Em meio aos ataques do MEC, manifestações em defesa da educação voltam a mobilizar estudantes em todo o país

De acordo com a UNE, foram realizados atos em 212 cidades brasileiras. “É uma sinalização muito importante de que as pessos estão dispostas a seguir lutando pela educação pública e gratuita e contra os cortes na educação”, diz a vice-presidenta da entidade. Na véspera, o ministro Abraham Weintraub – alvo de ação do Ministério Público Federal – havia dito que os alunos não podiam ser “coagidos” a participar dos atos

Fotos: Daniel Garcia  

Manifestações em defesa da educação ocorreram nesta quinta (30/5) em todos os Estados brasileiros e no Distrito Federal. De acordo com levantamento da União Nacional dos Estudantes (UNE), uma das principais entidades à frente da organização dos atos, foram registradas mobilizações em 212 municípios. Foi o segundo dia de atos massivos em defesa da educação em todo o país – assim como em 15/5, centenas de milhares de pessoas, especialmente estudantes e professores, saíram às ruas para protestar contra os cortes de verbas do governo federal nas escolas, universidades e instituições de pesquisa.

“Nossa avaliação é muito positiva. Em algumas cidades, como Fortaleza e Belo Horizonte, a mobilização superou a do dia 15. No balanço geral, foi uma mobilização majoritariamente maior ou equivalente, e em poucos lugares foi inferior”, disse ao Informativo Adusp Jessy Dayane Santos, vice-presidenta da UNE. “É uma sinalização muito importante de que as pessoas estão dispostas a seguir lutando pela educação pública e gratuita e contra os cortes na educação enquanto eles não forem revogados.”

Um dos momentos mais simbólicos do dia foi registrado em Curitiba, num ato que reuniu milhares de pessoas mesmo sob chuva e frio. Uma grande faixa com os dizeres “Em defesa da educação” foi recolocada na fachada do prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no centro da cidade. A faixa original havia sido arrancada pelos participantes da manifestação pró-Bolsonaro no último domingo (26/5).

Em São Paulo, a concentração foi no Largo da Batata. No início da tarde, a Faculdade de Educação (FE-USP), com apoio da Associação dos Pós-Graduandos da PUC-SP, promoveu uma Aula Pública como atividade preparatória do ato. Os responsáveis pela Aula Pública foram o professor Vitor Henrique Paro (FE-USP), que explanou sobre o tema “Educação ou barbárie: o compromisso do professor”, e a professora Beatriz Lopes (APG-PUC), que falou a respeito do “Movimento estudantil na pós-graduação”. Também foi organizado um “Desenhaço” para crianças, a cargo da professora Márcia Gobbi (USP).

Ao longo da tarde, a manifestação foi engrossada por milhares de participantes, entre os quais integrantes da Adusp, do DCE Livre da USP “Alexandre Vannucchi Leme” e de diversos centros acadêmicos da USP. No início da noite, os manifestantes reunidos na gigantesca concentração saíram em caminhada pela avenida Rebouças até a avenida Paulista.

Incorporação de outras pautas não divide o movimento

Para a dirigente da UNE, ficou notória uma mudança de postura da mídia comercial em relação à cobertura dos atos: o balanço feito pelos meios de comunicação “está claramente diminuindo a proporção e o impacto dos atos, diferentemente da abordagem do dia 15”. Exemplo disso é que na edição de 31/5 os principais jornais paulistas, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, relegaram a segundo plano os protestos da véspera. “O acordão da última semana em relação à reforma da Previdência impactou também a forma como a grande mídia abordou as manifestações”, diz Jessy Dayane.

Outra característica da cobertura é “a tentativa de criar algum tipo de divergência ou disputa dentro do movimento”, com as notícias de que pautas como a reforma da Previdência ou a defesa do “Lula livre” estavam dividindo o movimento da educação. “Isso não é verdade. Todo mundo que participou viu que o povo que está indo às ruas defender a educação é um povo que defende a democracia”, afirma Jessy. “A bandeira central é defesa da educação, mas também há uma insatisfação muito forte com políticas como mais armas e menos escolas e outras aberrações que estão acontecendo no nosso país. Claramente é também uma manifestação contra o governo, mas por parte de pessoas que respeitam opiniões diversas.”

