Defesa da Universidade
Novo modelo de distribuição de bolsas é “mais isonômico” e procura corrigir distorções, alega presidente da Capes
Benedito Guimarães Aguiar Neto |
Programas com conceitos mais baixos recebiam número maior de bolsas do que aqueles com notas 6 e 7, disse Benedito Aguiar em teleconferência com o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior. Mudanças no processo de avaliação da agência e no Programa Nacional de Pós-Doutorado, entre outros temas, também estiveram na pauta da conversa
As mudanças efetuadas na distribuição de bolsas de pós-graduação pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) resultaram no aumento do número de benefícios no sistema e visam a criar “um modelo que pudesse ser mais isonômico, em que a meritocracia pudesse estar presente”, considera o presidente da agência, Benedito Guimarães Aguiar Neto.
Aguiar falou sobre esse e outros temas em videoconferência com o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, divulgada no YouTube no último dia 8/5. A conversa, segundo Carlotti, tinha o objetivo de “atualizar” assuntos “de interesse de toda a comunidade da pós-graduação da USP”.
Um dos principais itens abordados por Aguiar no vídeo de 1h13min de duração foram os critérios de distribuição de bolsas estabelecidos pela Capes na Portaria 34, publicada no Diário Oficial no último dia 18/3 e alvo de críticas de várias entidades da comunidade acadêmica. Na visão do presidente da Capes, “houve uma especulação muito grande pela própria imprensa e diria que até uma politização desse assunto, infelizmente, por algumas entidades, mas que está no nosso entendimento superado”.
Aguiar ressaltou que a agência vinha trabalhando há cerca de dois anos na elaboração de um novo modelo de distribuição de bolsas, iniciativa que “foi de certa forma provocada pela própria comunidade acadêmica, que percebeu que havia muitas distorções” no sistema. O presidente da Capes citou especificamente diálogos sobre a questão mantidos com o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop). Uma grande distorção, a seu ver, é que programas com conceitos mais baixos “tinham muito mais bolsas do que programas com conceitos mais elevados”. Numa mesma instituição, citou, havia um programa de conceito 3 com 49 bolsas e outro, com nota 7, tinha somente 17.
O modelo “mais isonômico” proposto pela Capes se utiliza basicamente das seguintes variáveis, explicou Aguiar: uma tabela básica inicial alocando um determinado número de bolsas em função da grande área do conhecimento e um indicador relacional com o tamanho e o desempenho do curso. De forma geral, apontou, quanto maior o número de titulados, maior em princípio o desempenho do curso. “Esse indicador precisa ser melhorado, estamos abertos a isso”, enfatizou Aguiar, que reconheceu, por exemplo, as diferenças existentes quanto ao tempo de titulação nas grandes áreas. “Mas o modelo não poderia entrar nesse detalhe”, ressalvou.
Outra ponderação foi a aplicação do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), com o objetivo de dar “melhor atenção às regiões com situação econômica menos prestigiada”. Esse índice, de acordo com o presidente da Capes, “foi aplicado de tal maneira que houvesse um reforço do número de bolsas” depois de considerados os dois indicadores principais, e “só teve algum efeito para aquelas regiões carentes”.
Portaria 34 impediu que fosse cometida “injustiça bastante grande”, diz Aguiar
Aguiar salientou também que, no final de janeiro, quando assumiu a presidência, a Capes oferecia 80 mil bolsas de demanda social – nos programas de Apoio à Pós-Graduação (Proap) e de Excelência Acadêmica (Proex) – e cerca de 10 mil em outras modalidades. Com a aplicação do modelo, disse, o total de bolsas de demanda social foi ampliado para 84,3 mil. A razão para o aumento foi o fato de que, com o número anterior, não seria possível alcançar “uma prática mais justa” na distribuição dos benefícios para aqueles cursos que, de acordo com o modelo, teriam direito a mais bolsas.
Para que o prejuízo não fosse muito grande nos programas que eventualmente perderiam bolsas, foi adotado um critério de teto e de piso: a perda em cada programa seria no máximo de 10%, e o acréscimo, para os programas 7, no máximo de 30%.
“Quando rodamos o modelo, vimos que seriam cometidas algumas injustiças”, disse Aguiar. Havia programas com conceitos 6 e 7 que ficariam com um número de bolsas muito aquém de outros com conceitos 3 e 4. “Tivemos que, com a Portaria 34, repensar esses pesos que foram inicialmente implementados”, explicou. Alguns programas vêm sendo repetidamente avaliados com conceito 3, por exemplo, e “não era justo distribuirmos bolsas de forma isonômica com outros que estavam muito bem avaliados historicamente e vinham sendo prejudicados”.
Para evitar que ocorresse o que chamou de “uma injustiça bastante grande”, foi feita uma mudança nos pesos “para que houvesse uma aproximação mais rápida àquilo que foi apontado pelo modelo”. Assim, “alguns programas com conceito 3 foram naturalmente mais prejudicados”, enquanto aqueles que tinham avaliações consecutivas com conceitos 6 e 7 “não necessariamente tinham que manter seu número de bolsas” – alguns deles possuíam “bolsas em excesso em relação ao modelo isonômico implementado”, disse Aguiar.
