Conjuntura Política
“Mostra-se urgente e essencial” reforçar o SUS contra Covid-19, advertem Congregação da Faculdade de Saúde Pública e Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina
Ambos defendem distanciamento social como estratégia indispensável no combate à epidemia e rejeitam discurso negacionista. “A situação dos idosos merece particular atenção. A banalização da ideia da prescindibilidade de suas vidas no discurso político constitui afronta inadmissível à dignidade humana”, declara Saúde Pública. “Repudiamos veementemente os pronunciamentos do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao negar a gravidade da crise sanitária instalada pela pandemia”, frisa nota da Medicina Preventiva
A Congregação da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP) emitiu, nesta quinta-feira (26/3), nota à imprensa sobre a evolução da pandemia Covid-19 no Brasil, na qual rebate os ataques do presidente Jair Bolsonaro à política de isolamento social, nega haver contradição entre proteção da economia e proteção da saúde pública — até porque a “recessão econômica decorrente da pandemia será global e já é inevitável”, de modo que medidas de proteção social, a exemplo do que fazem outros países, “devem ser adotadas imediatamente” — e defende medidas urgentes de reforço do Sistema Único de Saúde (SUS) e de proteção aos trabalhadores do setor. A nota, contudo, não faz referência explícita a Bolsonaro.
“O isolamento exclusivo de pessoas em maior risco não é uma medida viável, especialmente em um país com as características do Brasil, com elevados índices de doenças crônicas não transmissíveis que constituem comorbidades relevantes diante da incidência do novo coronavírus”, diz a nota da FSP. “Ademais, a experiência de outros países demonstra que, na falta de isolamento, parte significativa dos profissionais de saúde está sendo infectada por transmissão comunitária, ou seja, em seu convívio social, reduzindo o contingente de trabalhadores disponíveis, em prejuízo da saúde desses profissionais e de toda a sociedade”.
De acordo com a FSP, “mostra-se urgente e essencial” reforçar as capacidades do SUS, “ampliando o seu financiamento, articulando de forma eficaz e cooperativa as ações e serviços públicos de saúde prestados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ampliando as ações de vigilância em saúde e consolidando protocolos e diretrizes terapêuticos nacionais que orientem a sociedade brasileira de forma segura e cientificamente eficaz”. Mais ainda: “Deve haver imediata regulação da distribuição dos leitos de UTI, articulando os setores público e privado, a fim de garantir o acesso equitativo ao tratamento intensivo para o conjunto da população”.
No entender da FSP, a situação dos idosos merece particular atenção: “A banalização da ideia da prescindibilidade de suas vidas no discurso político constitui afronta inadmissível à dignidade humana. A subsistência dos idosos deve merecer políticas específicas, pautadas por preceitos éticos”. A nota adverte ainda que o sucesso da política de contenção do coronavírus depende da adesão da população às medidas orientadas pelo Estado, que deve ser capaz de organizar e incentivar a ação social coletiva nesse momento estratégico. “Assim, as ações e serviços públicos de saúde devem pautar-se pelas melhores evidências científicas, com total transparência, clareza e objetividade. As medidas restritivas de direitos devem ser devidamente motivadas, proporcionais, potencialmente eficazes e atentamente monitoradas pela sociedade brasileira”.
Por último, mas não menos importante, a FSP destaca que o investimento em pesquisa e formação superior deve ser não apenas mantido mas incrementado de forma significativa e permanente. “A experiência da Covid-19 demonstra o quanto a ciência é imprescindível na resposta às emergências, além do extraordinário proveito da vinculação estreita entre a produção científica e os grandes sistemas públicos de saúde, com alto grau de fecundação recíproca”. Leia aqui a íntegra da nota.
Bolsonaro põe em risco saúde da população, diz Medicina Preventiva
Já o Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina (FM-USP), em nota intitulada “Em Defesa do Distanciamento Social e de uma ação do Ministério da Saúde pautada na ciência para o combate à Pandemia Covid-19”, emitida em 25/3, cita diretamente o primeiro mandatário: “Repudiamos veementemente os pronunciamentos do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao negar a gravidade da crise sanitária instalada pela pandemia da Covid-19. É com enorme preocupação que assistimos à falta de sincronia entre dirigentes da nação diante da gravidade do cenário nacional e mundial”.
Ainda de acordo com o departamento, Bolsonaro, “ao aventar a suspensão das medidas de distanciamento social por estados e municípios, vai na contramão das acertadas políticas das autoridades sanitárias do país, pondo em risco a saúde da população”, e defende o isolamento social como política adequada para o combate à Covid-19: “Desde o início, a equipe do Ministério da Saúde pautou suas ações pelo que determina a ciência e pelo conhecimento já acumulado na resposta mundial à pandemia. Não é hora de mudar esta atitude”.
Frente à “altíssima capacidade de propagação” do vírus, prossegue a nota, “são imperativas e insubstituíveis, no momento, as estratégias de distanciamento social”, no sentido de minimizar a sobrecarga dos hospitais. “O sistema de saúde entrará em colapso em curto espaço de tempo, se permitirmos a rápida disseminação do vírus, o que levaria a um grande número de casos graves. A aritmética é simples, porém dramática: a existência de muitos pacientes graves ao mesmo tempo implica menor capacidade de tratamento e, portanto, maior número de mortes. Razões econômicas, por mais impactantes que sejam, não podem ser contrapostas a razões sanitárias”.
Ao final, a nota elenca uma série de ações necessárias ao combate à Covid-19, a primeira das quais é “a urgência de fortalecimento do Sistema Único de Saúde, com o aporte necessário de recursos”, seguida da adoção de “medidas de prevenção e estabelecimento dos fluxos de atendimento aos expressivos contingentes populacionais altamente vulneráveis que incluem moradores de rua, cortiços, favelas e comunidades e desabrigados nos grandes centros urbanos” e da “adaptação da indústria, para que sejam produzidos no tempo mais curto possível insumos e equipamentos necessários”.
O departamento propõe, igualmente, a “adoção de uma política de seguridade social para aqueles afetados pela pandemia, de forma a contrapor a ideia de que a manutenção da atividade econômica é a única saída para minimizar o impacto das medidas de distanciamento”, e medidas de “proteção à renda e ao emprego, para que as pessoas que trabalham em áreas não essenciais possam permanecer em casa”. Leia aqui a íntegra da nota.
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