Weintraub fala em “coação” de estudantes

Desde a quarta-feira (29/5), o Ministério da Educação (MEC) já vinha tomando medidas para confrontar os estudantes, na tentativa de constrangê-los e caracterizar a participação nas manifestações como ilegal. Em vídeo publicado à noite no Twitter, após declarar que as “manifestações democráticas e pacíficas são um direito de todos os brasileiros”, sejam elas “contra ou a favor”, o ministro Abraham Weintraub lançou uma nova cartada: “O que não pode acontecer é a coação de pessoas que, no ambiente escolar público, criem algum constrangimento aos alunos a participarem dos eventos”.

Weintraub alegou o MEC estava recebendo “cartas e mensagens de muitos pais de alunos citando explicitamente que alguns professores, funcionários públicos, estão coagindo os alunos ou falando que eles serão punidos de alguma forma caso eles não participem das manifestações”. “Isso é ilegal, isso não pode acontecer”, concluiu o ministro, sem apresentar nenhuma das “cartas” postadas pelos zelosos pais.

No início da tarde de quinta, quando as manifestações já ocorriam país afora, o MEC divulgou nota segundo a qual nenhuma instituição de ensino “tem prerrogativa legal para incentivar movimentos político-partidários e promover a participação de alunos em manifestações”. Professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis, de acordo com o zeloso ministério, não estão autorizados “a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar”.

“Vale ressaltar que os servidores públicos têm a obrigatoriedade de cumprir a carga horária de trabalho, conforme os regimes jurídicos federais e estaduais e podem ter o ponto cortado em caso de falta injustificada. Ou seja, os servidores não podem deixar de desempenhar suas atividades nas instituições de ensino para participarem desses movimentos”, diz o comunicado do MEC.

MPF ajuíza ação contra o ministro

De acordo com a Folha de S. Paulo, a nota “foi vista como uma declaração de guerra ao setor por políticos experientes que, até a publicação do texto, apostavam no arrefecimento dos atos”. A medida será questionada pela Procuradoria-Geral da República. O vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia, disse ao jornal que a nota permite “extrair o entendimento de que o MEC adota como verdadeira a premissa de que as manifestações são político-partidárias” e que o texto divulgado pelo MEC pode violar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e outros dispositivos legais.

Também na quinta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) informou que ajuizou uma ação civil pública na Justiça Federal do Rio Grande do Norte contra Abraham Weintraub e a União por danos morais coletivos. O motivo são as condutas praticadas pelo ministro desde que assumiu a pasta, em abril, com manifestações consideradas ofensivas a alunos e professores. O MPF pede R$ 5 milhões em caso de condenação.

A ação cita declarações do ministro que, na avaliação dos procuradores, são preconceituosas. Uma delas foi dada numa entrevista no dia 30/4, quando Weintraub disse que as “universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”. O caso será analisado pela 10ª Vara Federal de Mossoró.

Em nota, o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), professor Antonio Gonçaves Filho, repudiou as declarações de Weintraub, que classificou como “uma afronta à liberdade de ensinar e aprender, estruturantes do ensino público”.

Para a vice-presidenta da UNE, a postura do governo “não surpreende, embora nos deixe perplexos com até que ponto chegamos em nosso país”. “É um governo extremamente autoritário e que não respeita a democracia”, afirma Jessy Dayane.

O guarda-chuva e o Pibinho

Weintraub vem se destacando como um dos mais ferozes combatentes contra o que o governo Bolsonaro chama de “marxismo cultural”, especialmente nas universidades. Suas aparições nas redes sociais também chamam a atenção. Numa delas, ao falar sobre seu fraco desempenho acadêmico nos tempos da graduação na USP (que veio a público com a divulgação de seu histórico escolar), evocou problemas médicos e abriu a camisa para mostrar cicatrizes de uma cirurgia pela qual teria passado na época.

Na quinta-feira, dia das manifestações, publicou outro vídeo no Twitter no qual aparece com um guarda-chuva num gabinete, com gestos que remetem ao clássico filme Dançando na chuva, para dizer que “está chovendo fake news”. A performance era destinada a rebater informações de que o governo teria bloqueado as verbas para a recuperação do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atingido por um incêndio em setembro do ano passado.

Os dados da economia brasileira divulgados nos últimos dias, que refletem o desempenho do governo do qual o economista e dublê de Gene Kelly faz parte, estão longe de soar como música aos ouvidos dos cidadãos. O PIB teve uma queda de 0,2% no primeiro trimestre do ano, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já a taxa de desemprego, que o mesmo IBGE divulgou nesta sexta (31/5), alcançou 12,5%. São 13,2 milhões de pessoas, enquanto a população subutilizada chegou a 28,4 milhões, número recorde da série histórica iniciada em 2012.

EXPRESSO ADUSP


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