Conjuntura Política
“Calvinismo educacional” chega ao MEC com a nomeação de Milton Ribeiro
Tão logo foi anunciada a nomeação do reverendo presbiteriano Milton Ribeiro como novo ministro da Educação, passaram a circular nas redes sociais alguns vídeos recentes, que dão pistas do que ele pensa sobre questões cruciais da pasta que vai dirigir. Num deles, que registra uma pregação num culto realizado em 2018, suas palavras aos fiéis sobre o tema da educação sexual parecem ecoar os ataques de seu predecessor Abraham Weintraub às universidades públicas (“balbúrdia”, “gente pelada”), pois segundo Ribeiro estas ensinam “uma prática totalmente sem limites do sexo”, fato que ele associa ao existencialismo.
Milton Ribeiro |
Na ocasião, ele discorreu sobre a revolução sexual dos anos 1960 e a chegada da pílula contraceptiva. “Para contribuir ainda mais em termos negativos para uma prática totalmente sem limites do sexo veio a questão filosófica do existencialismo, em que o momento é que importa. Não importa se é A, B, se é homem ou se é mulher, se é esse, se é aquele, se é velho, se é novo. Não interessa. O que interessa é aquele momento. É isso que eles estão ensinando para os nossos filhos na universidade”, afirmou então Ribeiro.
Outro vídeo chocante diz respeito ao ensino básico. Nele, Ribeiro recomenda a punição física como método pedagógico. O jornalista Chico Alves, colunista do UOL, relatou em 11/7 que Ribeiro apagou esse vídeo em razão da “enxurrada de críticas” recebidas nas redes sociais em razão do seu conteúdo, após o anúncio da nomeação do pastor para o MEC: “A providência foi inútil, já que cópias do vídeo circulam no YouTube e outras plataformas da Internet”.
Segundo Alves, a gravação foi feita em um templo presbiteriano, em abril de 2016, com o título “A Vara da Disciplina”. Nela Ribeiro discorre sobre a “cura” da indisciplina infantil. “A cura não vai ser obtida por meios justos ou suaves. Talvez aí uma porcentagem muito pequena, de criança precoce, superdotada, é que vai entender o seu argumento. Deve haver rigor, desculpe. Severidade”, diz o reverendo. “E vou dar um passo a mais, talvez algumas mães até fiquem com raiva de mim. Deve sentir dor. ‘Pastor, o senhor está sendo muito antipedagógico’. Eu amo as crianças da minha igreja”.
Mais adiante, Ribeiro adverte que “um tapa de um homem ou uma cintada de uma mulher podem ser muito mais fortes que uma criança pode suportar”, para em seguida completar: “Não estou aqui dando uma aula de espancamento infantil, mas a vara da disciplina não pode ser afastada da nossa casa”.
Graduado em Teologia e Direito, Ribeiro é mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001) e doutor em Educação pela USP (2006), conforme seu currículo Lattes. É membro do Conselho Deliberativo do instituto Presbiteriano Mackenzie, entidade mantenedora da Universidade Mackenzie, uma das mais importantes instituições confessionais de ensino superior de São Paulo.
Porém, ao contrário do que afirmam algumas mídias, Ribeiro não atua como professor. No seu próprio currículo só há dois registros esparsos de docência exercida: em 1986, no Seminário Presbiteriano do Sul (“Teologia do Velho Testamento”), e em 2001, na Universidade Mackenzie (“Ética e Disciplina”, com carga de 4 horas). Neste sentido, sua carreira institucional surpreende, pois tornou-se vice-reitor da Universidade Mackenzie em 2000, quando ainda não tinha concluído sequer o mestrado, e permaneceu nesse cargo até 2003, quando ainda estava iniciando o doutorado na USP.
“O problema não é Milton Ribeiro ser pastor”, disse no Twitter o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da USP e importante liderança da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE). “O problema é ele: 1) defender o ensino religioso em escolas públicas; 2) desrespeitar as mulheres; 3) defender o castigo e a dor como método pedagógico. Educação se constrói com valores, ciências e artes, não com proselitismo religioso”. Ainda de acordo com Cara, é prudente não alimentar expectativas em relação ao novo ministro. “A pedagogia do castigo e da dor, bem como o calvinismo educacional que ele professa, foram superados há 200 anos. Vamos nos opor”.
O portal G1 informou que antes mesmo do anúncio de nomeação do novo ministro Bolsonaro nomeou novos integrantes do Conselho Nacional da Educação (CNE), que haviam sido indicados por Weintraub e que “agradam a ala ideológica que apoia o presidente”. “São perfis conservadores, do movimento Escola Sem Partido, nomes próximos do escritor Olavo de Carvalho ou que defendem a ampliação do ensino a distância”.
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