Alesp exclui artigo que legalizava grilagem e aprova projeto que transfere propriedade de terras a famílias assentadas

Foto: Itesp

Produtor rural em assentamento na cidade de Rancharia

 

A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou nesta terça-feira (8/2) o Projeto de Lei (PL) 410/2021, encaminhado pelo governo João Doria (PSDB). O texto introduz mudanças na situação da(o)s produtora(e)s rurais nos assentamentos do Estado ao determinar a outorga de Título de Domínio e transferir a propriedade dos lotes às famílias assentadas. O projeto foi aprovado por 57 votos e 4 contrários, todos estes da bancada do PSOL.
 
As(os) assentadas(os) devem estar no lote há pelo menos dez anos ou ter a concessão há pelo menos cinco. A transferência será feita mediante o pagamento de 5% do valor médio por hectare, com parcelamento em até dez anos. Na avaliação do governo do Estado, devem ser impactadas 7,1 mil famílias que vivem em 140 assentamentos estaduais distribuídos por 150 mil hectares.
 
Desde o início da tramitação, o PL 410/2021 foi alvo de críticas de estudiosa(o)s da questão agrária, movimentos sociais e servidora(e)s de instituições como a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (Itesp), que chamaram a atenção para a existência de “armadilhas” que poderiam acarretar muitos problemas às famílias, incluindo até a perda dos lotes.
 
A situação piorou com o parecer do relator especial, deputado Mauro Bragato (PSDB), apresentado em setembro do ano passado, que incluía um dispositivo, em seu artigo 4º, permitindo a regularização da grilagem de terras públicas ocupadas ilegalmente.
 
Graças a esse dispositivo, cerca de um milhão de hectares de terras devolutas poderiam ser comprados e legalizados por fazendeiros. Por essa e outras razões, o projeto passou a ser chamado de “PL da grilagem”.
 
A pressão dos movimentos sociais fez com que o texto fosse retirado da pauta no final do ano passado e levou a bancada governista a negociar a retirada do artigo 4o para aprová-lo no início dos trabalhos de 2022.
 
“Avaliamos que essa foi uma vitória da luta e da organização do campo popular, que conseguiu barrar a tentativa de regularização da propriedade de terras públicas. Se aprovada, praticamente encerraria a possibilidade de arrecadação de terras para a implantação de novos assentamentos”, afirma o geógrafo Fernando Amorim Rosa, vice-presidente da Associação dos Funcionários da Fundação Itesp (Afitesp).
 
De outra parte, o texto aprovado não contemplou uma demanda dos movimentos sociais: a inclusão da possibilidade de as famílias optarem pela Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). “Entendemos que a CDRU traz segurança jurídica para a família assentada, não tem caráter oneroso e garantiria o direito de escolha entre essa possibilidade e o Título de Domínio”, considera Fernando Rosa.
 
Em linhas gerais, com a CDRU a terra continua sendo do Estado, mas as famílias assentadas e seus sucessores têm garantidos seus direitos de uso sobre ela, enquanto o Título de Domínio é oneroso e permite a venda futura do lote.
 
Na avaliação dos movimentos e entidades, o direito de escolha faria valer a previsão constitucional. A Constituição Federal prevê a escolha entre Título de Domínio e CDRU por parte da família assentada, enquanto a Constituição Estadual prevê a CDRU. Essa linha de argumentação foi recusada pelo governo.

Movimentos vão acompanhar implantação e seguir lutando pela CDRU

Fernando Rosa diz que as organizações vão acompanhar de perto os desdobramentos da aprovação do PL 410. “Entendemos que há diversos entraves jurídicos que tornam quase que impraticável adotar o Título de Domínio em algumas áreas. Vamos ver o desenrolar dessas questões para saber como será a emissão dos títulos, que títulos serão esses e se realmente serão passíveis de registro em cartório”, diz. Ao mesmo tempo, será mantida a luta para a inclusão futura da possibilidade de escolha entre Título de Domínio e CDRU.
 
“E vamos ficar atentos também para a possibilidade de retorno dessa tentativa de grilagem por meio de algum novo PL. Não é momento de baixar a guarda. Os interesses que levaram à redação do artigo 4o permanecem vivos”, ressalta.
 
De fato, a regularização das terras griladas é um tema que pode voltar à pauta da Alesp “em outro momento”, apontou o líder do governo na Casa, Vinícius Camarinha (PSB). O deputado considera que as famílias assentadas “estavam aguardando essa oportunidade de ter a sua terra própria, da sua emancipação, de ter o seu livre arbítrio de poder trabalhar na terra com a sua propriedade”.
 
A deputada Márcia Lia (PT) disse durante a sessão que “o PL 410 melhorou muito depois que nós conseguimos, com tanta luta, a compreensão do governo do Estado de São Paulo de que não haveria possibilidade de votar esse projeto com esse tamanho ‘jabuti’ que havia sido colocado”.
 
Já o deputado Carlos Giannazi (PSOL) afirmou que “o projeto na prática vai incentivar a venda dessas terras, porque em algum momento os assentados serão assediados pelos grandes proprietários”. “Vamos ter a expansão do agronegócio, sobretudo o agronegócio predatório”, acusou, dizendo ainda que o governador João Doria vai criar “uma grande imobiliária” com essas terras.
 
Kelli Mafort, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), disse ao jornal Brasil de Fato que “nessa batalha tivemos uma vitória, que foi a retirada do artigo 4°, e uma derrota, que foi a não inclusão da CDRU”. “Mas para nós, que somos de movimento social, a luta não se limita ao parlamento. Vamos continuar essa luta em outras trincheiras”, concluiu.
 

EXPRESSO ADUSP


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