Defesa da Universidade
Em derrota da Reitoria, Conselho Universitário rejeita proposta de fazer da CLR a última instância recursal para concursos acadêmicos
Parecer da Comissão de Legislação e Recursos precisava de 61 votos para ser aprovado na reunião desta terça-feira (15/9), mas conseguiu apenas 56, e os votos contrários foram 53, com sete abstenções. Diversos conselheiros se manifestaram contra o parecer que retirava do Co a competência para apreciação final dos recursos
Na reunião desta terça-feira (15/9), o Conselho Universitário (Co) rejeitou minuta de resolução proposta pela Comissão de Legislação e Recursos (CLR) com anuência da Reitoria, a qual — mediante alterações no Regimento Geral da USP — remetia as decisões finais sobre recursos relativos a concursos de ingresso na carreira, concursos de livre-docência e de professor titular à própria CLR (que é uma comissão assessora do Co), retirando assim do colegiado pleno essa atribuição.
O “sim” ao parecer da CLR recebeu 56 votos, quando seriam necessários 61 para conquistar a maioria simples exigida para alterações no Regimento Geral. O “não” conquistou surpreendentes 53 votos, e as abstenções foram sete, totalizando 116 votos. A Reitoria sai derrotada desse embate, pois a proposta foi encaminhada pelo Gabinete do Reitor. No entanto, na reunião do Co o presidente da CLR defendeu solitariamente a proposta da comissão, sem receber manifestações de apoio nem do reitor nem de algum outro dirigente ou membro do Co, ao passo que houve seis contundentes pronunciamentos contrários.
O parecer rejeitado propunha a supressão do inciso II do artigo 11 do Regimento Geral da USP, que inclui entre as “atribuições do Conselho Universitário (Co), além das indicadas no artigo 16 do Estatuto”, a seguinte: “julgar os recursos interpostos em concursos da carreira docente, ouvida a CLR”.
Propunha igualmente alterar o artigo 255 do Regimento Geral, cujo caput dispõe: “Sobre decisões das comissões julgadoras de concursos da carreira docente ou para a outorga de títulos acadêmicos, cabe recurso à Congregação”, por meio da supressão do seu parágrafo único: “Recursos de nulidade indeferidos pelas Congregações serão encaminhados, ex officio, à apreciação do Conselho Universitário”.
Por fim, seria modificado o artigo 12 do Regimento Geral, segundo o qual compete à CLR opinar sobre os regimentos dos conselhos centrais da USP, unidades, museus, órgãos de integração e complementares; aprovar os regimentos dos demais órgãos; julgar recursos interpostos nos casos de aplicação de sanções disciplinares a estudantes; autorizar, mediante solicitação do Reitor, desistências, acordos ou transações em ações judiciais; e “opinar sobre os demais casos encaminhados pelo Reitor e pelos Pró-Reitores”. A este último tópico (item “e”) seria acrescida a expressão “em instância final”.
Na reunião do Co, o reitor Vahan Agopyan apresentou a proposta como “um item administrativo”. A seu pedido, o professor Floriano Marques, presidente da CLR, apresentou o parecer em causa, cujo objetivo seria “permitir que parte significativa dos recursos, principalmente atinente a recursos docentes, sejam analisados [sic] em caráter terminativo no âmbito da CLR”, isso porque “como nós vamos ver na sequência da reunião do Conselho Universitário, esse conjunto de recursos toma uma parte grande da pauta, e na sua grande maioria envolve matérias que já estão decididas reiteradamente por parte do Conselho: a falta de comprovação de que [o candidato] cumpriu as obrigações de eleitor nos dois turnos da eleição anterior; alguns problemas relativos à demonstração do título de doutor; a mesma coisa para demonstração de possuir o título de livre-docente em concursos para professor titular; questões de retomada, reavaliação de julgamentos de banca — matérias que o Conselho já está cansado de decidir no mesmo sentido e que acabam vindo e estorvando a pauta”.
O presidente da CLR enfatizou que “rarissimamente o Conselho vai contra um parecer da CLR”, e que “nos últimos quatro anos os pareceres da CLR foram avalizados em 100% das votações do Conselho, boa parte por unanimidade”. Acrescentou que os recursos que já se encontram pendentes de julgamento permaneceriam, caso aprovado o parecer, “na competência do Conselho, numa pauta residual”.
“Suprimir temas é temerário, porque sugere esvaziamento do Conselho”
Iniciado o debate, a professora Ana Lanna, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), abriu a divergência com a proposta da CLR, desenvolvendo três aspectos da questão. “O primeiro é a centralidade dos concursos docentes, com ou sem recurso, na constituição da vida universitária, portanto transformar o debate sobre a contratação de docentes num pleito burocrático talvez seja um erro do Conselho Universitário. Então em vez de suprimir a discussão, devêssemos requalificar a discussão, porque me parece que esse é um tema central do nosso cotidiano, da nossa vida. E a impugnação ou não dos concursos e os trâmites revela essa centralidade”.
