Deputado da extrema-direita quer “coibir” debates e eventos na USP

Douglas Garcia (PSL) enviou requerimento para que a universidade apresente a lista de todas as atividades realizadas no primeiro semestre do ano. Líder do movimento Direita São Paulo, Garcia organizou uma marcha na Cidade Universitária no ano passado para comemorar a vitória de Jair Bolsonaro, na qual reuniu menos de vinte pessoas. Na Alesp, o parlamentar é alvo de três representações por quebra de decoro

foto: Adusp
Douglas Garcia (de costas, com a imagem de um fuzil na camiseta) no ato na USP após a vitória de Bolsonaro

Diretores, coordenadores e chefes de divisão das unidades da USP devem encaminhar à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária até a próxima quinta-feira (29/8) “informações sobre os eventos realizados no período de janeiro a julho de 2019”. A demanda – mais uma a se juntar à crescente onda de ataques à universidade pública brasileira – atende a um requerimento de informação formulado pelo deputado estadual Douglas Garcia (PSL) e dirigido ao reitor da USP, Vahan Agopyan.

No documento, publicado no Diário Oficial do Estado no dia 8/8, Garcia cita que “vários eventos de diversas vertentes ideológicas, políticas e filosóficas ocorrem nas dependências da Universidade de São Paulo Campus São Carlos”, razão pela qual apresenta os seguintes questionamentos: “1 – Quantos eventos foram ministrados na Universidade de São Paulo em todos seus campus (sic), desde o início do ano? 2 – Quais eventos (nomes) foram organizados por movimentos estudantis e quais os movimentos/coletivos/grêmios etc., organizadores? 3 – Há eventos previstos e ou agendados? Se sim, quais e organizados por quem?”.

Garcia – de 25 anos, líder do movimento Direita São Paulo e eleito para seu primeiro mandato com 75 mil votos – acrescenta que “inúmeras reclamações têm sido feitas quanto a destinação de espaço e despesas para fins questionáveis”. Suplente da CPI das Universidades em andamento na Assembleia Legislativa (Alesp), o deputado utiliza esse fórum para fazer ataques concentrados especialmente na USP. Na sessão de 24/6, perguntou sobre o uso de espaços da universidade para eventos “de cunho ideológico” diretamente ao reitor Vahan Agopyan, então presente para depor.

Em reportagem publicada pelo portal UOL, o deputado disse que “é um absurdo a utilização do câmpus para fazer palestra de partido político como o PT, o PSOL e o PCdoB” e que esse tipo de evento “acontece em toda a USP”. Na reportagem, o deputado atenta contra a lógica ao dizer que quer “juntar um dossiê para coibir esse tipo de evento” para, logo a seguir, emendar que não quer “censurar ninguém”. Garcia ameaçou ainda recorrer ao Ministério Público caso não receba as informações da Reitoria.

Douglas está obcecado por nós há algum tempo”, diz coordenadora do DCE

Além da CPI, o deputado do partido de Bolsonaro já questionou a realização de cursos e eventos na USP diretamente da tribuna da Alesp. Em março, por exemplo, fez um discurso criticando a realização do curso “Como combater o fascismo”. Na divulgação da atividade, a imagem de Bolsonaro aparecia ao lado das de Franco, Hitler, Mussolini e Médici.

De acordo com Juliana Godoy, coordenadora do Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre) “Alexandre Vannucchi Leme”, o curso abordou em cinco aulas o fascismo na Itália, na Alemanha nazista e na ditadura militar brasileira. “O Douglas está obcecado por nós há algum tempo”, disse a aluna na reportagem veiculada pelo UOL. “Ele pergunta ‘quais os critérios para reservar um auditório’ porque não entende que se você é um estudante na universidade pública e quer fazer uma reunião ou debater, o departamento vai ver a disponibilidade da sala e reservar. Ele acha que a USP tem um critério ideológico para decidir a quem reservar a aula. Um estudante do PSL pode fazer o mesmo sempre que quiser”, continua a estudante.

“Talvez a gente viva o período mais difícil da nossa geração, com cortes nas verbas pelo Ministério da Educação. Nós dos centros acadêmicos e juventude temos a tarefa de organizar debates sobre esse momento, que é político e histórico. Temos de estimular nosso direito de liberdade de expressão, que é garantido, pelo menos por enquanto”, defendeu Juliana.

O próprio Douglas Garcia já liderou um “evento” na USP. Em 29/10/2018, dia seguinte à vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, o então deputado eleito organizou um ato chamado “Chola Mais” na Cidade Universitária. Não mais do que vinte pessoas compareceram. A intenção do grupo era fazer uma marcha até os prédios da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), onde os alunos organizaram um ato contra o fascismo em resposta ao do líder da extrema-direita, reunindo mais de mil pessoas.

O reduzido grupo liderado por Garcia foi dissuadido por oficiais da Polícia Militar de levar adiante a provocação e fez sua marcha basicamente circundando os prédios da Escola Politécnica, com a escolta de dez carros e seis motocicletas da PM, além de outros soldados a pé.

De acordo com reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, pelo menos 16 integrantes do Direita São Paulo estão abrigados em cargos na Alesp – 14 deles no gabinete de Garcia e dois no da liderança do PSL. O mandato do deputado, no entanto, pode ser colocado em risco caso o Conselho de Ética da casa cumpra o seu papel em relação ao decoro parlamentar. A jovem liderança da extrema-direita é alvo de três representações por ofensas à deputada Erica Malunguinho (PSOL), ataques a professores e homenagem a torturadores. Os processos estão aguardando votação no conselho, que não se reúne desde o dia 7/8.

CPI das Universidades cancelou sessão que ocorreria em 21/8

O presidente da CPI das Universidades em curso na Alesp, Wellington Moura (Republicanos), cancelou a sessão agendada para a última quarta-feira (21/8), quando seria apreciado, entre outros, o requerimento da deputada Carla Morando (PSDB) para que USP, Unesp e Unicamp apresentem – “no Excel”, como a deputada fez questão de explicitar – a lista de “todas as pesquisas” realizadas com verba própria nos últimos oito anos.

De acordo com a assessoria do gabinete do deputado, o cancelamento se deveu ao fato de não haver nenhuma oitiva agendada para a sessão. Assim, os requerimentos já apresentados serão apreciados pela comissão na próxima quarta-feira (28/8), quando será ouvido o ex-reitor da USP Marco Antonio Zago. No dia 4/9 será a vez do ex-reitor da Unicamp José Tadeu Jorge depor à CPI.

EXPRESSO ADUSP


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