Conjuntura Política
“Democracia precisa prevalecer!”, protestam reitoras e reitores eleitos mas não empossados pelo MEC
Governo Bolsonaro desrespeita eleições diretas e nomeia interventores em nada menos do que vinte instituições federais de ensino até agora: 17 universidades, dois institutos federais e um Cefet
Vinte reitores e reitoras eleitos e não empossados em universidades e institutos federais de todo o país lançaram no dia 28/1 uma carta aberta intitulada “A democracia precisa prevalecer”, na qual denunciam que a democracia vem sendo desrespeitada tanto pelas ações do Ministério da Educação (MEC) “quanto pelos colegas servidores que têm aceitado, contrariamente ao resultado das urnas, atuar como interventores ou como membros das equipes de intervenção nas Instituições Federais de Ensino que, desde 2019, tiveram negada a posse de suas reitoras e dos seus reitores/diretores eleitos”.
Desde o seu primeiro ano no poder, o governo Bolsonaro tem nomeado interventores e interventoras para as reitorias das instituições, seja indicando docentes que não estavam em primeiro lugar na lista tríplice ou pessoas que sequer participaram do processo de escolha nas instituições.
A carta aberta afirma que as intervenções nas instituições federais de ensino e a indicação de reitores biônicos “remontam aos tempos da Ditadura Militar no Brasil e não são aceitáveis no Estado Democrático de Direito, conquistado a partir de duras lutas políticas e sociais e que tem na Constituição de 1988 seu grande marco”.
“Portanto, é para ampliar e fortalecer esta luta pelo respeito às universidades e institutos federais que conclamamos a sociedade a se juntar a nós e exigir dos poderes constituídos que respeitem a democracia e a autonomia das instituições de ensino no país, obedecendo, portanto, as escolhas realizadas nelas, que devem ser acatadas na forma da lei e dos seus estatutos”, prosseguem os signatários.
A carta aberta cita os artigos 206 e 207 da Constituição Federal, que garantem a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” no ensino, além da “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial” nas universidades.
O documento reproduz ainda entendimento do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6565, ajuizada em setembro do ano passado pelo Partido Verde (PV), que questiona a escolha de dirigentes das instituições feita pelo governo. De acordo com Fachin, a nomeação de reitor e reitora deve obedecer aos seguintes requisitos: “(I) se ater aos nomes que figurem na respectiva lista tríplice; (II) respeitar integralmente o procedimento e a forma da organização da lista pela instituição universitária; e (III) recaia sobre o docente indicado em primeiro lugar na lista”.
Os ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello acompanharam o voto de Fachin no julgamento em plenário virtual, que foi interrompido no dia 15/10/2020 por pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes.
No dia 10/12/2020, Fachin deferiu liminar determinando que, ao nomear reitores, o presidente da República deve respeitar a lista tríplice das universidades e institutos federais. A decisão cautelar foi tomada no curso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 759, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e não tem efeito retroativo.
Reitoras nomeadas na UFSCar e UFPel assumem compromisso com projeto mais votado
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) é amicus curiae na ADI 6565 e tem denunciado a situação antidemocrática vivida nas instituições. O Andes-SN lançou em suas redes sociais a campanha “Reitor/a eleito/a é reitor/a empossado”, que traz materiais gráficos e entrevistas sobre a questão e reforça a importância da luta pela autonomia universitária, além de realizar mobilizações regionais e participar de atividades organizadas por frentes parlamentares no Congresso Nacional.
Em janeiro, o Andes-SN publicou uma lista com 20 instituições federais sob intervenção no país. Não fazem parte da lista as universidades federais de São Carlos (UFSCar) e de Pelotas (UFPel), em que as reitoras indicadas não foram as mais votadas nos processos eleitorais, mas se comprometeram a seguir os princípios e diretrizes dos projetos escolhidos pelas respectivas comunidades acadêmicas.
Na UFSCar, o mais votado foi o professor Adilson de Oliveira, e a nomeada foi a professora Ana Beatriz de Oliveira.
Em artigo publicado no Jornal da Ciência, Adilson de Oliveira lembra que “a UFSCar foi pioneira na adoção de lista tríplice formada apenas por integrantes da chapa mais votada pela comunidade universitária, em consulta paritária que elege uma equipe de gestão, não apenas os líderes de Reitoria e Vice-Reitoria”. A estratégia, “tristemente” reutilizada agora, aponta, “foi formulada ainda no período da Ditadura Militar, para proteger a Universidade de pessoas antagônicas e não comprometidas com o futuro escolhido para a instituição”.
Embora reitere seu apoio à nova gestão, Oliveira diz: “nunca esquecerei, tampouco deixarei ser esquecido, o duro golpe à autonomia e à democracia vivido pela nossa instituição”. “Não me movo nem um milímetro da minha posição em defesa da UFSCar, da universidade pública, gratuita, diversa e inclusiva, do conhecimento e, sobretudo, da democracia.”
Na UFPel, tomou posse como reitora no dia 22/1 a professora Isabela Fernandes Andrade, que nomeou para a Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento o professor Paulo Roberto Ferreira Júnior, o mais votado na lista tríplice da instituição.
“Assumo em defesa da autonomia universitária, para que o projeto escolhido pela comunidade seja implementado”, afirmou Isabela Andrade na cerimônia de posse, realizada em formato online. “Na UFPel, a reitora, o reitor eleito e a vice estarão juntos.”
A lista de instituições federais sob intervenção, de acordo com o Andes-SN, é a seguinte: 1) Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf); 2) Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab); 3) Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS); 4) Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); 5) Universidade Federal do Ceará (UFC); 6) Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); 7) Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB); 8) Universidade Federal do Semi-Árido (Ufersa); 9) Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM); 10) Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM); 11) Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); 12) Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa); 13) Universidade Federal da Paraíba (UFPB); 14) Universidade Federal do Piauí (UFPI); 15) Universidade Federal de Sergipe (UFS); 16) Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC); 17) Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN); 18) Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet-RJ); 19) Universidade Federal de Itajubá (Unifei); 20) Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
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