Sem diagnóstico e fundamentação, Reitoria não consegue defender propostas no Encontro de 6/6

foto: Daniel Garcia

Após fazer referência a “cirquinho da Adusp”, Ricardo Terra é calado por protestos de docentes

A Reitoria, é bem verdade, esforçou-se. Enviou ao Encontro de Professores da USP, realizado em 6/6 no Centro de Difusão Internacional, uma delegação de peso, encabeçada pelo vice-reitor (e reitor em exercício) V. Agopyan. A missão da equipe, composta ainda por Maria Paula Dallari Bucci, superintendente jurídica da USP, e Ricardo Terra, ex-presidente do Grupo de Trabalho Atividade Docente (GT-AD), era provar ao público do Encontro que o “Estatuto do Docente” e a “Nova CPA” são propostas legítimas, adequadas e contam com grande apoio institucional. Não conseguiram: o Encontro foi cenário de enorme rejeição às propostas da Reitoria.

fotos: Daniel Garcia
Professor Ciro Correia durante sua exposição
Professora Maria Luiza Schmidt (IP)
Professores José Renato Araújo, Ciro, Maria Paula e Ricardo Terra

Numa de suas intervenções, o professor Terra, que vem se notabilizando como porta-voz das concepções sobre avaliação e carreira predominantes na gestão M.A.Zago-V. Agopyan, se indispôs com parcela expressiva do público, ao atribuir algumas das críticas recebidas no debate ao “cir­qui­nho da Adusp”. Neste momen­to, foi alvo de fortes protestos e precisou calar-se.

Coube a V. Agopyan a abertura do evento, realizado por iniciativa dos representantes das categorias docentes no Conselho Universitário (Co) e que reuniu centenas de docentes. Após as apresentações de Maria Paula e Terra, ambos integrantes da comissão nomeada pelo reitor, em defesa das propostas, foi a vez da exposição do professor Ciro Correia, representante da Adusp, que repudiou as propostas e pediu que não fossem levadas a voto no Co. Seguiram-se rodadas de comentários e perguntas do público, entremeadas por respostas da mesa.

A suposta necessidade de atualização da carreira foi pretextada pelo vice-reitor, na sua breve explanação, como justificativa das mudanças propostas pela Reitoria: “Certamente, a atualização da carreira e avaliação docente contribuirá para a melhoria da universidade, consequentemente contribuirá para a melhoria do nosso relacionamento interno”. Disse que o tema foi importante na campanha eleitoral de reitor, “nós colocamos porque as críticas existem e são justas, já que estamos falando de uma metodologia implantada na década de 1980”, portanto “no calor das discussões” da transição democrática. “E agora, com calma, nós podemos analisar”.

Prorrogação

“A pedido de vocês”, concedeu V. Agopyan, “o [reitor M.A.] Zago prorrogou para o Co de agosto analisar as propostas de avaliação e carreira docente. Mas eu quero chamar a aten­ção para não postergarmos muito, porque se nós não conseguirmos discutir isso este ano, infelizmente ficará para a próxima gestão.”

Defendeu a centralização da avaliação: “Nós temos de pensar no professor dentro do departamento e da unidade. E é a junção da CPA com a antiga CERT e a criação de duas câmaras [CAI e CAD], que conversam entre si continuamente, que vai fazer com que a avaliação não seja descolada. E conforme a política do departamento ou da unidade, é possível ter critérios e diretrizes diferenciadas de docente para docente.” Ainda segundo o vice-reitor, o Co “será o responsável pelos parâmetros de qualidade, que devem ser suficientemente amplos para enquadrar docentes com perfis diferentes”.

Maria Paula, por seu turno, garantiu que a comissão recebeu “uma série de contribuições de várias unidades, mostrando que o debate está acontecendo na universidade”, e “que há interesse pela presença da matéria e de fato, é assunto que a comunidade está abraçando como um assunto a ser construído”. Declarou que “a proposta precisa de aprimoramentos e foi apresentada ao público nesse espírito”. Exempli­fi­cou: “Um aspecto que vem sendo trazido, e que a proposta erra ao não deixar claro o suficiente, é que a ideia é incorporar uma cultura de avaliação que a USP já tem”, por exemplo: “a avaliação deve contemplar as áreas”.

Ainda segundo a superintendente jurídica, “a proposta parte da premissa de que a CERT faz um tipo de avaliação muito focada no que era a tônica do momento em que ela foi criada, um momento de estabelecimento e consolidação do RDIDP”, e tenta “alinhar a vida docente a partir daquilo que o professor Vahan já explicitou, em especial a ideia de que o docente tem um projeto acadêmico que vai orientando toda a sua vida, e este guarda uma harmonia com o projeto do departamento e o projeto da unidade”.

Barreira

Ciro iniciou sua exposição lembrando que “a estrutura da carreira deve ser simples e não uma verdadeira barreira de obstáculos”, “nem todos que tem competência acadêmica podem chegar ao topo da carreira”. Ainda segundo Ciro, a estrutura de poder da universidade deve estar dissociada da carreira docente.

