Critérios adotados seguem recomendação do “relatório final” produzido pela consultoria McKinsey&Company a pedido da gestão M.A. Zago-Vahan Agopyan. Ao mesmo tempo em que concede benesses a alguns núcleos, sem sequer submeter o assunto ao Conselho Universitário, a Reitoria precariza “no atacado” a contratação de docentes: sozinha, Faculdade de Educação já responde por 13% dos professores temporários da USP

Demorou, mas aconteceu. A lógica de competição, ranqueamento, poder econômico que já se instalou em diferentes dimensões da vida acadêmica na USP chega agora à distribuição de claros docentes. A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) publicou no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 31/11/2019, um “Edital de seleção de propostas para distribuição de cargos docentes-2019” com a finalidade de tornar disponíveis “cargos de Professor Doutor para o quadro permanente da Universidade de São Paulo envolvendo um processo competitivo entre projetos de grande monta (a partir de 2 milhões de reais) e duração a partir de 3 anos”.

A referência para a alocação dos novos cargos não será sequer a unidade ou departamento de vinculação do projeto, mas o(a) docente responsável por esse projeto: “Os cargos serão distribuídos para Departamentos, Museus ou Institutos Especializados (ou diretamente para as Unidades quando não organizadas em departamentos) no qual se encontrar lotado o coordenador do projeto contemplado, até um limite máximo de 3 cargos de docentes”.

Apesar de voltar-se exclusivamente para os grupos de pesquisa, sem fazer qualquer referência a questões relacionadas à docência na universidade, o edital da PRP assegura que o “intuito é o de contribuir para o ensino e para o desenvolvimento da pesquisa de excelência na USP”.

Projetos de pesquisa do interesse de empresas privadas poderão ser beneficiados com a alocação de docentes, pois, embora não cite expressamente o “compartilhamento” de laboratórios e servidores com a iniciativa privada (previsto na Resolução USP 7.661/2019 e na Portaria GR 7.389/2019), o edital define como elegíveis “convênios ou contratos de pesquisa vigentes com empresas ou com o Governo, desde que atendam aos critérios de elegibilidade”, ou seja: desde que envolvam montante igual ou superior a R$ 2 milhões e duração igual ou superior a três anos.  

Embora os chamados “projetos Cepid” (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) não sejam contemplados neste edital, os “projetos Embrapii” (vinculados à “organização social” Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) estão entre os elegíveis, tanto é que o item 3.1, que trata das inscrições, orienta os interessados a “enviar também a relação das parcerias estabelecidas com as correspondentes empresas e os recursos financeiros envolvidos”.

O edital não menciona, mas, a julgar por informação prestada em setembro pelo chefe de Gabinete, Gerson Tomanari, e já divulgada pelo Informativo Adusp, ele deverá cobrir cinquenta claros. A decisão de reservar uma parte dos claros docentes disponíveis para “grandes projetos de pesquisa”, dentro de uma lógica de “recomposição parcial” do corpo docente da USP, foi tomada em “reunião de dirigentes” realizada em julho deste ano. Não foi submetida ao Conselho Universitário (Co).

Modelo de alocação de cargos atende a recomendações da McKinsey

O modelo de distribuição de claros adotado pela PRP parece inspirar-se no documento “Criando as bases para a USP do Futuro – Relatório Final”, de 24/10/2016, elaborado pela filial brasileira da consultoria norte-americana McKinsey&Company. Esse relatório propõe “foco em algumas unidades-chave” (p. 21), bem como “desenvolver critérios de priorização dos recursos entre unidades, reforçando áreas de excelência para tornar-se referência mundial”, a saber: “prioridade na contratação de docentes”, “aumento do número de estudantes e da oferta de cursos”, “alocação extra de recursos financeiros para pesquisas acadêmicas” (p. 41).

Unidades tradicionais como os institutos de Psicologia (IP), Física (IF) e Biociências (IB), a Faculdade de Educação (FE) e a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), para ficar em apenas alguns exemplos, não integram as áreas da USP citadas pela McKinsey como “mais bem posicionadas” ou “destaque” (p. 21). A política de “foco em algumas unidades-chave” é apresentada pela McKinsey como um dos “elementos viabilizadores” dos “Princípios sugeridos para pautar a jornada para a USP do Futuro”, a saber: “Alocar recursos financeiros de acordo com a relevância das unidades, em linha com os objetivos de excelência acadêmica” (p. 5).

Ao mesmo tempo em que se dispõe a alocar recursos humanos “permanentes” para alguns setores escolhidos a dedo, talvez já previamente demarcados, a Reitoria precariza “no atacado” o corpo docente, ao praticar a contratação massiva de professores temporários com jornadas curtas e salários aviltados. Desde a gestão anterior, contratou cerca de 240 docentes temporários em regime de 12 horas semanais. A gestão atual avançou e expandiu o processo de precarização ao lançar o “Programa de Atração e Retenção de Talentos” (PART), mediante o qual pretende recrutar pós-doutorandos como professores em jornadas de 8 horas semanais (e carga horária de 4 a 6 horas).

Coincidentemente, uma das unidades mais castigadas por esse processo é a FE, que já responde, sozinha, por 13% dos professores temporários da USP. Levantamento da Adusp revela que em setembro de 2019 a FE contava com 32 dos 240 docentes temporários da universidade. A contagem inclui os docentes contratados para a Escola de Aplicação.

“Na reunião de 4/11 do meu conselho departamental, comentei que praticamente se mantém a proposta do ex-reitor Zago para centros emergentes, obviamente sem os Cepids, mas continua favorecendo os núcleos e unidades que já são fortes em termo de pesquisas com alto financiamento”, relatou ao Informativo Adusp a professora Annie Hsiou, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e segunda vice-presidente da Adusp. “O ultrajante é exigirem R$ 2 milhões de financiamento. Gostaria de saber qual foi o diagnóstico inicial para a elaboração desta proposta, que é surreal”.

O professor Guilherme Artioli, do Departamento de Biodinâmica do Movimento do Corpo Humano da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE), destaca outro aspecto que considera questionável no edital da PRP: “Essa chamada me soou um tanto estranha, pois parece condicionar a contratação de um docente permanente a um projeto temporário coordenado por outro docente, o que violaria a autonomia do docente recém contratado ao deixá-lo sob a ‘chefia’ do coordenador do projeto. Parece que ele seria um funcionário deste projeto, o que é mais comum para cargos de pós-doc”.

EXPRESSO ADUSP


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