Conjuntura Política
Prisão de Milton Ribeiro expôs corrupção no governo Bolsonaro e acelerou medidas com caráter eleitoral
Desmandos, corte de verbas, nomeação de reitores-interventores nas instituições federais, perseguição ideológica a aluna(o)s, funcionária(o)s e docentes, comando de ministros incompetentes e fanfarrões como Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub: no governo de Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Educação (MEC) é um inimigo de escolas e universidades e uma fonte inesgotável de crises. Sob a liderança do ex-ministro Milton Ribeiro, além de tudo, escancarou a corrupção.
Nesta quarta-feira (22/6), Ribeiro foi preso preventivamente pela Polícia Federal. O ex-ministro é investigado na operação “Acesso Pago” por corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência para a liberação de recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao MEC.
A investigação da Polícia Federal, que se apoia em documentos como o Relatório Final da Investigação Preliminar Sumária da Controladoria-Geral da União (CGU), identificou indícios de prática criminosa para a liberação das verbas públicas.
Pastor presbiteriano, Milton Ribeiro deixou o MEC em 28/3, depois de comandar a pasta por um ano e oito meses. A queda se deu após reportagens do jornal O Estado de S. Paulo revelarem a existência de um “gabinete paralelo” no MEC que operava a distribuição de recursos do FNDE para obras, creches e escolas municipais por meio dos pastores Gilmar Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de assuntos políticos da entidade. Santos e Moura, entre outros, também foram presos na operação.
Na sequência, a Folha de S. Paulo divulgou áudio no qual Ribeiro declara que a sua “prioridade é atender a todos que são amigos do pastor Gilmar”. E completa: “Foi um pedido especial que o presidente da República fez p’ra mim sobre a questão do Gilmar […], então o apoio que a gente pede não, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas”.
Ribeiro foi solto já nesta quinta-feira (23/6), após o desembargador Nery Bello, do Tribunal Regional Federal da 1a Região, cassar a prisão preventiva.
Em janeiro, o mesmo desembargador atendeu a pedido do advogado Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro, e concedeu liminar que liberava parte da madeira apreendida em dezembro de 2020 na Operação Handroanthus, da Polícia Federal, por suspeita de ter origem em desmatamento ilegal.
Na época da operação, o então superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva (depois exonerado da função), acusou o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de interferir no caso e obstruir a investigação.
Autos foram enviados ao STF por “possível interferência ilícita” da Presidência da República
Nesta sexta (24/6), a Folha de S. Paulo noticiou que, após a denúncia de suspeitas de interferência de Bolsonaro na apuração do caso, o juiz federal Renato Coelho Borelli enviou os autos das investigações sobre Ribeiro e os pastores para análise do Supremo Tribunal Federal (STF).
Borelli encaminhou os autos ao STF após o Ministério Público Federal (MPF) apontar “indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações”.
Na quinta, o jornal publicou que o delegado federal responsável pelo pedido de prisão do ex-ministro afirmou em mensagem enviada a colegas que houve “interferência na condução da investigação”.
O delegado Bruno Calandrini diz na mensagem que a investigação foi “prejudicada” em razão de tratamento diferenciado dado pela polícia a Ribeiro.
De acordo com o jornal, Calandrini agradeceu o empenho das pessoas que participaram da operação, mas disse não ter “autonomia investigativa para conduzir o inquérito deste caso com independência e segurança institucional”.
Nesta quinta, em sua live semanal na Internet, Bolsonaro disse que exagerou em declaração anterior de que colocaria a “cara no fogo” por Ribeiro, mas afirmou seguir confiando no ex-ministro. “Eu falei lá atrás que botava a cara no fogo por ele, né? Eu exagerei. Mas eu boto a mão no fogo pelo Milton, tá? Assim como boto por todos os meus ministros. Porque o que eu conheço deles, a vivência, etc., dificilmente alguém vai cometer um ato de corrupção”, afirmou.
Na visão de Bolsonaro, Ribeiro não fez nada demais ao dizer, na gravação divulgada em março, que atendia preferencialmente a pedidos de prefeitos “indicados pelo pastor tal”. “P’ra dar uma moral p’ra ele [pastor]. Nada demais”, considera.
“Continuo acreditando no Milton. Se aparecer alguma coisa, responda pelos seus atos. E assim é em nosso governo”, prosseguiu. Criando uma espécie de “corruptômetro”, Bolsonaro defendeu que o esquema investigado pela Polícia Federal “não foi corrupção da forma como está acostumada a ver em governos anteriores; ah, o cara fez uma obra superfaturada, comprou o material e não recebeu, superfaturou. Nada disso. Foi de história de fazer tráfico de influência”. Ah, bom!
“Pastores são vinculados à primeira-dama”, lembra Daniel Cara, da FE
Os pastores Santos e Moura, que atuavam como lobistas, negociando a liberação de recursos para obras, participaram de pelo menos 22 reuniões oficiais no MEC ao longo dos 15 meses anteriores à queda de Ribeiro. Em pelo menos 19 delas o ex-ministro estava presente. A dupla é próxima da família Bolsonaro.
“Não só o Bolsonaro tem envolvimento no escândalo. É importante dizer que esses pastores são vinculados à primeira-dama”, aponta o professor Daniel Cara, docente da Faculdade de Educação (FE) da USP.
Michelle Bolsonaro “assumiu uma postura passiva durante a campanha eleitoral (2022) e ela não fez isso porque está desgostosa de fazer campanha ou porque não quer permanecer como primeira-dama, pelo contrário, ela sabe que tem os pés de barro”, prossegue. “Ela também tem vínculos com setores que não são, necessariamente, idôneos das igrejas neopentecostais.”
Cara ressalta que o pastor e ex-ministro Milton Ribeiro “era uma figura muito próxima da Michelle Bolsonaro e também da Damares Alves”, ex-ministra do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e pré-candidata ao Senado (Republicanos-DF). “Em um determinado momento, Silas Malafaia [pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo] e Damares rompem com Milton Ribeiro e não é porque eles discordavam da linha ideológica de Milton Ribeiro, é, talvez, porque os interesses deles não estavam sendo atendidos”, diz o professor da FE.
Tão logo o caso foi revelado, em março, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e outras entidades representativas do setor da educação divulgaram nota conjunta exigindo a demissão imediata do então ministro.
“A farra com recursos do FNDE no esquema do ‘Bolsolão do MEC’ é inadmissível. Os recursos do fundo devem ser destinados para ações de reestruturação e modernização das instituições de ensino, para garantir assistência estudantil a estudantes de baixa renda, ampliar o número de escolas, investir em pesquisa e contratar professores, e não para beneficiar a construção das igrejas”, dizia o texto.
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