Privatização
Escritório criado para gerir convênios é dirigido por docente ligado a fundação
Novos escritórios cuidarão da “Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico” e do “Desenvolvimento de Parcerias”. Reitoria ainda não respondeu questionamentos nem comentou o conflito de interesses
O reitor Vahan Agopyan criou no dia 29/6 dois escritórios diretamente vinculados ao seu gabinete. O Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho Acadêmico (EGIDA) e o Escritório de Desenvolvimento de Parcerias da USP foram criados pelas portarias 7.256 e 7.257 respectivamente, publicadas no Diário Oficial do Estado (D.O.E.) do dia seguinte, mas estas decisões não foram acompanhadas dos devidos esclarecimentos à comunidade USP, com a exceção dos diretores de unidades, aos quais o reitor anunciou a “novidade” durante a “Reunião de Dirigentes” realizada em 2 e 3/7.
foto: FM/USP |
Professor Aluisio Cotrim Segurado |
Além da função de atuar como interlocutor “junto às agências responsáveis pela edição de rankings acadêmicos nacionais e internacionais”, outras atribuições do EGIDA levantam dúvidas sobre qual será seu real objetivo. A portaria que criou o escritório descreve como uma atividade a ser desempenhada “o aprimoramento de indicadores” para “o monitoramento e a avaliação do desempenho acadêmico das várias atividades-fim da Universidade”, mas também lhe atribui a função de “estruturar, consolidar e publicar o Portal da Transparência da USP”, site que hoje serve para divulgar as despesas da universidade com seu pessoal.
Segundo a mesma portaria, o EGIDA foi criado tendo como perspectiva “a possibilidade de identificar, por meio deste monitoramento, oportunidades para aprimorar a qualidade acadêmica e contribuir no diálogo da Universidade com o poder público, em termos de transparência e accountability”.
Apesar de não ser exposto na portaria que o criou, o EGIDA faz parte do projeto da Fapesp “Indicadores de Desempenho nas Universidades Estaduais Paulistas”, liderado por Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP. O projeto já produziu escritórios similares na Unesp e Unicamp. Neste última universidade, segundo a Fapesp, foi iniciado um mapeamento de informações que divulgará, por exemplo, o número de palestras internacionais proferidas por seus docentes.Todas estas atribuições apontam para a possibilidade de que os resultados das avaliações acadêmicas dos docentes venham a ser divulgados ao público. Contribui para esta possibilidade o fato de que a Comissão Permanente de Avaliação (“Nova CPA”) já iniciou suas atividades.
O Informativo Adusp indagou à Reitoria se a criação do EGIDA pressupõe a futura exposição pública do desempenho acadêmico individual dos docentes, bem como se o escritório terá ligações com a CPA, mas não obteve respostas até a data de fechamento desta matéria. O professor Aluisio Augusto Cotrim Segurado, nomeado pelo reitor para assumir o escritório, também não respondeu às perguntas do Informativo. Segurado, que é docente da Faculdade de Medicina, foi vice-reitor-executivo de Relações Internacionais durante a gestão Rodas. O cargo foi extinto posteriormente.
foto: IEA/USP |
Professor Rudinei Toneto Júnior |
Convênios
O Escritório de Desenvolvimento de Parcerias atuará, segundo a Portaria GR 7.257, “junto às seguintes áreas, entre outras correlatas: gestão de convênios, exceto os acadêmicos; fundos patrimoniais; estabelecimento de parcerias e gestão de ativos”. Suas principais atribuições serão “I – gerir o Programa Parceiros da USP, instituído pela Resolução 7.157, de 10-12-2015” e “II – monitorar a execução e a prestação de contas dos convênios que envolvam recursos, inclusive aqueles firmados com as fundações de apoio” (grifos nossos).
Cerca de trinta fundações privadas, ditas “de apoio”, mantêm algum tipo de laço com a USP. Constituídas por docentes, a maioria delas utiliza-se de alguma forma da estrutura pública da universidade para desenvolver atividades privadas e oferecer cursos pagos. O último dado disponível é de 2014, quando a Reitoria divulgou que a USP mantinha nada menos do que 197 diferentes convênios com 16 dessas fundações privadas.
A benevolência da Reitoria com tais fundações não é uma novidade, mas é surpreendente que o reitor tenha nomeado coordenador do escritório o professor Rudinei Toneto Júnior, ex-coordenador da Codage e coordenador do pólo de Ribeirão Preto do Instituto de Estudos Avançados (IEA). Docente da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP), Toneto Júnior é membro do Conselho Curador da Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Fundace), entidade privada dita “de apoio” à FEARP. Ele também é pesquisador do Centro de Pesquisa em Economia Regional da Fundace. A fundação privada oferece cursos pagos denominados “MBA USP” e costuma espalhar pelas ruas de Ribeirão Preto outdoors nos quais a logomarca USP aparece em destaque.
Portanto, a presença de Toneto Júnior no cargo de coordenador do Escritório de Desenvolvimento de Parcerias implica óbvio conflito de interesses, uma vez que, como visto, caberá a esse órgão “monitorar a execução e a prestação de contas dos convênios que envolvam recursos, inclusive aqueles firmados com as fundações de apoio”. Tanto o professor como a Reitoria foram questionados pelo Informativo Adusp acerca do conflito de interesses, mas não responderam até o fechamento da reportagem.
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