Conjuntura Política
Frio e chuva não intimidaram manifestantes do Grito dos Excluídos e Excluídas em 7/9
O mau tempo atrapalhou, mas não impediu a realização de um expressivo ato público na Praça da Sé, na capital paulista, para marcar a vigésima-oitava edição do Grito dos Excluídos, na quarta-feira (7/9). Movimentos populares, denominações religiosas (católicos, protestantes, umbandistas) e entidades sindicais organizaram o evento, cujo mote foi “Vida em primeiro lugar!”. Em frente à escadaria da Catedral da Sé, o caminhão de som foi coberto por uma grande faixa com os dizeres “Por um Brasil livre da fome”. Outra bandeira do evento: “A Amazônia grita em defesa da vida e da soberania dos povos”.
Foto: Daniel Garcia
Um dos primeiros representantes de entidades a se manifestar no ato, Eduardo Paludetti, da Casa de Solidariedade, levantou a questão do desemprego: “Os candidatos de todos os partidos não falam de vencer o capitalismo. Se não vencermos o capitalismo, não vai acabar o desemprego”. Ele afirmou que o Movimento dos Desempregados, que está se organizando, reivindica três medidas a curto prazo: “renda mínima digna, de um salário mínimo; vale transporte gratuito; e redução da jornada de trabalho para 35 horas semanais, sem redução de salário”. Tais providências, explicou, embora não resolvam sozinhas o problema do desemprego, poderiam melhorar a situação atual do(a)s trabalhadore(a)s desempregado(a)s.
O rapper Vidal, do movimento Revolução Periférica, pediu solidariedade aos réus na ação judicial relativa à queima do monumento em homenagem a Borba Gato. Ele mencionou especificamente o ativista Biu, que a seu ver pode ser preso “por conta de um ato feito em nome do povo”, disse. “Mas é como dizem, o Brasil não aceita pobre revolucionário”. Ele cantou um rap sobre o episódio, que indaga num dos versos: “Uma estátua vale mais que 600 mil vidas?”, e cita episódios de violência policial, como Paraisópolis (2019), Vigário Geral (1993) e o caso da Rota 66.
Mãe Kelly de Angelis, do Instituto Céu Estrela Guia, recomendou a escolha de um governo que dê prioridade à saúde da população, à alimentação e à moradia, agradeceu aos sindicatos as doações que permitiram à organização do Grito dos Excluídos oferecer um café da manhã a 3 mil pessoas em situação de rua na Praça da Sé, e pediu respeito aos templos de todas as religiões.
“A pergunta que fica: independência para quem?”, provocou Pedro, da Pastoral da Juventude, em alusão aos festejos oficiais da data, de comemoração de 200 anos de independência política frente a Portugal. “A juventude pobre, preta e periférica é exterminada pelo Estado, que deveria protegê-la. Independência para quem, se a juventude se encontra desempregada? Quando se acha um emprego é com salário baixo, é com a condição péssima, análoga à escravidão”, emendou. “O tempo nos pede coragem, pede que sejamos protagonistas da mudança. Que não percamos a esperança do dia em que todos terão voz, vez e lugar, e que o pão, teto e trabalho sejam de todos”.
“Queremos um governo democrático, queremos o fim da barbárie, o fim da morte da população de rua, o fim das desocupações. Nós queremos o fim da nossa opressão. Não aguentamos mais ser oprimidos por essa política de morte”, disse Nazaré, da Rede Rua. “A gente está aqui para gritar, para dizer chega, para dizer basta! O povo da rua quer viver. A rua não é lugar para viver, não é lugar para morrer. Nós queremos casa, queremos comida, queremos trabalho e queremos lazer”. Moradia, enfatizou, é prioridade do movimento de rua. “Mais de 600 mil pessoas morreram. Temos um governo genocida. Nós queremos um Brasil feliz de novo”.
