a discutir com alguns milhares de professores”. Porém, ele recusou-se sistematicamente a debater com a Adusp, apesar dos repetidos convites.

Algumas congregações, ao analisar as propostas do GT-AD, propuseram medidas diferentes, disse o presidente do grupo. “O que vamos fazer em setembro é organizar estas propostas, e em outubro, vamos traduzir os temas numa linguagem jurídica, visando [elaborar] propostas de mudanças regimentais”. Sem explicar os motivos da pressa, declarou: “Não sabemos se vai dar tempo ainda, neste ano ou não, de começar a votar no Co [Conselho Universitário]. Provavelmente não”. Por outro lado, ele revelou que as sugestões que chegarem serão filtradas: “O GT não vai fazer um levantamento de todas as posições, ele vai articular algumas propostas”.

Terra citou algumas das manifestações recebidas. O IAG, exemplificou, está propondo a criação da figura do Professor Pleno, bem como a criação de incentivos à produtividade; é favorável à integração CERT-CPA-CAA; é contra o regime de 40 horas sem dedicação exclusiva. “A Esalq também insiste na criação de incentivos, bolsa de mérito acadêmico, bônus etc.”, mas rejeitou a integração das comissões de avaliação. “Por outro lado são radical­mente contra a contratação em RTP [Regime de Tempo Parcial], acham que deve se manter o sistema atual”.

Professores Ricardo Terra e Sérgio Adorno na reunião aberta de 20/8 da Congregação da FFLCH, em imagem de vídeo

Indagações

Iniciada a etapa de esclarecimentos, a professora Rosangela Sarteschi registrou que o documento do GT-AD indica remédios, mas não apresenta diagnósticos. “Foram feitos com base em que dados? Esses dados não são transparentes. A gente não consegue identificar, afinal, no que é que somos ruins, no que é que os professores da universidade estão falhando”. Ela questionou a proposta de transferência de Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) para RTP dos docentes cuja atuação seja considerada insuficiente. “No RTP apenas estará apto à docência, não a fazer pesquisa. Isso é privilegiar o ensino? Destinar ao ensino aqueles que — na visão, claro, do órgão central — não estão aptos às outras tarefas, mas estão aptos a dar aula?”

Quanto ao diagnóstico, Terra inicialmente tangenciou: “O GT vem do projeto de campanha do reitor, ele na campanha colocou a questão da atividade docente. Então é o diagnóstico da campanha do reitor”. Depois, acrescentou à guisa de explicação: “Tem muita coisa ruim na universidade. História perdeu o 7 [nota máxima da Capes], em Letras só Linguística tem 7 na pós-graduação, dos 50 melhores cursos só Filosofia está na lista, então tem muita coisa complicada”.

Quanto à regra proposta para mudança de regime, reconheceu que “sem dúvida nenhuma” é contraditória com a valorização do ensino. Ao mesmo tempo, deixou claro que considera exíguo o período probatório de seis anos e que preferiria a pura e simples demissão dos professores mal avaliados, caso fosse possível: “Isso é uma limitação do serviço público. É claro que quem não tem a proficiência deveria ser demitido. Mas há uma impossibilidade de demissão. Concordo, o efeito [transferir ao RTP] é péssimo. Isto é dificuldade da universidade pública, em que se tem muito cedo a estabilidade”.

Propostas da Adusp

Em relação à carreira e aos regimes de trabalho, a Adusp tem deliberações, já amplamente divulgadas, que se contrapõem aos desígnios da Reitoria. Confira.

Condições de trabalho acadêmico

  • Avaliação qualitativa e global do trabalho docente, no âmbito das unidades, que contemple a análise de seus diversos aspectos: ensino, pesquisa, extensão e engajamento institucional;
  • Rediscussão ampla da estrutura da carreira docente, com as seguintes possibilidades de detalhamento: a) fim da centralização da avaliação externa às unidades; b) cancelamento da mudança que introduziu os níveis horizontais; c) reavaliação do nível em que a carreira deve se iniciar (MS1, MS2 ou MS3);
  • Extinção do processo de flexibilização no RDIDP;
  • Reposição e ampliação do corpo de docentes e funcionários técnico-administrativos, visando a qualidade das atividades de ensino, pesquisa, extensão e do engajamento institucional.

 Programa Mínimo da Adusp para USP, 11/11/2013

Apenas caso seja mantida a carreira com níveis horizontais

  • Descentralizar o processo, substituindo o atual procedimento de inscrição e julgamento pelo sistema de editais semestrais regularmente publicados para as diferentes áreas, em todas as unidades da USP.
  • Julgamento qualitativo e global das atividades desenvolvidas pelo candidato nas áreas de ensino, pesquisa, extensão e engajamento institucional, bem como no projeto pedagógico-científico da unidade e/ou departamento (inerentes ao RDIDP e ao Regime de Turno Completo-RTC). Este julgamento será feito por bancas constituídas no âmbito das unidades, que avaliarão o candidato por meio de prova única de defesa pública de memorial, não havendo concorrência entre os candidatos, sendo considerados aptos a progredir todos os que foram recomendados pela maioria da banca, sem que possam ser estabelecidos indicadores relativos a quantidade ou proporção de aprovados.
  • Eliminar um dos níveis horizontais da categoria de Professor Associado mantendo, para aquele que permanecer, as atuais prerrogativas previstas para o nível de Associado 3.
  • Retirar a previsão do interstício preferencial de 5 anos para cada ascensão aos diferentes níveis.
  • Manter explícita a possibilidade de progressão vertical, sem necessidade de prévia progressão horizontal.