A comunicação sobre a nova distribuição das bolsas, no início de abril, causou um tumulto que Aguiar atribuiu a uma “infelicidade de um erro técnico na parametrização desse modelo”. No dia 1/4, a Capes enviou um ofício aos pró-reitores de pós-graduação das universidades brasileiras informando que a abertura do Sistema de Controle de Bolsas e Auxílios (SCBA), prevista para aquela data, havia sido adiada para 6/4. A razão do adiamento era a necessidade de “correção de uma falha ocorrida na geração de empréstimos decorrentes da aplicação das regras do modelo de distribuição de bolsas recentemente publicado”. Com a “correção”, seriam restituídas cerca de 6 mil bolsas cortadas do sistema.
Aguiar reforçou que houve um aumento do número de bolsas e não uma perda em relação ao total existente antes da implantação desse modelo. Ressaltou também que nenhum bolsista ativo no sistema perdeu o seu benefício, mesmo se estivesse num programa para o qual o modelo apontou excesso de bolsas. Nesse caso, elas foram mantidas “com aquilo que chamamos de empréstimo”, explicou.
USP aponta “distorções e prejuízos” e apresenta lista de sugestões
Em correspondência enviada em abril à presidência da Capes, o pró-reitor Gilberto Carlotti diz que a nova distribuição ampliou o número de bolsas da USP (são 382 a mais, incluindo demanda social e a concessão emergencial voltada a projetos ligados à Covid-19 — a planilha com esses totais pode ser consultada aqui). Porém, escreve Carlotti no documento, “os critérios para a distribuição, do modo que foram implantados, estão causando algumas distorções e prejuízos para alguns programas, em alguns casos até invertendo o espírito que norteia esses critérios”. A USP, prossegue, “demonstra preocupação com algumas manifestações de universidades e associações que também sinalizam problemas desta nova distribuição”.
A carta apresenta sete sugestões “para que o processo possa ser aperfeiçoado”, incluindo “simulações para o estudo do impacto das propostas”. A primeira delas aborda o fato de que o impacto da dimensão do programa na equação para a distribuição de bolsas “foi medido através do número médio de defesas anuais (taxa de titulação média)”. Entretanto, diz Carlotti, “os quatro intervalos de titulação utilizados são muito largos, com fatores multiplicativos que mudam abruptamente de um nível ao outro”. Em decorrência disso, num mesmo intervalo de “titulação média” existe uma variação muito grande da relação bolsas/alunos matriculados. “Se o programa estiver no início do intervalo a relação é muito alta, mas pode diminuir até 3 vezes se o programa estiver no final do intervalo”, continua.
O pró-reitor cita como exemplo dois programas do Instituto de Física da USP, que têm mantido historicamente o conceito 7: “como esses programas se encontram próximos do fim do intervalo de titulação ‘alta’, eles sofreram uma redução do número de bolsas de doutorado de aproximadamente 45%, o que será um choque sem precedentes em dois programas de excelência comprovada”. A sugestão nesse caso é de que os intervalos (faixas de titulação) sejam menores, “com um número maior de intervalos (por exemplo, 8 em vez de 4)”, e de que os fatores de correção sejam “fracionados para acompanhar o aumento de intervalos”.
Embora o número total de bolsas concedidas à USP tenha aumentando, como registrou o pró-reitor, mantiveram-se algumas perdas ocorridas antes do “erro técnico” mencionado por Aguiar. No Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da Escola de Comunicações e Artes (ECA), por exemplo, foram restituídas cinco das sete bolsas de doutorado previstas para este ano — incluindo as destinadas aos dois doutorandos entrevistados em reportagem publicada pelo Informativo Adusp em abril.
Outros dois doutorandos da unidade seguem sem o benefício para o qual foram contemplados no início do ano. Um dele é Felipe Parra, que, por contar com a bolsa, deixou de participar de processos seletivos para docência, como planejava. Parra ingressou com mandado de segurança contra o Ministério da Educação (MEC) para obter a garantia do que considera direito adquirido. A Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) também entrou com mandado de segurança coletivo para suspender os efeitos da Portaria 34. Os processos correm no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“O que sai perdendo mesmo é a pesquisa, porque com a bolsa eu poderia me dedicar exclusivamente a ela”, disse ao Informativo Adusp o doutorando, que tem trabalhado como designer gráfico freelancer para obter algum rendimento. Sua pesquisa aborda o impacto das rádios livres na organização social de bairros e favelas na cidade de Sorocaba, no interior de São Paulo. “Ciência não é gasto, é investimento. A produção de conhecimento feita dentro do país é de suma importância para o desenvolvimento e para auxiliar em momentos de crise como o que estamos vivendo”, afirma.