Outro aspecto abordado por ela é que a medida, se adotada, poderia vir a esvaziar politicamente o Co: “A ideia de que nunca contestamos as decisões das comissões assessoras do Conselho Universitário só demonstra a qualidade do trabalho que elas realizam, mas não a irrelevância do tema. Nesse sentido, começar a suprimir temas porque esse Conselho não se contrapôs à CLR, à COP [Comissão de Orçamento e Patrimônio] ou à CAA [Comissão de Atividades Acadêmicas], pouco importa quais sejam essas comissões, é temerário porque sugere um esvaziamento do Conselho Universitário como um órgão deliberativo das questões da vida da universidade”.
Por fim, Ana Lanna destacou outras implicações do tema: “Nesse sentido, talvez, em vez do acerto pontual de um tema aqui, um tema ali, devêssemos fazer uma reflexão política conjunta da universidade sobre o conjunto de temas que constituem a pauta deste Conselho, seja no Estatuto, seja no Regimento. E aí, numa perspectiva de conjunto, pensarmos sobre o que são temas desnecessários, ou temas necessários e procedimentos equivocados. Mas não um tema isoladamente — e sobretudo se esse tema tem aparecido muito significa que ele é politicamente sensível na vida universitária, e não que é irrelevante. A quantidade de recursos, independentemente de como o Conselho vota, mostra que a questão dos concursos docentes é um tema sensível, e que este Conselho tem que acompanhar, ainda que seja para referendar a manifestação da CLR”.
Não parece que a questão dos concursos seja um tema burocrático, ele é um dos grandes temas da política universitária no seu cotidiano, sublinhou. “Por essas razões, eu gostaria de pedir a esse Conselho que se posicionasse contrário ao parecer da CLR”.
Conselho tem maior representatividade, destacou Marly Cardoso (FSP)
A seguir o professor Oswaldo Tanaka, diretor da Faculdade de Saúde Pública (FSP), e a professora Anna Maria Loffredo, do Instituto de Psicologia (IP), em breves intervenções, reforçaram a posição da docente da FAU. Juliana Godoy, representante discente da graduação, igualmente se pronunciou contra a proposta, criticando a delegação de atribuição do Co à CLR, por ferir o artigo 20, parágrafo único, da lei estadual 10.177/1998. Também a professora Marly Cardoso, manifestando-se em nome da Congregação da FSP, colocou-se contra a minuta, levantando a questão da maior representatividade do Co.
Representante dos professores associados e presidente da Comissão de Atividades Docentes (CAD), o professor Marcílio Alves, da Escola Politécnica (EP), juntou-se aos oradores precedentes na rejeição ao parecer da CLR. “Acho importante que um doutor que está participando de um concurso e se ache injustiçado possa recorrer até a última instância do sistema ‘jurídico’, digamos assim, da universidade porque o Co tem o poder de pacificar qualquer questão final. Quando para na CLR, sempre causa um certo incômodo para quem recorreu, achando que poderia ter um resultado diferente se a coisa subisse até o Co”, ponderou. “O Co é realmente a última instância onde esses concursos devem ser avaliados. Ressalto que ao longo dos anos o tempo que se tem usado nas reuniões do Co para avaliação desses recursos não tem sido muito grande, embora a quantidade de recursos seja grande. Mas sempre cabe ao Co a última palavra nesse caso”.
Nenhum outro conselheiro defendeu a proposta, e a pedido do reitor o professor Floriano procurou responder às opiniões contrárias. “Concordo com a professora Ana Lanna que a discussão política sobre os concursos é fundamental. Ela não tem nada a ver com o que estamos delegando, ou estamos passando para a CLR”, disse o presidente da CLR. “Discussão política sobre os concursos existe na CCA, existe nas congregações. Eu não consigo ver qual é o aspecto político de definir se o sujeito votou ou não, título de eleitor. Isso não é política, é uma questão técnica de preenchimento de requisitos. Podemos achar que isso é político, mas se vamos politizar o comprovante do título de doutor, politizar se juntou um ou dois comprovantes de votação, estamos dando um caráter muito alargado ao que é discussão política. Agora, temos sim que politizar, discutir mais politicamente os concursos e o perfil do docente que nós vamos atrair. Isso não se dá em recurso individual”.
O presidente da CLR respondeu com inesperada ironia e jocosidade à representante discente que havia levantado um questionamento de ordem legal à minuta: “A Juliana me tira para dançar como professor titular de Direito Administrativo. Ninguém delega algo para si próprio, a CLR é parte do Conselho. Não se trata tecnicamente de delegação. Portanto, o artigo da [lei] 10.177 não se aplica”. Porém, como visto acima, o próprio Floriano havia acabado de usar a expressão “estamos delegando para a CLR” para referir-se ao sentido da proposta em questão, rapidamente corrigindo-se: “ou estamos passando”.
Título de doutor honoris causa para o professor António Nóvoa
Por proposta da Faculdade de Educação, e após algumas manifestações favoráveis, a reunião do Co concedeu o título de doutor honoris causa ao professor António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa de 2006 a 2013. Houve um apelo explícito do reitor para que os conselheiro(a)s votassem na proposta, que foi aprovada por quase unanimidade: 108 votos favoráveis e uma única abstenção.
A edição 60 da Revista Adusp, publicada em maio de 2017, trouxe um importante artigo de Nóvoa, “Em busca da Liberdade nas Universidades, é tempo de dizer ‘não’”,que examina detidamente os impactos deletérios do chamado “produtivismo acadêmico” sobre a ciência e as instituições universitárias.
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