Propostas da diretoria da Adusp para revisão da Progressão Horizontal, 29/4/2013 e 14/4/2015

 

A professora Vima Martin ateve-se à crítica feita pelo presidente do GT-AD, na reunião aberta, aos relatórios dos departamentos: “O sr. afirmou que eles são uma ficção, sem nenhum tipo de qualificação. ‘Eles são fictícios’, o que me deu a impressão de que o sr. está se referindo aos relatórios de todos os departamentos desta universidade. Eu queria saber em que tipo de situação concreta se baseia essa afirmação tão contundente”.

Terra, então, recuou da generalização, mas voltou a complicar-se: “Sim, você tem razão, a afirmação foi ampla demais. Não são todos. É um ou outro. Todos os que eu já li até hoje são ficções. E todos os que eu fiz até hoje também. Quando eu era chefe de departamento os relatórios que eu fiz eram mera ficção. Então tem a má-fé e tem a sinceridade”.

RDIDP x RTP

Atualmente a quase totalidade dos concursos para ingresso na carreira é para cargos em RDIDP, mas a proposta do GT-AD é de que os concursos sejam em RTP, com indicação no edital do regime preferencial especificado pelo departamento ou unidade. “Eu gostaria de entender o que fundamenta esta proposta”, questionou o professor Paulo Menezes, “tendo em vista que para a faculdade isso parece quase um absurdo: com RTP nunca mais vamos conseguir contratar ninguém, porque as pessoas que vêm de outros lugares já vêm com outros regimes, ninguém vai querer sair de uma federal para perder tudo e entrar em RTP aqui”.

Terra deixou claro que a finalidade da mudança é permitir à Reitoria punir o docente em RDIDP cujo desempenho seja considerado insatisfatório. “Uma coisa é o departamento determinar que o importante seja o RDIDP. Outra coisa é o edital. A ideia é fazer o edital como o da Unicamp. Na verdade seria transformar os editais da USP para serem iguais aos da Unicamp”, disse o presidente do GT-AD. “Na Unicamp todos os editais são em RTP com indicação para RDIDP. O docente é aprovado e quando assina o contrato começa a receber em RDIDP. Qual a consequência disso? Que o docente pode perder o RDIDP a qualquer momento da carreira. A razão é clara. É poder rebaixar [de RDIDP para RTP]. Alguém que absolutamente não tem proficiência, seja rebaixado”.

O professor Osvaldo Coggiola contestou a afirmação de que a campanha de reitor tenha realizado um diagnóstico da atividade docente. “Eu li os materiais da campanha eleitoral do professor Zago e não havia grande especificidade em relação a isto. Essa parte que se referia à atividade docente e carreira era singularmente pouco desenvolvida, pouco detalhada, em comparação com outras como a proficiência em língua inglesa para toda a comunidade. Apareceu sim forte depois da campanha eleitoral, e nós sabemos quando: a eleição se produziu pouco antes de uma greve, e no meio da greve houve uma entrevista do professor Zago que apareceu nas páginas amarelas da [revista] Veja. Quando aí sim a esta questão foi concedida muita importância. E que provocou muitas reações de diversos professores, porque eram acusações muito graves. Isso sim fundamentava uma proposta como essa. Esse tipo de afirmações feitas não na campanha, nem nos materiais eleitorais. Foram feitas depois da campanha, uma vez o reitor eleito, através de um órgão de imprensa”.

Em resposta à opinião de Terra sobre “muita coisa ruim na universidade”, Coggiola colocou em dúvida que as notas atribuídas aos programas de pós-graduação constituam critério confiável de avaliação. “Estas variações de notas são muito comuns e o próprio reitor, na hora de explicar uma variação da USP nalgum ranking internacional, utilizou o argumento de que esses avanços e retrocessos são naturais. Quase utilizou o argumento dos economistas das variações sazonais, que não indicam mudança estrutural”.

Por fim, em contraponto à caracterização de um engessamento normativo que “impediria que medidas fossem adotadas para alentar aqueles que têm um comportamento excepcional e para desalentar aqueles que, para usar a linguagem do reitor, são acomodados”, o docente disse: “Já existem instrumentos para isso tanto no Estatuto como na legislação ordinária. Uma pessoa pode ser mudada de regime de trabalho e um funcionário público, inclusive no setor universitário, pode ser demitido — existem legislação e regulamentos específicos. Por que o GT não se referiu a esses instrumentos que existem? E se é disto que se trata, por que não se atacou o problema no documento? O debate se faria de maneira mais sincera, cara a cara. O documento propõe uma série de instrumentos, para utilizar uma linguagem popular, sem ‘dar nome aos bois’”.

Incomodado, Terra, em clara contradição com suas declarações anteriores, devolveu apenas: “Não sei se eu entendi a pergunta. A pergunta mesmo o que é? O documento é muito claro. Tem que saber ler. Ele diz claramente que a contratação é em turno parcial. Por que? Porque pode ter uma tendência para o RDIDP. E pode ser demitido! Tanto é que nas congregações em que eu fui discutiu-se direto [sic] sobre isso. Não tem nada escondido, nenhum mistério. Tem que saber ler o texto”.

Antes mesmo de completar-se uma hora de reunião, o tom agressivo e de deboche do presidente do GT-AD ao responder a comentário do professor Faleiros de que não identificou nas propostas nada que valorize a carreira docente — “se você não entendeu como valoriza, eu não vou repetir mais uma vez”, “se você não é capaz de entender…” — provocou forte reação de parte do plenário, que chegou a pedir o encerramento da conversa.

Informativo nº 406

Matéria atualizada em 12/9/15

EXPRESSO ADUSP


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