Defesa da Universidade
Opinião: “Armadilhas comprometem o sistema de cotas adotado pela USP”
Neste artigo o professor Otaviano Helene (IF), ex-presidente do Inep, demonstra que as regras criadas pela universidade criam dilemas insolúveis para os vestibulandos de perfil cotista — e prejudicam, assim, os jovens oriundos de escolas públicas e pretos, pardos e indígenas. Portanto, é preciso alterar os procedimentos atuais
O sistema de cotas adotado pela USP para ingresso nos cursos de graduação, seja pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU), seja pelo vestibular tradicional, tem três modalidades de vagas: vagas destinadas à ampla concorrência (AC), sem nenhuma exigência além da conclusão do ensino médio; vagas destinadas aos candidatos que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas (EP); e vagas destinadas àqueles que, além dessa última condição, declarem-se pretos, pardos ou indígenas (PPI).
Em cada curso foi fixado número de vagas para cada uma das três modalidades de ingresso e cada candidato deveria optar por uma das três modalidades, concorrendo assim apenas com os demais que tenham feito a mesma opção (vide Resolução CoG 7.534/2018, reproduzida no Manual do Candidato divulgado pela Fuvest, p.37).
Esse procedimento adotado contém muitos problemas. Uma vez que cada candidato a uma vaga em curso de graduação na USP concorre apenas pelas vagas disponibilizadas na modalidade escolhida (AC, EP ou PPI), que critérios alguém, com perfil de possível cotista, deverá usar para decidir se disputará com seus pares de mesmo perfil ou se optará por outra modalidade menos restritiva?
Ora, simplesmente não há critérios disponíveis! Como ele não sabe quais serão as relações candidatos por vaga nem as notas de corte em cada modalidade de cada curso, não há como decidir isso.
Muitos estudantes, após inscreverem-se no vestibular da Fuvest como cotistas, mostraram-se surpresos com o fato de que a relação candidato por vaga era maior na modalidade escolhida do que entre os não cotistas (situação que ensejou artigos na imprensa e reportagens como esta). Esse dilema insolúvel e cruel jamais poderia ter sido imposto a jovens estudantes.
Excluídos por serem cotistas!
O estranho sistema adotado levou a efeitos opostos ao que se esperaria de um programa de cotas. Na primeira fase do vestibular Fuvest 2019, em quase metade das carreiras, as notas de corte de cotistas são maiores do que as de não cotistas, ou as de cotistas PPI maiores do que cotistas EP, o que é uma verdadeira aberração do ponto de vista das finalidades propostas quando da adoção de cotas sociais e étnicas!
Ou seja, muitos candidatos que optaram pelas categorias EP ou PPI foram excluídos na primeira fase do vestibular, apesar de terem tido notas superiores às necessárias para serem incluídos caso não se inscrevessem como cotistas. Esse efeito perverso pode ter ocorrido também na segunda fase do vestibular.
Outro efeito oposto ao que se esperaria no caso de cotas é a possível redução da proporção de estudantes com perfil EP ou PPI em alguns cursos. Isso pode ter ocorrido caso grande parte dos candidatos com direito a optarem por cotas de fato tenha feito isso, uma vez que, em vários cursos, a proporção de pessoas com aqueles perfis já tem sido tradicionalmente maior do que as proporções de vagas reservadas a eles. Neste caso, em lugar de as cotas garantirem uma participação mínima de cotistas, elas serão um teto.
Por causa desses efeitos, o sistema de cotas adotado pela USP, em lugar de incluir os melhores alunos PPI e EP, os está excluindo.
Por que isso tudo ocorreu?
Há uma maneira mais simples de preencher as cotas em um sistema de competição que nem coloca, aos estudantes, dilemas insolúveis, nem exclui pessoas bem preparadas que tenham optado pelo caminho de cotas, nem provocaria redução de pessoas com perfis de cotistas em alguns cursos. Por que, então, havendo outras formas, a administração da USP, apesar de alertada a respeito em manifestações durante reunião do Conselho Universitário, fez o que fez? O que se pretende com o sistema de cotas que confunde os candidatos, tem efeitos opostos ao que se esperaria e, em lugar de incluir, exclui estudantes com bom desempenho?
Não há como corrigir eventuais prejuízos causados, exceto por força de eventuais ações judiciais. Neste momento, a Universidade deve fazer um levantamento sério e detalhado dos efeitos negativos de seu sistema de cotas e corrigi-lo para o próximo período. É o mínimo que pode esperar dela, sob pena de comprometer totalmente a credibilidade e a eficácia do seu sistema de cotas sociais e étnicas.
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