Em 2014, quando estavam em discussão a reforma estatutária e a democratização da universidade, “nós apresentamos contribuições com princípios, fundamen­tações, diagnósticos e propostas objetivas para todas essas questões, nenhuma delas realmente considerada”. Criticou o vídeo que o reitor fez circular na comunidade universitária. Na sua avaliação, a administração deveria era “refletir sobre a oportunidade histórica desperdiçada”, pelo reitor, na condução das reuniões do Co sobre a estrutura de poder, realizadas sob a coordenação da Caeco, em 2014.

Ele situou a origem histórica do atual processo de elaboração das propostas de avaliação docente e institucional, do “final desagregador da gestão Rodas” até a greve de 2014, quando o reitor, em entrevista ao Estado de S.Paulo e à Veja, “explicita suas premissas para a USP”. Para ele, a postura autoritária de M.A. Zago e os conflitos de interesses no Co foram determi­nan­tes para a falência do processo de democratização da uni­versidade, resultando na injus­tificável criação de grupos como o GT-AD e, posterior­mente, a “comissão de sete res­ponsáveis pelas proposta em pauta, atribuindo-lhes nada menos que a incumbência de analisar e propor alterações estatutárias e regimentais no âmbito da USP”. Três dos sete membros da comissão (Carlos G. Carlotti Jr., Adalberto Fischmann e José R. Cruz e Tucci) são fortemente vinculados a fundações privadas ditas “de apoio”, observou, ao passo que a professora Maria Paula, quando esteve no MEC e agora na Reitoria, vem tomando decisões favoráveis às fundações e aos cursos pagos.

Ciro criticou os diferentes pontos relacionados tanto à estrutura e à composição da “Nova CPA”, quanto da nova avaliação, que introduz o regime probatório de três anos e mantém um período de “acompanhamento” de mais três anos, além de prever avaliação quinquenal para todos os docentes.

“A avaliação inicial será feita tendo por base um formulário de avaliação aprovado pela CAD. Uma Comissão de Avaliação de Estágio será criada sem que maiores detalhes sobre composição sejam dados, exceto que pode conter membros da CAD. Ao departamento caberá apenas elaborar um parecer, com base no referido formulário, que será submetido à  Comissão de Avaliação de Estágio a quem competirá a avaliação final”, observou Ciro. “Ou seja, a CAD e a CPA decidirão absolutamente tudo: a composição da comissão de estágio, o formulário de avaliação e a aprovação ou não do referido estágio. Em caso de não aprovação, pode-se interpor recurso à CPA, em última instância. O não acolhimento do recurso implicará exoneração”.

Assim, concluiu, as propostas  “impõem um caráter punitivo para os supostos procedimentos de avaliação”; “desmerecem, desqualificam e infan­tili­zam o corpo docente da univer­si­da­de, inclusive ao tratar a avalia­ção do trabalho acadêmico como um sistema que opere à base de prêmios e castigos”; “ferem o direito à ampla defesa e ao contraditório”; e “promo­vem o fim da estabilidade” dos docentes.

Demolição

As intervenções do plenário somaram-se às considerações de Ciro, terminando por demolir as propostas da Reitoria, bem como as apresentações de seus porta-vozes no debate.

Andres Vercik (FZEA) observou não haver coerência entre as apresentações e o teor dos documentos. Destacou a inexistência de um diagnóstico que embase as propostas: “Estamos discutindo a solução de um problema, sem saber qual é o problema”, e informou que sua unidade deliberou pela rejeição total dos documentos.

Sônia Kruppa (FE) disse que a avaliação depende de uma escolha, e que esta é um ato político e não técnico: “Não basta que as escolhas sejam legais, elas precisam ter legitimidade”. A seu ver, a Reitoria pretende um processo de centralização inaceitável, porque coloca “nas mãos de um grupo todo-poderoso”, a “Nova CPA”, tanto a atribuição de criar as normas do processo de avaliação, quanto a de conduzir o julgamento.

Manfredo Tabacniks (IF) elencou as críticas feitas por sua unidade, da qual é vice-diretor: “forte viés centralizador, ingerência da administração central nos assuntos da unidade”, pois “o departamento é que deve decidir como tratar o docente, a promoção dos docentes não deve ser misturada com a avaliação”. Condenou também a inclusão, na “Nova CPA”, dos dirigentes da Agência USP de Coope­ra­ção Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani) e da Agência USP de Inovação (Auspin).

Waldir Beividas (FFLCH) contestou a menção a “uma espécie de ansiedade de avaliação”, feita por V. Agopyan: “Hoje é a primeira vez que se chega a fazer um debate sério. Essa ansiedade não é dos docentes, é do reitor, de levar para seu currículo uma avaliação que pode ser uma tragédia”. Ele exigiu que o debate se faça com “interlocução qualificada”, criticando Terra: “Não podemos ser tratados como circo, a Adusp merece respeito”.

