Condições de trabalho
Em segunda instância, Justiça confirma responsabilidade da USP pela morte do estudante Filipe Varea Leme e mantém indenização à família
A 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve, em 12/10, a sentença judicial que determinou que a USP deve indenizar o pai e a mãe de Filipe Varea Leme pela sua morte.
Filipe, então com 21 anos, era aluno do curso de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e atuava como monitor do Serviço Técnico de Informática na Escola Politécnica. O jovem faleceu num acidente de trabalho em 30/4/2019, quando, em desvio de função, realizava o transporte de um armário num elevador da Poli.
Na sentença, proferida em 31/1, o juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública, condenou a USP ao pagamento de R$ 500 mil de indenização por danos morais a Fabio Leme e Ester Varea Leme, pai e mãe do estudante.
Em recurso, a USP pleiteou a “inversão do julgado”, ou seja, a responsabilização do próprio jovem pela tragédia.
O acórdão dos desembargadores Aroldo Viotti (relator), Ricardo Dip e Jarbas Gomes, da 11ª Câmara, determina que “não há como se afastar a responsabilidade da Universidade pelo trágico evento que acarretou a morte do filho dos autores”.
“Houve comportamento culpável por parte da Universidade, e de seus prepostos, a postar-se em nítida linha de causalidade com o trágico acidente”, dizem os desembargadores. “As imagens extraídas das câmeras de segurança instaladas no prédio da Escola Politécnica fornecem quadro impressionante e esclarecedor do desenrolar dos fatos”, prossegue a decisão de segunda instância.
A 11ª Câmara acolheu, porém, a reivindicação da USP de abater do valor da indenização o montante pago à família em julho de 2019 a título de seguro de acidentes pessoais, com recursos do Fundo de Cobertura de Acidentes Pessoais instituído pela Reitoria em 2012. Além disso, os desembargadores rejeitaram a pretensão da família de aumentar o valor da indenização para o correspondente a mil salários mínimos.
De acordo com o advogado Rogério Licastro de Mello, que representa a família de Filipe, em tese a USP ainda pode tentar um recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Mas não há matéria para esse recurso, seria apenas uma procrastinação”, disse ao Informativo Adusp.
Acidente “decorreu diretamente da negligência” da USP, aponta sentença da 7ª Vara da Fazenda Pública
Na sentença de primeira instância, que tem vários trechos citados no acórdão, o juiz Emílio Migliano Neto destaca que “é incontroverso que Filipe, filho dos autores, no momento do acidente estava transportando um armário de um andar para outro, função que não lhe competia executar”.
Filipe e outro colega transportaram o armário, que seria transferido para outro prédio da unidade, a pedido da funcionária da Poli Elizabeth Maria Barbosa Maciel, supervisora do estágio.
Filipe carregou o armário num carrinho e procurou transportá-lo em elevador destinado a pessoas com necessidades especiais. Como o espaço não era adequado, entrou sozinho e acabou apoiando o carrinho no queixo para manter o equilíbrio do móvel. Ao fechar, a porta do elevador empurrou o carrinho contra o pescoço do jovem, que ficou preso contra a parede do fundo.
“Assim, o acidente que vitimou fatalmente o único filho dos autores decorreu diretamente da negligência dos funcionários da requerida USP”, escreveu na sentença o juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública.
“Certo é que a partir do momento em que um aluno monitor, em evidente desvio de atribuição do cargo, com as plenas ciência e anuência de sua supervisora, sem qualquer equipamento de segurança, instrução, treinamento ou supervisão, passou a realizar o transporte de armário, houve assunção de responsabilidade por qualquer evento danoso daí decorrente”, prossegue (grifo no original).
“A negligência da autarquia requerida restou cabalmente demonstrada, ainda, no momento do embarque do armário no elevador, conforme é possível verificar em imagens das câmeras que mostram um vigia terceirizado no local, que não fez qualquer óbice à utilização inadequada do elevador, revelando que a prática inadequada e perigosa era comumente aceita por todos os funcionários do prédio”, constata o magistrado.
Ficaram caracterizados, aponta Migliano Neto, “o dano, o nexo de causalidade, e a culpa da requerida pelo evento danoso”, do que decorre “o reconhecimento da responsabilidade subjetiva culposa da USP”.
No TJ-SP, a Universidade ainda tentou culpar o estudante pela tragédia
No seu recurso, a USP tentou jogar sobre Filipe a culpa pela tragédia. “A consequência trágica do ocorrido pode ser considerada culpa exclusiva da vítima, já que realizou escolhas erradas (deixar o armário com parte do material, o que o tornou mais pesado que o normal; utilizar a plataforma elevatória, vale recordar, procedimento proibido pela administração da Escola Politécnica; manter o armário inclinado ao entrar na plataforma, não o apoiando no chão, a fim de estabilizá-lo) ou, ao menos, culpa concorrente”, alegou a universidade.
A vergonhosa tentativa da USP de se eximir da responsabilidade pela morte de Filipe, filho único do casal, não foi admitida pelos desembargadores da 11ª Câmara, para quem “a prova trazida aos autos sinaliza a procedência da alegação da inicial no sentido de que o acidente que vitimou Filipe foi realmente ocasionado pela irregular execução de atividade diversa daquela para a qual foi contratado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo”.
A decisão cita ainda o acordo de não persecução penal assinado em outubro de 2020 pela funcionária da Poli com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP). No acordo, homologado pela Justiça, Elizabeth Maciel assumiu que, “agindo culposamente na modalidade negligência, deu causa ao óbito de Filipe Varea Leme” e se comprometeu a cumprir oito meses de serviço comunitário ou para entidades públicas.
O acordo de não persecução penal integra o conjunto probatório do caso, formado ainda por outros documentos, como o laudo pericial do Instituto de Criminalística e os depoimentos judiciais das testemunhas. Esse conjunto demonstra “a configuração do liame de causa e efeito entre o acidente a que alude a inicial e a responsabilidade do Poder Público”, dizem os desembargadores, referendando a decisão da primeira instância.
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