Camila Lisboa, presidenta do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, também questionou a suposta independência nacional: “Na verdade são 200 anos em que o povo brasileiro nunca conquistou sua soberania. O Brasil é um dos maiores produtores de comida do mundo, mas o nosso povo passa fome. No nosso país foi descoberto o Pré-Sal mas o preço da gasolina, o preço do diesel estão submetidos aos interesses dos acionistas estrangeiros da Petrobras”, destacou ela. “Nesse 7 de setembro também a gente está vendo o bolsonarismo exibir o seu ódio nas ruas, e a resposta que os movimentos sociais, o povo brasileiro, as organizações da classe trabalhadora precisam dar vai ser no dia 10 de setembro, uma grande manifestação em defesa dos direitos democráticos, com protagonismo das mulheres, do povo negro, que são a cara da resistência ao ódio bolsonarista”.
A sindicalista lembrou que em São Paulo, além de derrotar Bolsonaro, é preciso derrotar o PSDB. “Não vamos nos esquecer que em 2018 o ‘BolsoDoria’ aproveitou o avanço da extrema-direita e se aliou ao que há de pior na política desse país. E é esse mesmo PSDB, o velho tucanato, que quer militarizar tudo: quer colocar Polícia Militar dentro do Metrô de São Paulo, causar pânico nos passageiros, para dar uma falsa resposta ao problema de insegurança, de assaltos que acontecem dentro do transporte público que a gente usa todo dia. Fora Bolsonaro, fora tucanato!”, completou Camila.
O pastor Eliel, da Frente Inter-religiosa D. Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz, informou que o grupo lançou uma carta-compromisso dirigida aos candidatos e candidatas às próximas eleições. “É inadmissível todo argumento ou política que menospreze a vida ou que promova a demonização de qualquer segmento social”, proclama um dos pontos do documento. “Os governantes devem concentrar sua atenção e pôr fim imediato à fome, prover habitação digna, assegurar o tratamento de saúde adequado, permitir defesa e promotoria legal, promover direitos trabalhistas, ampliar a educação secular não convencional e dar acesso à cultura a toda a população do país”, diz outro ponto. A carta defende a pluralidade religiosa e rejeita o estímulo a ações violentas: “Nos posicionamos veementemente contra qualquer forma de violência, o armamento da população e o discurso de ódio que coloca uns contra outros na sociedade”.
“O Grito dos Excluídos é a verdadeira luta pela independência do povo brasileiro, ela ocorre nas ruas, com esse povo de luta. Nos últimos anos temos assistido ao retorno brutal da miséria, da fome, do desemprego, e é fundamental que nós continuemos nas ruas”, disse Roberto Guido, representante da Apeoesp-Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo e da CUT. Ele apontou a importância das próximas eleições, “um momento importante para que possamos retomar o Brasil para o povo brasileiro”, mas lembrou que a luta contra o modelo econômico e a opressão precisa ser cotidiana.
“A independência foi seletiva e deixou de fora grande parte do nosso povo: o povo pobre, preto, periférico, os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, a comunidade LGBTQIA+”, destacou a professora Michele Schultz, presidenta da Adusp, representando o Fórum Sindical, Popular e das Juventudes por Direitos e Liberdades Democráticas, do qual o Andes-Sindicato Nacional faz parte. “Nós estamos aqui hoje gritando por teto, por terra, por trabalho e por democracia. Excluídos e excluídas estão expostos à violência, à fome, à falta de moradia. Então estou aqui também gritando por direitos para todos e todas, e esses direitos passam por eleições livres, democráticas. Estamos aqui também para proteger o processo eleitoral contra os desmandos e arbítrios do presidente da República, que não enxerga a pandemia, que nega a fome. Só ocupando as ruas e participando das eleições é que a gente vai conseguir derrotar Bolsonaro. Que a gente grite muito potentemente hoje: ‘Fora Bolsonaro’, nas ruas e nas urnas!”.
Na avaliação da estudante Daniela Oliveira (USP), do movimento União da Juventude Rebelião (UJR), há um golpe em andamento no país. “Os fascistas estão dando indício há muito tempo de que querem construir um golpe, e só através da organização popular a gente vai ter condições de barrar esse golpe”, advertiu. “Mas não queremos acabar só com o governo Bolsonaro. Queremos acabar com todos os resquícios de corrupção, de violência. É o sistema capitalista que coloca na miséria nossa juventude preta, pobre, coloca nosso povo na fome”. No seu entender, a liberdade popular só será garantida com a conquista de uma sociedade socialista.
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