Em resposta às críticas do plenário sobre a falta de diagnóstico, Terra minimizou, fazendo referência à dispersão das normas referentes à avaliação: “É muito simples o diagnóstico: é consolidar essas legislações”. Também procurou rebater as questões de fundo alinhadas no debate: “Ora, façam propostas. A imaginação é fundamental”. 

Maria Paula acenou com a retirada da suspensão de licença-prêmio como punição prevista para docentes mal avaliados, “que tem sido objeto de muitas críticas”. Quanto à possível formulação de propostas alternativas, anunciada por alguns docentes, ela chegou a declarar: “Se vier uma proposta do zero, eu não tenho objeção”.

Ciro reforçou: “Não é possível, não é razoável, não é sustentável que se mantenham esses documentos na pauta do Co. Espero que essas propostas sejam, sim, retiradas de pauta”.

 

Vários colegiados rejeitam as minutas in totum

Diversas congregações e conselhos departamentais rejeitaram as minutas da Reitoria. Caso da Congregação da FFLCH, que em 20/5 decidiu “que as alterações estatutárias propostas devem ser rejeitadas em bloco”.

Segundo o documento, “a primeira coisa que chama a atenção é o caráter centralizador e anti-democrático da proposta, expresso já na formação das duas câmaras subordinadas que serão responsáveis pelas avaliações, bem como na total falta de anteparos para eventuais abusos de suas decisões”, e no fato de que o reitor “escolhe monocraticamente” os seus membros.

A Congregação rejeita a possibilidade de abertura de processos administrativos contra docentes mal avaliados e a concepção vigente nas minutas, de “autonomia tratada como uma recompensa eventual”, e atividade acadêmica subordinada à  “produtividade empresarial”.

Reunidos em 20/5, os professores doutores da FCFRP rejeitaram os documentos e a forma de condução do processo. “No que concerne à avaliação individual, a inexistência de critérios claros e objetivos que valorizem igualmente o tripé da Universidade (Ensino, Pesquisa e Extensão) causará mais danos do que benefícios. Entende­mos que a avaliação individual deve ser ampla e homogênea, incluindo todas as categorias docentes.

O sistema proposto causará danos aos docentes ingressantes”. Acrescentam: o que se propõe nas minutas é “um regime que irá desestimular o docente”. “A leitura dos documentos enviados sugere que os docentes precisam ser intensamente vigiados e punidos. Nosso entendimento é que a ava­liação docente deve ser direcio­nada para a progressão da car­reira e consequentemente o crescimento da Universidade. De onde advém esta necessidade de punição?”

Em 16/5, “por unanimidade, e após ampla e profunda discussão”, os docentes do Departamento de Biologia da FFCLRP “repu­diaram as minutas propostas e solicitam que nossa Congregação e a Unidade envidem esforços para sua rejeição na forma proposta e na sua maneira de encaminhamento, sem a devida e indispensável apreciação pelos órgãos departamentais e da Unidade”.

Ainda segundo o colegiado, a minuta de regimento da Nova CPA não oferece “quaisquer justificativas para a necessidade das mudanças substanciais propostas de função, prerrogativas, inserção institucional, conceitos, metodologia de trabalho e implicações das avaliações” da CERT.

O documento critica a “notável inclinação punitiva” das propostas, que sugerem “uma insa­tis­fação patente com o exercício da docência” na USP, “muito embora nenhum diagnóstico de desempenho tenha sido apresen­ta­do”, e cita diversos ranquea­men­tos para atestar que, “paradoxal­mente, a USP figura em posição de destaque no cenário nacional e internacional”.

Na Faculdade de Educação, Plenária dos Professores realizada em 11/5 apontou, nas minutas da Reitoria, “1) Ausência de diagnóstico que fundamente a necessidade das reformas propostas: quais os problemas encontrados no atual trabalho e avaliação de docentes, departamentos e unidades?; 2) Ausência de explicitação dos princípios teóricos que pautam a avaliação: que conceito de avaliação orienta a proposta da Reitoria?; 3) Ausência de critérios de avaliação: a tônica dos documentos é de remeter a criação de critérios para o momento posterior à aprovação do Estatuto Docente e da Comissão Permanente de Avaliação.”

Também reunido em 11/5, o Conselho do Departamento de Matemática do IME “rejeitou, por unanimidade”, as minutas da Reitoria, e “entende que o processo de deliberação sobre essas propostas deva ser suspenso, dando lugar à ampla discussão sobre avaliação docente prevendo as necessárias interações com as unidades.” 

O Conselho de Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da FMUSP, na reunião de 23/5, manifestou-se “contrário ao processo como está sendo conduzido”, entendendo ainda que as propostas da Reitoria carecem de “justificativa e diagnóstico”. 

A Congregação da FDRP, em 3/6, “após avaliação das 3 minutas enviadas pela Reitoria a respeito de alterações na carreira docente e sistema de avaliação, e em concordância com o que foi deliberado entre docentes da unidade em reunião ampla e aberta prévia, decidiu, por unanimidade, rejeitar o teor de tais propostas”. 

Informativo nº 419

EXPRESSO ADUSP


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