A Assembleia Geral da Adusp, reunida em 22/3/2023, aprovou a pauta da campanha de data-base proposta pelo Fórum das Seis e decidiu produzir esta declaração acerca da atual conjuntura na Universidade e no movimento docente. O texto foi finalizado em 24/3, depois da aprovação pelo Conselho Universitário (Co) da Gratificação de Valorização, Retenção e Permanência (GVRP) proposta pela Reitoria.

Sobre a proposta de gratificações – bônus e ônus

A gratificação aprovada pelo Co gera bônus e ônus.

Os bônus estão relacionados a dois fatores:

  1. Uma gratificação financeira traz alívio para muitas e muitos de nós, pois permite pagar dívidas e gera respiros com contas que não fecham;
  2. A Reitoria reconhece, com essa medida, que há disparidades e desigualdades contratuais graves entre grupos de docentes. Essas diferenças são denunciadas pela Adusp há tempos, e por isso, para se contrapor a esse desequilíbrio, mantém e dá ênfase à valorização dos níveis iniciais da carreira na sua pauta de reivindicações, o que se associa à sua história de luta por uma carreira aberta.

O alívio financeiro e esse reconhecimento de disparidades por parte da Reitoria são os bônus da proposta.

Quais são os ônus?

  1. A forma como a proposta foi construída prejudica (e pode até arrefecer) a discussão referente à data-base. Ela foi formulada no mesmo momento em que devem ocorrer negociações sobre a data-base referentes à necessidade de reajuste salarial para compensar as perdas sofridas. A gratificação é pontual e transitória. Além disso, ela não altera as perdas sofridas devido às mudanças na Previdência e na aposentadoria para quem ingressou na USP depois de 2003. Essas questões atravessam a discussão da data base.
  2. As reformas da Previdência de 2003 e 2019 dividiram nossa categoria em relação às condições salariais e de aposentadoria. A gratificação (GVRP) aprovada no Co em 23/3 acirra a fragmentação do corpo docente, ao cindir a categoria em grupos com cortes de 20, 15, 10 e 5 anos, com pagamento de valores escalonados conforme a data de ingresso. Se, no caso de docentes, foram consideradas as mudanças que ocorreram a partir de 2003, qual foi o critério para a data de 20/3 daquele ano? Como fica a valorização de docentes que ingressaram nos dias ou meses anteriores e que igualmente sofrem com as perdas salariais desde 2012? Outra questão que se coloca: como valorizar o trabalho de docentes com contrato temporário que contribuem em demasia para a construção dessa universidade e vivem situação de intensa fragilidade laboral?
  3. A gratificação nos moldes em que foi aprovada reforça a desigualdade e falta de isonomia existente entre servidores(as) docentes e servidores(as) técnico-administrativos(as). A proposta demandaria, para sua adequada elaboração, a participação destes(as) servidores(as), o que evidentemente não ocorreu. Além destes critérios, não seria necessário discutir conjuntamente o valor a ser recebido por cada categoria?

A situação dos(as) docentes com contratos mais recentes

Aqueles(as) que tiveram subtraído o direito à aposentadoria integral e com paridade, e mais ainda aqueles(as) que estão realmente em início de carreira devem ser os(as) destinatários(as) principais dos esforços da USP para melhorar a remuneração do corpo docente. A Assembleia da Adusp — entidade cuja diretoria e cujo Conselho de Representantes atuais são integrados majoritariamente por professoras e professores com esse perfil de ingresso mais recente — afirma e reitera que a valorização do salário é o caminho mais seguro para as e os colegas que ingressaram na universidade nos últimos vinte anos.

Todos os outros adicionais, que são alívios pontuais que ajudam a “chegar ao final do mês”, desaparecerão no momento da aposentadoria. Esta supressão afetará principalmente os(as) que ingressaram depois de 2003, e menos os(as) que ingressaram antes, que, por enquanto, mantêm a aposentadoria integral. Ao priorizar a valorização do salário efetivo a todos e todas, a Adusp não privilegia colegas com contratos mais antigos(as), como pretende certo discurso divisionista, menos ainda pessoas já aposentadas, pois trata-se de uma perspectiva de futuro salarial para a nossa categoria. A prioridade na direção de um salário com seu poder aquisitivo efetivamente recomposto defende, principalmente, os(as) que perderam o direito à aposentadoria integral.

Essa defesa mantém a reivindicação da derrogação das reformas previdenciárias. Por mais que isso, hoje, pareça longe do horizonte, manter essa perspectiva significa entender a aposentadoria integral como direito e não como privilégio.

