Carreira docente
Reitoria banaliza a contratação de professores temporários e mal remunerados
Um concurso para professor temporário no curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) gerou ampla repercussão negativa nas redes sociais, depois que o edital foi compartilhado por uma página do Facebook conhecida por criticar anúncios de subempregos. Acontece que não se trata de um fenômeno isolado na USP: de março de 2015 a julho de 2017, o número de professores temporários na universidade passou de 39 para 196, ou seja, quase quintuplicou. Segundo o portal do Departamento de Recursos Humanos da USP, só entre julho e agosto deste ano foram abertos 74 processos seletivos para docentes temporários. Essa prática amplia e intensifica a precarização do trabalho docente.
No caso da ECA, o concurso busca um professor para lecionar três disciplinas obrigatórias em uma jornada de 12 horas semanais, com a remuneração de R$ 1.322,41 para contratados com título de mestre e R$ 1.849,66, para aqueles com doutorado. Os participantes terão que provar sua competência por meio de duas provas públicas, uma escrita e outra didática.
Dentre as disciplinas que serão ministradas pelo vencedor do concurso está aquela denominada “Laboratório de Jornalismo – Jornal do Campus”, em que o professor, além das aulas, é responsável por conduzir a produção de um jornal quinzenal, participar de reuniões de pauta e acompanhar o desenvolvimento individual dos estudantes e o fechamento de cada edição. Ou seja, a disciplina exige muito mais tempo de trabalho do que as 12 horas semanais declaradas no edital.
Questionado sobre os motivos para a maior contratação de docentes temporários na unidade (de cinco para 11 entre 2015 e 2016), o diretor da ECA, professor Eduardo Monteiro, aponta o contingenciamento de recursos do Orçamento, que impediu a unidade de contratar professores efetivos em 2016. “O aumento do número de professores temporários se deve ao número de vagas em aberto atualmente na ECA em decorrência de aposentadorias recentes (maioria dos casos) e demissões (em menor número), que ainda não foram repostas ao nosso quadro de servidores docentes”, declarou o diretor ao Informativo Adusp, por e-mail.
Solução paliativa
No conjunto da USP, percebe-se que entre março de 2015 e julho de 2017 o número de professores em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) reduziu-se em 330, enquanto o número de inativos cresceu em 249. No mesmo período, a proporção de docentes em RDIDP no corpo docente da universidade caiu de 86,90% para 84,98%, enquanto o contingente de temporários aumentou de 0,63% para 3,32%.
São muitos os exemplos a mostrar que a política da Reitoria é disseminar a contratação de temporários como solução paliativa “a perder de vista” para repor as vagas deixadas pelos professores que se aposentam. Segundo o Portal da Transparência da USP, entre 2015 e 2016 o número de docentes temporários na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) passou de quatro para oito; na Escola Politécnica (EP), de quatro para 10; na Faculdade de Medicina (FM), que sequer possuia professores temporários em 2015, houve oito contratações no ano seguinte.
Procurado pelo Informativo Adusp, o professor Alexandre Barbosa, que ocupa até o final deste ano a vaga de professor temporário de jornalismo que o recente concurso da ECA busca repor, considera que a experiência foi positiva por propiciar o contato com os estudantes do curso de jornalismo e o aumento de convites para eventos acadêmicos e escrita de artigos. Entretanto, ele admite a sobrecarga de trabalho: “Sinceramente, o Jornal do Campus é uma disciplina muito complexa, mas como eu sou professor que também dá aula nas universidades particulares, essas coisas não me afetam tanto, porque estou acostumado”, diz Barbosa, que se doutorou pela ECA em 2006. “É algo que dá trabalho, mas não foi algo impossível de tocar. O que eu não conseguia, algumas vezes, era conciliar com meus outros trabalhos”.
“A contratação de professores temporários é uma precarização gigantesca do trabalho docente, impondo aos colegas jovens uma exploração em troca de algum ganho de experiência. Além disso é, evidentemente, um problema para a qualidade do ensino, pois, independentemente dos méritos e da vontade do colega, o fato é que quando este já estiver familiarizado com o curso seu contrato estará se encerrando e logo em seguida entrará um novo professor que vai ter de começar tudo do zero”, comentou o professor Rodrigo Ricupero, presidente da Adusp.
“O que temos apontado é que por trás da contratação de temporários está um projeto maior da Reitoria”, continua ele. “Projeto que pretende dividir os docentes entre professores pesquisadores, com direito a dedicação exclusiva, e professores destinados apenas a atividades didáticas, com baixos salários, regime de turno parcial e contratos precários, quebrando assim a indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão e a dedicação exclusiva como regime preferencial — bases da qualidade da universidade. É o problema do financiamento da USP ditando a política acadêmica”.
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