Carreira docente
Nosso “Santo Ofício” (II): CERT afronta engajamento institucional
Você ingressou recentemente na universidade? Saiu-se bem, obteve boa acolhida nas disciplinas que ministrou? Tem conseguido dar conta das atividades administrativas? Sentiu-se feliz com os desafios da sua área de pesquisa? Atentou para a diversidade de perspectivas que se abrem nas atividades de extensão? Empenhou-se nas atribuições recebidas do Departamento e Unidade junto a comissões, laboratórios e projetos? Realizou-se com o reconhecimento do seu Departamento ao seu empenho e engajamento institucional?
Se a resposta a todas essas indagações é “sim” ou “em grande medida”, podemos partir para a próxima pergunta: causou-lhe perplexidade e decepção a manifestação da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT) sobre seu relatório bianual no período de experimentação?!?
Colega, se essa é a situação hostil que você está enfrentando, saiba que não se trata de um caso isolado; que situações desse tipo têm se multiplicado nos diferentes campi e unidades; que essa história não é nova; e que já houve episódios de acirramento desse embate, que tiveram como desfecho o recuo da CERT.
Talvez seja o momento de questionar a própria existência dessa comissão, cujo modus operandi tem total afinidade com as estruturas medievais de poder e nenhuma com a gestão democrática da Universidade, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
A CERT é uma comissão de treze membros, escolhidos e nomeados exclusivamente pelo reitor, sem prestar contas a qualquer instância. Ainda assim, se na USP vigorasse algum respeito por parte da Reitoria à Constituição Federal e ao ordenamento normativo administrativo existente, interno e externo à instituição, a CERT deveria ser apenas uma comissão opinativa, assessora do reitor. Se vigorasse algum respeito…
Como isso não ocorre, a CERT atua como polícia política do poder centralizado na Reitoria, a executar a missão de impor aos docentes, em especial aos recém admitidos, um determinado perfil de atuação, perfil esse antes em sintonia com as premissas e políticas de pesquisa ditadas pelas agências de fomento, do que com qualquer visão acadêmica respaldada pelas instâncias colegiadas das diferentes unidades, no âmbito das pressupostas autonomia e democracia que deveriam caracterizar a instituição universitária.
In verbis: “À Comissão Especial de Regimes de trabalho […] incumbe analisar as admissões docentes, opinar sobre os regimes de trabalho, orientar …..” e “A Comissão a que se refere o caput deste artigo opinará após manifestação circunstanciada do Conselho de Departamento, ouvida a Congregação”, conforme respectivamente o artigo 91 do Estatuto da USP e o seu parágrafo único. Assim, pela norma maior da USP a CERT não tem competência para fazer o que tem feito.
Contudo, em flagrante desrespeito ao Estatuto, lê-se no artigo 8º da Resolução 3.533/89, que regulamenta os regimes de trabalho docente: “Por proposta circunstanciada da Unidade, aprovada pela CERT, ou por iniciativa desta, o docente em RDIDP poderá ser desligado do regime quando o seu relatório de atividades for considerado insuficiente” (grifos nossos). É esta aberrante atribuição que enseja todo e qualquer desvio de finalidades previstas pelo Estatuto para a Comissão e tem lhe resultado em outorga de poder!
Vale a pena fazer a nossa análise recuar no tempo. Nos anos 1990, nos períodos em que a presidência da CERT foi exercida pelos professores Rogério Meneghini (1992-1997), M.A. Zago (1997-1998) e Carlos Humes Júnior (1998-2001), os ataques aos docentes e os conflitos com unidades atingiram o clímax. Isso se deu na esteira da publicação da “lista dos improdutivos” elaborada pela gestão Goldemberg em 1988 (confira aqui a resposta da Adusp, à época).
No final dos anos 1990, quando já se sabia que dezenas de docentes haviam sido desligados do RDIDP por determinação da CERT (e que outros tantos haviam deixado silentemente os quadros da universidade diante da impotência e do desamparo que sentiam frente a tamanha prepotência institucional), pela primeira vez um grupo de colegas decidiu publicamente denunciar e enfrentar a arbitrariedade com que a comissão os desqualificava e buscava transferí-los do RDIDP para o Regime de Turno Parcial (RTP).
Não eram docentes recém ingressos, pelo contrário: tratava-se de quatro professores do Instituto de Geociências (IGc), todos contratados havia mais de 10 anos, todos já tendo cumprido o período de experimentação e gozando de reconhecido engajamento institucional nas atribuições desempenhadas no então Departamento de Mineralogia e Petrologia do IGc.