Os recentes questionamentos em relação ao tempo de serviço como suposto fator de injustiças e desigualdades na remuneração de docentes tornam-se uma perigosa estratégia de fragmentação da categoria. Como consequência poderia haver a indicação de propostas de eliminação de quinquênios e sextas partes, como já aconteceu nas universidades federais. Nesses casos, aquelas(es) que ainda não incorporaram esses adicionais ao salário, isto é, pessoas contratadas mais recentemente, seriam os(as) mais prejudicados(as). A Adusp tem defendido propostas para diminuir a desigualdade salarial, como a de valorização dos níveis iniciais da carreira mediante a redução dos interstícios salariais entre níveis, e, em algumas campanhas de data-base, a atribuição adicional de um valor fixo, porém, sempre incorporado ao salário.

“Talentos” ou “devedores”?

Entender a desvalorização dos nossos salários e das nossas condições de trabalho requer compreendermos a real situação da nossa categoria. Um artigo recente da Revista Fapesp informa que existe um desemprego de aproximadamente 100.000 cientistas em início de carreira. Tal contingente explica as dezenas de candidatas(os) com grandes qualificações que se inscrevem em concursos docentes com apenas uma ou duas vagas na USP e em outras universidades públicas. Há áreas onde as tendências do mercado determinam pouco interesse em trabalhar na universidade. Mas, na maioria das áreas, há grande concorrência para as vagas de concursos.

As razões pelas quais um certo número de colegas tem pedido exoneração nos últimos anos precisam ser estudadas em detalhe, e enquadradas nesse panorama geral. Pelo que a Adusp conseguiu levantar, os motivos são diversos, e as pressões, a sobrecarga de trabalho, as cobranças excessivas e o consequente adoecimento físico e mental do professorado, somadas à falta de docentes e de funcionárias(os) estão entre eles, além dos salários defasados.

Por isso, não é uma estratégia inteligente a categoria docente valer-se da figura do “novo talento” como aquele que merece receber concessões das autoridades universitárias. As gestões reitorais podem eventualmente falar do “novo talento” e da necessidade de “atrair e reter” profissionais para justificar a concessão de bônus não remuneratórios. Ocorre, no entanto, que a mesma figura é invocada para condicionar a contratação docente e os projetos dos departamentos e áreas, como estamos vendo nas exorbitantes justificativas que são exigidas para cada claro no processo de reposição, e também no lançamento de editais de concorrência por claros entre unidades.

O “novo talento” aparece ainda na comparação implícita a que cada docente é submetida(o) tanto no estágio probatório como na avaliação para progressão horizontal, com políticas como a do ranqueamento. De fato, para a burocracia universitária, o “novo talento” podemos ser todas(os) nós até o momento em que ingressamos. A partir do ingresso, o que temos visto é o tratamento da(do) docente como um ser “sempre em dívida”, que constantemente precisa mostrar que não deixou de cumprir atribuições excessivas, algumas delas sem sentido.

Rejeitar a divisão e fragmentação, fortalecer a Adusp!

O estímulo à divisão da categoria não se limita à setorização entre “novos” e “antigos”, pré ou pós 2003, com ou sem sexta-parte, “talentos” e “destalentos” etc. Ele apaga o papel da organização associativa e sindical dos docentes, que visa, exatamente, o contrário da divisão que enfraquece os esforços comuns. Esse apagamento se presentifica na exclusão da Adusp das atuais comissões montadas pela Reitoria para propor reformas para a carreira em função das diferentes aposentadorias e para debater o papel da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT).

Os embates não apenas dentro da USP, mas também em função do que pode ser implantado para todo o funcionalismo público com os planos de reforma do governo bolsonarista de São Paulo, requerem fortalecer a associação sindical e a unidade da categoria. A Adusp, desde sua origem e em toda ocasião, tem participado da resistência frente à ameaça de perda de direitos.

Em 2020, quando da aprovação da reforma previdenciária em São Paulo, que aumentou a alíquota de contribuição até mesmo para quem não receberá aposentadoria integral, muitos(as) colegas compareceram naqueles dias à Assembleia Legislativa, lado a lado com outras categorias do Estado, sofrendo a repressão do governo Doria-Garcia. Os resultados talvez fossem outros se a presença nas mobilizações, a atenção e o acompanhamento da luta tivessem sido mais massivos.

A mobilização necessária para consolidar ganhos efetivos e revidar  ataques que se aproximam, por parte do governo estadual, contra nossos direitos, demanda manter esforços, como os que levaram a Reitoria a reconhecer as desigualdades internas. Nesses esforços de mobilização, a Adusp se compromete com um trabalho democrático de fortalecimento do caráter público e socialmente referenciado da universidade, sempre em defesa dos direitos da categoria.

EXPRESSO ADUSP


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