Avaliação multidimensional começa já em 2021
Na videoconferência, Benedito Aguiar referiu-se também à necessidade de aperfeiçoar os processos de avaliação da Capes. De acordo com sugestões da comissão de acompanhamento do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), a avaliação deve adotar um sistema multidimensional, analisando cinco eixos: impacto regional, produção científica, impactos no ensino-aprendizagem, inovação e internacionalização. Essa proposta deve ser adotada já para a avaliação do próximo quadriênio, que se inicia em 2021.
A comissão de acompanhamento recomenda ainda reduzir a quantidade de áreas de avaliação. As atuais 49 podem ser fundidas, diminuindo em cerca de 50% o número final, pois há “sombreamento e superposição bastante grandes”, acredita o presidente da Capes. Uma comissão será nomeada para estudar o tema e propor uma nova configuração, que em princípio preservaria as nove grandes áreas.
Outra mudança para a qual a pandemia está “ajudando”, disse Aguiar – corrigindo-se em seguida para “chamando a atenção” –, é a possibilidade de que parte do trabalho seja feito a distância, sem a realização de reuniões presenciais com grande frequência. Assim, a avaliação poderia ser mais “dinâmica”, com os avaliadores ad hoc trabalhando a distância e enviando seus relatórios para que uma comissão menor trabalhe presencialmente, proporcionando “economia de tempo e de recursos, maior racionalidade e, com isso, melhor eficiência”.
Aguiar referiu-se ainda à necessidade de fazer “alguma revisão” no Proap e no Proex. A ideia, resumiu, é que os recursos sejam alocados em função do número de bolsistas do programa, e não do número total de alunos. Ao mesmo tempo, seria “flexibilizada” a execução orçamentária dos recursos, a exemplo do que ocorre no caso dos programas 6 e 7, com administração feita diretamente pelo pró-reitor de Pós-Graduação ou pelo coordenador do curso. De acordo com Aguiar, já no segundo semestre deste ano a distribuição dos recursos deve ocorrer com base no novo modelo.
Grandes problemas nacionais “não são poucos, são muitos”, acredita Aguiar
Outro tópico abordado pelo presidente da Capes foi o Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), que “precisa ser completamente revisto”, porque na atualidade praticamente a metade das bolsas está em programas com conceito 3 e 4, o que “foge à concepção inicial”. Além disso, a bolsa tem validade de 60 meses, o que na sua avaliação “é irreal”. Aguiar disse que a ideia preliminar é que haja uma modalidade de bolsas de pós-doc mais voltada para capacitação e qualificação dos jovens doutores ou para que um doutor “já maduro” possa redirecionar suas atividades para outra área. Outro tipo de bolsa seria destinado a atender ao fortalecimento de um determinado programa, à participação num projeto específico de alguma universidade ou à fixação de doutores em determinadas regiões. Os bolsistas ativos não vão perder seu benefício, garantiu, mas não serão abertas novas demandas no atual formato do PNPD.
A respeito desse tema, a USP enviou no dia 23/4 um ofício à Capes no qual afirma que “a exclusão do PNPD das recentes portarias destinadas a regulamentação do novo procedimento de distribuição de bolsas junto aos programas de pós-graduação (portarias de número 20, 21 e 34) e, mais recentemente, a impossibilidade do cadastro de novos pesquisadores selecionados como bolsistas PNPD no sistema SCBA trouxeram profunda preocupação para a comunidade científica, não somente quanto à descontinuidade deste programa na formação complementar de doutores em estágios pós-doutoral, mas também quanto aos efeitos negativos imediatos e a curto e médio prazos nos grupos de pesquisa e seus respectivos programas de pós-graduação”.
O ofício, assinado por Carlotti, pelo pró-reitor de Pesquisa, Sylvio Canuto, e pelo reitor Vahan Agopyan, diz que a USP “entende como fundamental a participação de pós-doutores para o desenvolvimento e a prática da pesquisa junto aos seus programas de pós-graduação” e cita a contratação, “em caráter temporário, de pós-doutorandos ativos da USP” no chamado Programa de Atração e Retenção de Talentos (PART), cujo objetivo, alega, é “valorizar a atuação dos pós-doutorandos, oferecendo a oportunidade de serem agentes ativos no desenvolvimento das suas competências e habilidades visando o ensino de graduação”. No final do documento, a USP reitera “a importância da continuidade do Programa PNPD para a formação complementar de doutores em estágio pós-doutoral, o fortalecimento dos grupos de pesquisas e a renovação dos quadros nos programas de pós-graduação”.
Na videoconferência com Aguiar, Carlotti deixou claro que a USP se coloca à disposição para discutir todos esses temas com a Capes, pois tem “um número de quadros muito grande para colaborar tanto internamente quanto sempre que a agência solicitar”.
Aguiar lembrou ainda que estão abertas até esta sexta-feira (15/5) as inscrições para os editais do Programa Estratégico Emergencial de Prevenção e Combate a Surtos, Endemias, Epidemias e Pandemias. Esses projetos, disse o presidente da Capes, ajudam a fazer com que “o grande potencial da universidade brasileira, que muitas vezes não tem sido aproveitado”, possa ser “melhor valorizado” de tal maneira que possam ser dadas respostas “aos nossos grandes problemas nacionais, que não são poucos, são muitos”.
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