O que deu ensejo à “recomendação” para mudança de seus regimes de trabalho? Tais docentes haviam prestado concurso de ingresso na carreira em 1997 para os cargos de professor doutor, uma vez que haviam entrado nos quadros da USP nos anos 1980 ou mesmo antes, por intermédio de contratos precários, que na época correspondiam a cerca de 40% das contratações. Aprovados com destaque no concurso, não atentaram para a solicitação recebida após a nomeação: a de que, passados dois anos, encaminhassem à CERT um relatório de atividades. Entenderam a demanda como natural, atenderam-na sem quaisquer questionamentos. Mas em 1999, ao terminarem de ler a manifestação da CERT quanto aos relatórios aprovados sem qualquer ressalva no âmbito da unidade, encontravam-se estarrecidos e perplexos — a mesma perplexidade citada no início deste texto.
Indignados, esses docentes do IGc não se conformaram com a agressão, nem aceitaram as mediações feitas pelo diretor do instituto há época, que à revelia deles, mas em seus nomes, havia negociado com a CERT suas permanências no RDIDP, com o compromisso de que passados mais dois anos apresentariam novos relatórios, dos quais precisaria constar, então, aquela que era e ainda é a moeda de alforria nestes casos: maior número de publicações!
O grupo rejeitou tal acordo, denunciou o absurdo, recorreu das decisões contando com a orientação jurídica da Adusp. Recebeu apoio público e explícito de colegas, do Conselho de Representantes da Adusp, do Conselho do Departamento, da Congregação do IGc e do corpo de estudantes e de funcionários do instituto (vide Dossiê IGc) e, diante da repercussão alcançada, a Reitoria e a CERT tiveram que retroceder.
O movimento conquistou ampla vitória: não apenas anulou-se a agressão recebida, mas abriu-se espaço para que, pela primeira vez, fosse possível negociar com a Reitoria — e ver aprovadas pelo Conselho Universitário — as resoluções 4.925/2002 e 4.928/2002, que restringiram a desenvoltura com a qual a CERT atuava.
Derrotada a comissão naquele momento, sobrevieram tempos menos turbulentos; houve notícias de problemas, mas estes se deram por conta de arbitrariedades cometidas no âmbito de Departamentos e Unidades, também preocupantes e que precisam ser enfrentadas.
Se houve momentos de interlocução com a Reitoria, como os registrados na gestão Melfi (2001-2005), a exemplo da contenção da CERT descrita anteriormente, o que vem prevalecendo na USP são sucessivos mandatos reitorais cada vez mais distantes de qualquer concepção minimamente republicana e transparente de universidade. Tal quadro também parece ter alcançado o ápice nas gestões de J.G. Rodas e M.A. Zago-V. Agopyan.
Assim, não é de se estranhar que novamente o mecanismo para circunscrever a atividade docente aos desígnios da Reitoria, mesmo que à revelia de qualquer procedimento democrático ou sequer a chancela das instâncias decisórias colegiadas, seja novamente reativar a CERT policialesca, sem pudores para se colocar a serviço da intimidação por meio de ameaças da “demissão branca” que de fato representa a mudança de regime de trabalho, com objetivo de enquadrar a todos no modelo “produtivo” do agrado da atual gestão.
Como vimos, M.A. Zago exerceu a presidência da CERT no final dos anos 1990, momento de intensa atividade persecutória da comissão. Mais recentemente, de 2007 a 2010, ele presidiu também o CNPq, uma das agências de fomento que, como outras, tem tido sucesso em fazer vigorar até mesmo na USP seus critérios de “excelência” baseada no dissociado eixo da contagem de publicações.
Se quisermos efetivamente reverter esse cenário policialesco, será necessário articular a todos que hoje estão novamente sendo atacados pela CERT para que publicamente denunciem a agressão (e o assédio moral que visa docilizar e neutralizar as vítimas), permitindo assim que aflore a real dimensão do desagregação institucional que tal situação produz.
Se houver disposição para tanto e mobilização, haverá força política para reverter esse quadro, extinguir essa comissão e construir a perspectiva de tratar do exercício responsável do trabalho acadêmico respeitando-se os projetos das unidades, bem como o engajamento institucional dos docentes, ao invés de reduzir tudo ao cumprimento de metas quantitativas de produção.
Essa luta é fundamental para a instituição e para a devida recuperação e valorização da auto-estima profissional. Some-se a ela!
Informativo nº 401
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