Defesa da Universidade
Em todo o país, universidades públicas estão na linha de frente na luta contra a pandemia
Produção de respiradores artificiais, realização de exames mais rápidos e baratos, parcerias com os laboratórios dos Estados, atendimento nos hospitais universitários e elaboração de material com orientações para a população são alguns dos serviços que as instituições públicas oferecem para ajudar no combate à Covid-19
O governo Bolsonaro as vê como um inimigo perigoso. Atacadas seguidas vezes pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, sob os mais variados pretextos; perseguidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo próprio MEC com cortes orçamentários e de bolsas que não poupam sequer pesquisadores que desenvolvem trabalhos relacionados ao novo Coronavírus; “esquecidas” pelo Ministério da Saúde nos esforços de combate à epidemia apesar das promessas do ministro Luiz Henrique Mandetta de “consultar a academia”.
Pois bem: em que pese tudo isso, as universidades públicas em todo o Brasil estão na linha de frente da produção científica e tecnológica voltada a dar respostas ao desafio da pandemia.
Em São Paulo, pesquisadores da Escola Politécnica da USP estão desenvolvendo o projeto de um ventilador pulmonar mecânico (respirador) que poderá ser produzido por fabricantes autorizados de forma rápida e com menor custo para atender pacientes atingidos pela Covid-19. Uma das características do equipamento será o seu baixo custo, em tono de R$ 1 mil por unidade, enquanto um respirador convencional custa no mínimo R$ 15 mil no mercado.
“Por suas características, o projeto irá viabilizar a construção de alguns milhares de ventiladores a partir de três semanas e ter milhares produzidos em cinco semanas”, explicou ao Jornal da USP o engenheiro Raul Gonzalez Lima, coordenador de um grupo de cerca de 40 pessoas envolvidas na iniciativa, em andamento desde o dia 20/3.
Projetos semelhantes estão sendo desenvolvidos por pesquisadores de várias universidades federais do país. No Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a versão preliminar de um ventilador foi criada com recursos disponíveis no Laboratório de Engenharia Pulmonar Cardiovascular e apresentou bom resultado. Agora, estão sendo feitas adaptações para a construção de um protótipo mais adequado à produção em escala industrial, o qual deverá ser testado em pacientes.
Outras instituições também trabalham em projetos do gênero, como as universidades federais de Santa Catarina (UFSC) e da Paraíba (UFPB) – nesta última,o equipamento desenvolvido pode ser monitorado de forma remota, reduzindo o contato direto entre paciente e equipe médica e, consequentemente, os riscos de contaminação. Por sua vez, servidores e docentes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) estão consertando equipamentos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) que podem ser utilizados no atendimento aos pacientes, mas que estavam fora de uso por problemas técnicos ou de manutenção.
A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apoia a criação de uma rede de designers, engenheiros e pesquisadores para produzir peças em impressão 3D para máquinas hospitalares. A rede foi criada pela engenheira biomédica Thabata Ganga, formada pela Unifesp em 2016 e especialista em impressão 3D de próteses para a área da saúde. O objetivo principal é suprir a necessidade de respiradores artificiais para atendimento da população na pandemia.
A ideia é inspirada na experiência de dois italianos, Cristian Fracassi e Alessandro Romaioli, que utilizaram a técnica para produzir válvulas e consertar respiradores de um hospital na Itália, um dos países com maior número de vítimas da Covid-19. Outra frente de trabalho das universidades públicas é o desenvolvimento de testes rápidos e de baixo custo para diagnosticar os casos da doença e identificar os pacientes com risco de evolução para quadros de insuficiência respiratória. Pesquisadores da USP e da Unicamp atuam em conjunto para produzir esses testes, baseados na análise do padrão de moléculas corporais. O custo estimado é de R$ 40 a R$ 45 por paciente.
“Enviamos o processo de aprovação à Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, órgão que regulamenta estudos clínicos no Brasil] e já estamos fazendo análises prévias e processando os dados. Tudo ao mesmo tempo, em virtude da situação”, disse à Agência Fapesp Rodrigo Ramos Catharino, coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp.
Produção e distribuição de álcool em gel e de equipamentos de proteção individual (EPIs) para as equipes de saúde também estão entre as iniciativas adotadas por várias instituições em todo o Brasil.
