Conjuntura Política
Prefeitura desorganiza Coordenadoria de Vigilância em Saúde da capital, órgão fiscalizador do cumprimento dos protocolos relativos à pandemia, e Tribunal de Contas abre auditoria para investigar reestruturação
Em carta aberta, seis ex-coordenadores do órgão avaliam que desestruturar a Covisa “num momento tão crítico de enfrentamento de uma pandemia de Covid-19, em que a atuação das equipes técnicas, em especial da Vigilância Sanitária e da Vigilância em Saúde do Trabalhador é fundamental para análise dos protocolos de saúde e fiscalização de seu cumprimento, é extremamente temerário e injustificável”. Sua carta aberta defende a revogação do Decreto 59.685 do prefeito Bruno Covas (PSDB) e da Portaria 319
O Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) determinou abertura de auditoria para apurar “possível ilegalidade na reestruturação da Secretaria Municipal da Saúde” por conta das medidas contidas no Decreto 59.685/2020, de 13/8, e na Portaria 319/2020 SMS.G, publicada em 14/8.
Cecília Figueiredo
O despacho do conselheiro Edson Simões, publicado no Diário Oficial da cidade de São Paulo no último dia 26/8, concede 15 dias para que o secretário da Saúde, Edson Aparecido, explique as razões da ampla reestruturação dos serviços da pasta e, especialmente, as medidas relacionadas à transferência de 261 servidores da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), um serviço centralizado, para as Coordenadorias Regionais de Saúde, espalhadas pela cidade.
A portaria determinando a transferência foi publicada em edição suplementar do Diário Oficial às 22h da sexta-feira 14/8 – prazo-limite para a movimentação de servidores por conta da legislação eleitoral. Muitos funcionários acabaram surpreendidos pela notícia no final de semana e só começaram a tomar pé da nova situação quando retornaram ao trabalho, na segunda-feira seguinte (17/8).
“Não fomos avisados de maneira nenhuma. Quando voltamos ao trabalho, estavam todos confusos. Não havia nenhum documento para explicar quem iria fazer o que e onde, e o setor de Recursos Humanos estava completamente perdido”, disse ao Informativo Adusp um dos servidores transferidos. “Já se passaram três semanas e as coisas ainda não funcionam. Muitos servidores não conseguem trabalhar porque não há nem lugar para eles.”
Um exemplo dos problemas criados com a medida é que todos os farmacêuticos responsáveis pela expedição dos talões de medicamentos controlados foram transferidos e, durante alguns dias, os médicos que precisavam desses talonários não sabiam onde retirá-los.
A situação é grave, entre outras razões, porque cabiam à Covisa várias ações referentes ao enfrentamento da pandemia na capital, como as análises epidemiológicas e de vigilância sanitária para subsidiar o plano de reabertura, o fornecimento das informações diárias para a Secretaria Municipal da Saúde e a verificação do cumprimento dos protocolos de reabertura pelos estabelecimentos comerciais e da utilização de máscaras de proteção.
Na prática, como denunciam seis ex-coordenadores da Covisa numa carta aberta em que pedem a revogação do decreto e da portaria, as medidas “geram a interrupção de atividades essenciais e que eram de competência do órgão”.
Funcionários afirmam que não foram comunicados da remoção
Numa reunião com representantes do governo municipal no dia 27/8, sem a presença do secretário Edson Aparecido, diretores do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias do Município (Sindsep) expuseram os problemas enfrentados pelos trabalhadores removidos e as consequências para a vigilância em saúde na cidade, como a descontinuidade de ações que cabiam à Covisa, uma vez que as equipes foram desmontadas e os servidores foram distribuídos de forma desigual pelas diferentes regiões da cidade.
“O desmonte e a desestruturação desse importante órgão fiscalizador, em plena pandemia, é um absurdo”, disse Flávia Anunciação, coordenadora de Região Centro do Sindsep, em relato publicado na página do sindicato na Internet.
Já nos dias seguintes à publicação das medidas, o mobiliário, os equipamentos e os processos que estavam abrigados no prédio que a Covisa ocupava no Centro da cidade foram removidos e encaminhados para outras dependências da secretaria.
Em pesquisa realizada pelo Sindsep, 99% dos trabalhadores disseram não ter sido informados da remoção antes do dia 14 de agosto, quando a portaria foi publicada. A pesquisa foi respondida por 102 dos 261 trabalhadores transferidos.
O secretário Edson Aparecido é antigo conhecido dos governos tucanos no Estado. Exerceu mandatos como deputado estadual e federal pelo PSDB e foi por duas vezes secretário da Casa Civil, em gestões comandadas por Geraldo Alckmin. Aparecido responde a ação judicial no Tribunal de Justiça (TJ-SP), por improbidade administrativa.
