Na avaliação de diversas associações, mudança pode reduzir até 50% de bolsas em alguns programas e, segundo a Foprop, representa “grave quebra de confiança” entre aquela agência federal de fomento à pesquisa e a comunidade da pós-graduação

Os coordenadores das 49 áreas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) enviaram no último dia 20/3 uma carta ao presidente da agência, Benedito Guimarães Aguiar Neto, na qual solicitam a revogação da Portaria número 34, assinada no dia 9/3 e publicada no Diário Oficial da União no dia 18/3. De acordo com os signatários da carta, a portaria “introduz novos elementos que são muito prejudiciais a muitos PPGs [programas de pós-graduação], sobretudo aqueles localizados em áreas estratégicas do país, como as regiões Norte e Nordeste”. A comunidade acadêmica, prossegue o texto, tomou conhecimento das medidas “apenas após a publicação dessa portaria, sem nenhuma discussão com os setores que contribuíram para construir o modelo”.

A medida da Capes estabelece novos critérios para determinar quantas bolsas caberão a cada um dos cerca de 4,5 mil programas de pós-graduação do país. Na avaliação de várias entidades científicas e acadêmicas que têm se manifestado a respeito da medida, os critérios de pisos e tetos da redistribuição dos benefícios estabelecidos no artigo 8o do texto podem levar alguns programas a perder até 50% das bolsas, e mesmo os cursos com nota máxima não escapariam dos cortes.

A publicação da portaria causou “muita perplexidade e uma ressonância muito negativa nos PPGs das 49 áreas de avaliação da Capes”, diz a carta dos coordenadores — vários dos quais são professores da USP. “Em um momento de comoção nacional frente à pandemia pelo Covid-19 que está sendo vivenciada no país, quando precisamos mais do que nunca da Ciência para resolver esse problema que ameaça vidas, implementar mudanças abruptas no modelo de alocação de bolsas dos alunos de pós-graduação, principais atores do SNPG [Sistema Nacional de Pós-Graduação] brasileiro, não somente causa estresse desnecessário como pode acarretar prejuízos ainda maiores para a pós-graduação nacional”, prosseguem os acadêmicos, para quem “qualquer mudança abrupta” na distribuição de bolsas “pode gerar instabilidade no SNPG e ter impactos negativos para a qualidade da pós-graduação nacional em um momento ímpar de transição do modelo de avaliação.”

ANPG faz abaixo-assinado e Foprop diz que houve “quebra de confiança”

Na avaliação da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), a portaria, se mantida, “prolongará o clima de pânico e desesperança entre os pós-graduandos e aprofundará as desigualdades já existentes entre programas de pós-graduação, áreas de conhecimentos e regiões brasileiras”.

A portaria, prossegue a entidade, sacrificará “os programas mais novos e com conceito 3 e 4, aumentando o seu teto de perda de bolsas em um modelo de distribuição, tirando os instrumentos necessários para que esses programas possam progredir na próxima avaliação quadrienal”. Dessa forma, seria agravado um cenário em que já há “defasagem significativa no orçamento da Capes e quantitativo de bolsas, que já somam quase 8.000 perdidas em consequência dos cortes”. A ANPG criou na Internet um abaixo-assinado pela revogação da portaria.

Por outro lado, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também divulgou carta, subscrita por mais de 60 sociedades científicas, registrando sua “surpresa e enorme preocupação” com a medida. “A redação da referida Portaria indica que poderá haver redução significativa de bolsas de Mestrado e de Doutorado em todos os Programas de Pós-Graduação, independentemente de sua qualidade ou qualquer outro critério objetivo. Assim, sua implementação poderá levar o sistema de pós-graduação nacional ao colapso”, diz o documento, enviado no dia 20/3.

A SBPC e as sociedades científicas que assinam a carta também “reforçam as manifestações pela imediata revogação da Portaria 34 e pelo estabelecimento de prazo hábil para que possamos elaborar as demandas da comunidade científica no sentido que de resolver os graves problemas que enfrentamos no momento”.

Manifestação semelhante foi emitida pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop), para quem a medida “irá ocasionar uma severa perda de bolsas nos nossos programas de pós-graduação, independentemente da nota ou região em que se encontram”. O Foprop também solicita a revogação da portaria e vai além, ao dizer que a revogação dos critérios anteriores, “construídos a partir de um profícuo e extenso debate”, representa “uma grave quebra de confiança entre a Capes e toda a comunidade acadêmica da pós-graduação no país”.

Por sua vez, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), em ofício encaminhado à Capes no dia 18/3, diz ter recebido “com consternação e incredulidade” a publicação da portaria, e também pede a sua revogação.

No entender do Andes-Sindicato Nacional, “é urgente o cancelamento da Portaria 34, bem como a recomposição do número de bolsas, além da atualização dos valores concedidos”. Igualmente necessária é a revogação da Emenda Constitucional 95, que limita a destinação de recursos da União para áreas como Saúde, Educação e Ciência por 20 anos.

Para presidente da Capes, “reclamações” revelam “visão parcial do problema”

Em comunicado publicado na última segunda-feira (23/3), o presidente da Capes afirma que “não foi feito corte algum, muito pelo contrário”. “Em fevereiro de 2020, quando a Capes anunciou o modelo de concessão de bolsas, havia ao todo 81.400 bolsas no País, distribuídas por mais de 350 instituições de ensino superior — públicas e privadas — que abrangiam mais de 7 mil cursos. Um mês depois, em março, com a implementação do modelo, este número passou para 84.786 benefícios para mestrado e doutorado. O aumento foi necessário para atender os cursos mais bem avaliados”, prossegue.

Aguiar Neto ressalta que para todos os cursos “ocorreu uma aproximação das curvas do número de bolsas para padrões mais próximos de um patamar isonômico, cuja implantação sequer ocorreu completamente, uma vez que as normas do modelo previram pisos e tetos de movimentação”. Em sua avaliação, “é disso que trata o ajuste de percentuais disciplinado pela portaria 34”.

Na visão do presidente da Capes — adepto da chamada Teoria do Design Inteligente, espécie de roupagem atualizada do criacionismo — “as reclamações relativas às mudanças de limites de piso e teto, estabelecidas pela portaria 34, são naturais, mas, com o devido respeito, revelam uma visão parcial do problema”. Aguiar Neto encerra sua manifestação dizendo que a agência “está aberta ao diálogo com a comunidade acadêmica e à (sic) sugestões quanto ao aperfeiçoamento do modelo de concessão de bolsas”.

Consulta pública do PDL 98/2020, que susta a Portaria 34 da Capes – você pode votar clicando aqui

O Senado Federal abriu consulta pública a respeito do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 98/2020, de autoria do senador Humberto Cunha (PT-PE), que susta a Portaria 34 da Capes. “De forma autoritária e repentina”, diz a justificativa do projeto, “a medida revogou as regras que haviam sido definidas em diálogo com o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-graduação (Portarias nº 18 e 20 de 20/2/2020 e nº 21 de 26/2/2020)”.

Sob o pretexto de priorizar os cursos de pós-graduação mais bem avaliados pela Capes, continua, a portaria “possibilita uma redução drástica das bolsas de pesquisa, em sintonia com os cortes já efetuados em 2019 e com os ataques desferidos pelo Ministério da Educação contra as instituições federais de ensino superior”. Para se manifestar contra a medida da Capes basta acessar o endereço virtual apontado e votar “SIM”.

EXPRESSO ADUSP


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