O Senado Federal  votou, em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição 55/2016 (ex-PEC 241/2016), que congela por vinte anos os gastos primários do Orçamento da União, incluindo os recursos para a educação e a saúde. Por suas implicações para a grande maioria da população brasileira, que depende das redes públicas de ensino e do Sistema Único de Saúde (SUS), trata-se de medida das mais perversas já editadas pelo Estado brasileiro.

E, nesse sentido, o apelido “PEC do Fim do Mundo”  parece absolutamente adequado. Não é preciso grande exercício de imaginação para prever que, quando seus efeitos se fizerem sentir, agravando o já alar­mante subfinanciamento do SUS, as tragédias costumeiras nas filas de espera dos hospitais públicos vão multiplicar-se. Por outro lado, será revertida a tendên­cia de expansão gradual do finan­ciamento da educação pública, que, não obstante limitações e recuos, vinha registrando-se nos últimos anos.

Para além das consequências funestas da PEC 55, é preciso destacar sua real finalidade: transferir para o sistema financeiro os recursos públicos negados aos gastos sociais. Dito de outra forma, o corte nos gastos primários destina-se ao pagamento da dívida pública — que garante ao diminuto grupo social representado por banqueiros, especuladores e rentistas lucros excelentes mesmo em meio à profunda crise econômica.

Agenda ultraliberal

Os grupos que galgaram o poder por meio do impeachment têm pressa em implantar sua agenda ultraliberal, expressa no documento “Uma ponte para o futuro”. A PEC 55, também designada como “Novo Regime Fiscal”, é o instrumento com o qual pretendem dar iní­cio ao desmonte da Constituição Federal (CF) de 1988.

As incongruências e ilegalidades da medida já foram apontadas por instituições e analistas diversos. Em nota técnica sobre a então PEC 241, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (Dieese) observa que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, “tem afirmado que o problema da despesa pública é estrutural, em razão, principalmente, das despesas obrigatórias definidas na CF” e que, portanto, para controlá-las, seria necessário reformar a Carta.

“Desta forma”, prossegue a nota do Dieese, “no ajuste que está sendo conduzido, as despesas financeiras — pagamento de juros e amortização da dívida pública — que consomem aproximadamente 45% do Orçamento Geral da União, são desconsideradas pela nova equipe econômica. Despesas que de alguma forma têm impacto sobre a vida do trabalhador, como, por exemplo, as relacionadas à Previdência Social e aos sistemas de saúde e de educação públicos é que acabam servindo de margem para a nova política fiscal”.

Inconstitucional

A Consultoria Legislativa do próprio Senado considera que a PEC 55 é incons­titucional, por ferir cláusula pétrea da CF (Artigo 60, §4º, inciso III: “Não será objeto de delibe­ração a proposta de emenda tendente a abolir: … a separação dos Poderes”). “O ‘Novo Regime Fiscal’ — que consiste, em síntese, no estabelecimento de limites individuais de despesas primárias para os próximos vinte exercícios financeiros para Poderes e órgãos da União com base na despesa paga, no ano de 2016, corrigida anualmente pela inflação apurada até junho do exercício anterior — é medida draconiana que possui graves consequências”, diz documento assinado por Ronaldo Jorge Araújo Vieira Junior, consultor legislativo do Senado.

 De acordo com Vieira Junior, o instrumento proposto pelo governo Temer “estrangula e mitiga a independência e autonomia financeira do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, e a autonomia financeira do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União, na medida em que impõe, na realidade, o congelamento de despesas primárias por vinte exercícios financeiros”, inviabilizando pelos próximos vinte anos “qualquer perspectiva de ampliação da atuação desses Poderes e órgãos”.  A PEC 55 atinge “o nú­cleo essencial do princípio da separação de Poderes, que é conside­rada cláusula imodificável de nosso ordenamento constitucional por força do que estabelece o art. 60, §4º, inciso III, da CF”.

Opinião semelhante manifestou a Secretaria de Relações Institucionais da Procuradoria-Geral da República na Nota Técnica PGR/SRI 82/2016, segundo a qual “a proposta em tela, que pretende impor limitação orçamentária vintenária e que toma por parâmetro exercício financeiro (2016) marcado por um agressivo corte orçamentário […] implica, inexoravelmente, o enfraquecimento das instituições do Estado” e “tende a afrontar a independência e autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário e a autono­mia das instituições do Sistema de Justiça”, razão pela qual “é inconstitucional”.

Previdência

Vale ressaltar ainda que a conta da seguridade social, na qual se insere a Previdência Social, constitui o maior fundo público do Estado Brasileiro (R$ 707 bilhões em 2015), como lembrou a professora Sara Granemann (UFRJ), em debate promovido pela Adusp em 29/11. Não surpreende, portanto, que desperte os apetites do sistema financeiro e de um governo constituído por partidos de viés privati­zante como PMDB e PSDB, com total apoio da mídia, que voltou a martelar a tese do “rombo da Previdência”.

A reforma, ou melhor dizendo a contra-reforma da Previdência, ainda não está formatada em definitivo, mas seus eixos principais já foram anunciados: nivelar por baixo os benefícios do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), do funcionalismo público, e do Regime Geral (RGPS); impor maior tempo de contribuição; ampliar (e igualar) as idades mí­ni­­mas de aposentadoria de homens e mulheres. É mais um claro ataque à CF, a qual instituiu o sistema de Seguridade Social que, mal ou bem, oferece certa proteção aos assalariados e às camadas sociais mais empobrecidas.

Reagir a tais medidas, repudiar a PEC 55 e a pretendida contra-reforma da Previdência, mobilizar-se em defesa dos direitos inscritos na CF, é mais que uma iniciativa inteligente de autopreservação. É uma atitude de engajamento ético e político em favor de um verdadeiro projeto de nação, soberano e democrático.

Informativo nº 429

EXPRESSO ADUSP


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