“Competência científica e estrutura laboratorial à disposição da sociedade”
“É importante dizer que as universidades federais têm hoje uma estrutura que, em todos os Estados brasileiros, está sendo usada para ações de apoio à população. Estamos realizando atividades de assistência nos hospitais universitários, de pesquisa sobre a epidemia no Brasil, de apoio aos órgãos públicos que estão envolvidos no combate à propagação da doença, de assessoramento às secretarias de Saúde e aos governos, de elaboração de projetos e de orientação à população, entre outros”, ressalta o reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Emmanuel Tourinho. “As universidades federais compõem, portanto, um sistema que está, neste momento de necessidade, colocando a sua competência científica e tecnológica e sua estrutura laboratorial à disposição da sociedade para ajudar no enfrentamento de um problema que alcança todas as pessoas.”
A diversidade das ações é uma das marcas desse esforço, como o Informativo Adusp exemplifica a seguir.
Na Bahia, um projeto idealizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-Bahia) deu origem ao Tele Coronavírus, serviço telefônico de orientação, informação e triagem a distância de casos suspeitos da Covid-19. Desde o dia 24/3, os interessados podem ligar para o número 155, que tem atendimento diário das 7h às 19h. Escolas médicas públicas e privadas participam da iniciativa, integrada às secretarias de Saúde dos municípios do Estado. Um dos objetivos do serviço é evitar o deslocamento aos centros de saúde de pessoas que não necessitam de atendimento emergencial, reduzindo a circulação e os riscos de contágio.
Em São Paulo, a Unicamp também criou um serviço telefônico para tirar dúvidas e dar orientações sobre sintomas e precauções: o número (19) 3521-9130 atende de segunda a sexta-feira das 8h às 20h.
A UFPA e o governo do Pará fecharam uma parceria para que laboratórios da universidade colaborem com o Laboratório Central do Estado na realização de exames para diagnóstico do coronavírus. No Paraná, o governo estadual contratou 1.064 bolsistas para atuar em todas as regionais de saúde, postos de divisa rodoviária e Laboratório Central para reforçar o atendimento, a orientação, o trabalho administrativo e os procedimentos dos exames de diagnóstico da Covid-19. As sete universidades estaduais e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) participam do programa.
Em Porto Alegre, o Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) também se prepara para realizar entre 400 e 500 testes diários de diagnóstico da Covid-19. O principal foco da parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública do Estado, de acordo com a professora Ilma Brum da Silva, diretora do ICBS, será a detecção nos profissionais de saúde que atuam na linha de frente do combate à doença. A aquisição futura de um novo equipamento permitirá que o instituto realize até 1,8 mil testes por dia, completa a professora.
Outra iniciativa da qual a UFRGS participa é o projeto de utilização de drones para pulverizar nas ruas substâncias desinfetantes que combatam o vírus. Professores do ICBS, do Instituto de Química e da Escola de Engenharia da universidade integram um grupo de trabalho com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico de Porto Alegre e uma empresa privada. Os primeiros testes já foram realizados na orla do rio Guaíba, na capital gaúcha.
UFPI produz vídeos em Libras e UFMG publica guia para profissionais de saúde
Em Teresina, a Coordenação Geral do Curso de Letras-Libras da Universidade Federal do Piauí (UFPI) produziu vídeos informativos sobre o novo coronavírus em Libras para as pessoas surdas. De acordo com a professora Adila Silva Araújo Marques, da coordenação do curso, os surdos normalmente enfrentam grandes dificuldades para se comunicar em situações desse tipo.
“Nas notícias da televisão, em comunicados da prefeitura e do governo do Estado não há janela de Libras, muito menos uma legenda”, diz a professora. O material permitirá que a comunidade dos surdos tenha acesso, em sua primeira língua, a informações “sobre como se prevenir, se proteger e evitar a disseminação do vírus”, completa.
Em Belo Horizonte, professoras da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) elaboraram o Guia de orientações para organização e fluxo nas Unidades Básicas de Saúde em tempo de coronavírus, queapresenta medidas de organização, prevenção e controle para auxiliar gestores e profissionais a lidar com a Covid-19.
Organizado pelas professoras Alexandra Moreira, Giselle Freitas, Lívia Montenegro e Sheila Aparecida, do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, o material apresenta orientações que abrangem desde a triagem na entrada de uma unidade de saúde até cuidados no isolamento familiar, prevenção e limpeza.
A atividade econômica também é contemplada nas iniciativas em curso na universidade pública. Micro, pequenos e médios empresários preocupados com a continuidade de seu negócio podem recorrer a uma força-tarefa formada por professores, mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). O e-mail duvidapmeppgcon@gmail.com foi criado para receber pedidos de orientação nas áreas contábil, financeira, tributária, custos, governança, estratégia e créditos.
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