Covisa fiscalizava de serviços de clínicas a indústrias de alimentos e remédios
Formalmente constituída em 2003, a Covisa é o órgão coordenador do Sistema Municipal de Vigilância em Saúde (SMVS), “responsável pelo planejamento e estabelecimento de diretrizes técnicas referentes aos programas e ações relativas à vigilância sanitária, vigilância epidemiológica, vigilância em saúde do trabalhador, vigilância em saúde ambiental e controle de zoonoses”, aponta a carta aberta divulgada por seis ex-coordenadores do órgão, que atuaram entre 2003 e 2018.
Várias atividades eram realizadas de modo centralizado e fiscalizadas por equipes multiprofissionais da Covisa, dadas a complexidade técnica e a especificidade do segmento, prossegue o documento. “São exemplos dessas atividades os serviços de hemodiálise e hemoterapia, indústrias de produtos, medicamentos e cosméticos, laboratórios, serviços de radiologia, clínicas médicas com procedimentos invasivos, dentre outros. A fiscalização sanitária desses estabelecimentos necessita de equipes técnicas capacitadas com expertise nos protocolos e conhecimento científico acerca dos riscos sanitários e medidas de proteção à saúde preconizados para aquele dado ramo de atividade.”
Na carta, os ex-coordenadores manifestam sua indignação com a reestruturação do órgão e dizem que a remoção de servidores foi “realizada aleatoriamente e sem considerar critérios técnicos e administrativos”. A transferência de todos os servidores de algumas áreas “inviabiliza inclusive o papel da Covisa de coordenar e monitorar a execução dos programas pelas equipes regionalizadas”, fazendo com que “as recentes mudanças desestruturem a vigilância em saúde ao invés de fortalecê-la”.
Na avaliação dos signatários — Hélio Neves, Marisa Lima Carvalho, Inês Suarez Romano, Rejane Calixto Gonçalves, Wilma Tiemi Miyake Morimoto e Cristina Emiko Maruyama Shimabukuro — desestruturar a Covisa “num momento tão crítico como este que estamos vivendo de enfrentamento de uma pandemia de Covid-19, em que a atuação das equipes técnicas, em especial da Vigilância Sanitária e da Vigilância em Saúde do Trabalhador é fundamental para análise dos protocolos de saúde e fiscalização de seu cumprimento, é extremamente temerário e injustificável”.
A carta aberta defende a revogação do Decreto 59.685 e da Portaria 319 “a fim de manter a autonomia e eficiência da Covisa” e a continuidade “das relevantes ações de prevenção e controle de riscos à saúde pública em nossa cidade”.
No dia 20/8, o Conselho Municipal de Saúde (CMS) emitiu resolução requerendo que a Prefeitura revogue imediatamente o decreto e a portaria e determine o imediato retorno dos funcionários às suas bases originais de trabalho. O CMS propôs ainda que o governo municipal apresente um documento detalhando o plano de reestruturação, “para que todos possam conhecer qual é a estratégia e descentralização da Divisão de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde”.
Segundo a resolução, a Prefeitura também não realizou um debate com os servidores para discutir a adequação dos seus novos locais de trabalho levando em conta a estrutura dos espaços e o aproveitamento da capacidade técnica dos funcionários.
Reestruturação permite interferência política em detrimento do caráter técnico, avalia servidor
De acordo com o servidor ouvido pelo Informativo Adusp, a descentralização dos serviços de saúde vem sendo uma ênfase da gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB). O próprio texto da Portaria 319, por sinal, diz que, “a partir da reorganização de sua estrutura”, a Secretaria Municipal da Saúde “propõe o fortalecimento da vigilância em saúde” na cidade.
“Esse fortalecimento não está acontecendo porque pessoas que adquiriram muito conhecimento por dez, 20 ou 30 anos de serviço estão sendo deslocadas para atividades que não sabem desenvolver. Há servidores que saíram da vigilância sanitária e foram transferidos para a área ambiental, que é uma atividade completamente diferente”, aponta o funcionário.
Na avaliação do servidor, as verdadeiras razões das mudanças na Covisa estão relacionadas ao fato de o órgão haver conseguido, até recentemente, manter uma boa margem de independência e autonomia, com reduzida interferência política. O funcionário cita como exemplo o caso da pandemia, cujas consequências ultrapassam as questões sanitárias e repercutem na política e na economia. Dessa forma, ao impor limites a uma “flexibilização” generalizada, os critérios técnicos judiciosamente determinados pela Covisa para a reabertura das atividades econômicas acabavam contrariando interesses de vários setores do empresariado.
Procurada por meio de sua Assessoria de Imprensa, a Secretaria Municipal da Saúde não respondeu aos questionamentos enviados pelo Informativo Adusp sobre as razões da reestruturação e da transferência dos servidores, além dos prejuízos causados à vigilância em saúde na cidade, especialmente em relação à pandemia.
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