Quinze docentes da USP estão entre os signatários do Manifesto das Áreas de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), divulgado na última sexta-feira (3/7). O documento é assinado pelos 141 coordenadores de 47 das 49 áreas de avaliação da agência. Apenas as áreas de Direito e de Ciência Política e Relações Internacionais não estão representadas no manifesto.

Os docentes registram que “é surpreendente e preocupante constatar que a Capes — portanto, a pós-graduação brasileira — vem sendo submetida a atitudes e decisões estabelecidas pela atual presidência, seguindo um modo profundamente centralizador de gestão”.

O manifesto cita quatro iniciativas recentes como exemplos da centralização adotada pelo presidente da Capes, Benedito Guimarães Aguiar Neto: a Portaria 34, que modifica o modelo de distribuição de bolsas de pós-graduação; a Portaria 70, “que estabelece normas para o funcionamento dos polos que irão oferecer cursos de pós-graduação stricto sensu no modelo de educação a distância (EaD), sem considerar o relatório produzido pelo grupo de trabalho” para a modalidade; a Portaria 71, que cria uma Comissão Especial que tem entre suas atribuições discutir a redução do número de áreas; e a decisão de atipicamente encerrar o prazo para o fechamento do relatório Sucupira em dezembro de 2020, “ano de implementação de diversas mudanças importantes na plataforma”.

De acordo com o manifesto, “mudanças são necessárias e ajustes no sentido de aprimorar o sistema serão sempre bem-vindos”. Porém, prossegue o texto, “essas iniciativas de potencial alto de impacto sobre a pós-graduação brasileira foram tomadas sem nenhuma discussão com as instâncias da Capes que até então eram regularmente consultadas”. Esse acúmulo de decisões recentes, “em meio à maior tragédia sanitária global da história no último século, tem repercutido negativamente em toda a comunidade acadêmica”.

Os signatários do documento se posicionam “contra a excessiva centralização de decisões, na expectativa de que a partir de um amplo diálogo possamos contribuir para o fortalecimento e crescimento da agência, que é, de fato, patrimônio de todos nós”.

Ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Aguiar Neto, nomeado para a presidência da Capes em janeiro deste ano, é defensor da chamada Teoria do Design Inteligente, espécie de roupagem atualizada do criacionismo.

Presidente da Capes adiantou a Carlotti que defende redução de 50% das áreas

O pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, é um dos dez integrantes da Comissão Especial criada pelo presidente da Capes por meio da Portaria 71, publicada no Diário Oficial da União no último dia 16/6. Até o final de julho, o grupo deve apresentar ao presidente da agência um relatório propondo, entre outros itens, uma “nova estrutura de distribuição das áreas do conhecimento em novas áreas de avaliação da Capes” e “agrupamentos das novas áreas de avaliação em grandes áreas de avaliação”, eliminando “sobreposições, ambiguidades e contradições”.

Numa conversa realizada em forma remota em maio deste ano, Aguiar Neto já havia adiantado a Carlotti sua intenção de diminuir a quantidade de áreas de avaliação da agência, seguindo sugestão da comissão de acompanhamento do Plano Nacional de Pós-Graduação (2011-2020). De acordo com o presidente da agência, as atuais 49 áreas poderiam ser fundidas e reduzidas em cerca de 50%, pois haveria “sombreamento e superposição bastante grandes”.

Na ocasião, Aguiar Neto também disse que a pandemia estava “ajudando” — corrigindo-se em seguida para “chamando a atenção” — a constatar que parte do trabalho de avaliação pode ser feita a distância, proporcionando “economia de tempo e de recursos, maior racionalidade e, com isso, melhor eficiência”.

Diretora de Avaliação demitiu-se em abril e desde então “não há esforço para diálogo”

Na avaliação do professor Carlos Frederico Martins Menck, docente do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e um dos signatários do manifesto, na condição de integrante da coordenação de avaliação da área de Ciências Biológicas I, o grande problema não é a redução, “mas sim a falta de diálogo do presidente com as áreas”.

Antes havia interlocução com a diretora de Avaliação, Sônia Nair Báo, docente da Universidade de Brasília (UnB), diz Menck. Porém, a diretora pediu demissão do cargo em abril por causa de atritos com Aguiar Neto e das intervenções que o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, promovia na agência. A Diretoria de Avaliação permanece sem titular desde então. “Agora não tem há ninguém para fazer essa interlocução, e não tem sido feito um esforço para haver qualquer diálogo”, lamenta o professor do ICB.

De acordo com Menck, diminuir o número de áreas de avaliação “certamente reduziria a chance de diálogo, com a redução de coordenadores”. O docente cita outros dois pontos que considera muito importantes: o fato de estarmos em plena pandemia (o que “ajuda a passar a boiada”, nas palavras do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na célebre reunião ministerial do dia 22/4) e também no último ano do quadriênio, “quando o mais importante é fazer a avaliação com qualidade”. “Será que é isso que o presidente da Capes quer?”, pergunta.

A redução também diminuiria as chances de que fossem garantidas as especificidades das áreas, que são muitas, aponta. “Alternativas poderiam ajudar, facilitando o processo de avaliação e unindo áreas em fichas de avaliação comuns, por exemplo. Mas não é isso o que se está buscando. A questão é se a Capes pretende de fato respeitar opiniões diversas, ou impor opiniões únicas”, afirma Menck.

“O sistema de pós-graduação do Brasil sempre se caracterizou por condutas democráticas, amplamente discutidas com a comunidade acadêmica e construídas com cuidado, de forma progressiva e com respeito às instituições e avaliação de consequências, de modo a não criar situações que pudessem comprometer o sistema. Essa atuação coletiva resultou, inclusive, num lema informal na comunidade acadêmica de que ‘A Capes somos nós’”, diz a professora Claudia Forjaz, docente da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP e uma das coordenadoras de avaliação da área de Educação Física na Capes.

“Infelizmente”, continua a docente, “as condutas atuais da presidência da Capes têm ido em sentido oposto, demonstrando desconhecimento do processo e da complexidade da pós-graduação no país e apresentando ações precipitadas, sem participação coletiva e, às vezes, discrepantes até mesmo de documentos gerados por grupos de trabalho da própria Capes”.

Por meio de nota enviada ao Informativo Adusp pela sua Assessoria de Imprensa, a Capes disse que a Comissão Especial foi criada levando em consideração a evolução do conhecimento científico e tecnológico e a crescente interdisciplinaridade observada entre áreas clássicas do conhecimento. “Conforme o presidente da Capes, professor Benedito Aguiar, a necessidade do eventual ajuste quanto à interrelacionalidade atual da ciência, cada vez menos segmentada, é o propósito na consulta aos especialistas de notório saber, algo normal para subsidiar tomadas de decisão sempre que necessário.”

A nota diz ainda que a Capes, neste período de pandemia, “tem desenvolvido seus trabalhos regularmente e as reuniões dos seus conselhos, tanto o Técnico-Científico quanto o Superior, acontecem, virtualmente, nos períodos previstos”. “Nomear comissões, grupos de trabalho e realizar consultas ou promover debates são atribuições da direção da Capes e só fortalecem e subsidiam tomadas de decisões dos seus órgãos deliberativos. O propósito da Capes é buscar os melhores caminhos para a produção de uma ciência de qualidade em benefício da sociedade”, conclui a nota.

O Informativo Adusp procurou o pró-reitor Carlos Gilberto Carlotti Júnior, por meio da Assessoria de Imprensa da Reitoria da USP, para ouvi-lo a respeito do trabalho da Comissão Especial e do manifesto dos coordenadores das áreas, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

EXPRESSO ADUSP


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