Reforma estatutária
A quem interessa a mudança na carreira docente?
Certamente não à maioria dos docentes da USP. O Co, reunido no Ipen em 4/3/09, decidiu por 76 votos a favor, 14 contra, 4 abstenções, 1 voto branco e 1 nulo, modificar o Estatuto da USP, introduzindo novos níveis para doutores e associados. Por 76 votos; justo, justo. Com 75 votos não haveria mudança de Estatuto.
Para aqueles que pensam que “já era”, não custa lembrar um episódio recente: o governo Serra também achou que tinha imposto sua vontade com os decretos que agrediam a autonomia das universidades estaduais. Teve que voltar atrás.
Como está, a carreira da USP é simples, baseada em títulos obtidos por defesa pública perante bancas. Não raro, fazem parte dessas bancas especialistas de fora da USP e mesmo do Brasil. Com essa estrutura, a USP desenvolveu-se academicamente, sendo uma das mais importantes universidades da América Latina.
Qual a justificativa acadêmica para a mudança feita pelo Co? Qual o seu impacto na vida cotidiana dos docentes? A oligarquia autoritária que controla o Co, os gestores dessa “capitania hereditária” chamada USP, não estão preocupados com essas questiúnculas. Há poucas semanas, a Reitora foi indagada sobre a repercussão da possível transformação nos direitos de aposentadoria dos docentes. Declarou ter a impressão de que seria nenhuma, mas só a sua assessoria jurídica poderia dizer ao certo. Como é possível a Reitora não saber o que pode acontecer com os direitos dos docentes da USP, momentos antes de uma tal transformação?
É bom lembrar: a assessoria jurídica da Reitoria garantiu, durante anos, que contratos precários eram legais; no início de 2007, a própria Reitoria garantia também que os decretos do governo Serra não ameaçavam a autonomia universitária. Em debate realizado pela Adusp com o presidente da comissão de reforma do Estatuto, o único “argumento acadêmico” discernível a favor da reforma foi a “isonomia com os funcionários ou seja, a criação de níveis horizontais”. Será que planejam introduzir mais dezenas de níveis horizontais para atingir a plena isonomia?
Sem respostas…
Quais os critérios para galgar os níveis horizontais? Quem fará o julgamento? Será que voltaremos aos tempos da CERT que mudava, arbitrariamente, regimes de trabalho? Qual o interstício entre níveis? Como ficam os docentes que irão aposentar-se após essa mudança, sem ter permanecido na nova função durante cinco anos? Aliás, as mudanças de nível correspondem a salário ou gratificação? Alguém sabe a resposta a essas perguntas? Aliás, as respostas a essas e outras perguntas não deveriam preceder a votação? Será que opiniões não poderiam mudar, dependendo das respostas a essas questões, mesmo entre os que inicialmente poderiam achar a medida razoável?
A experiência mostra não ser de bom alvitre confiar na “sabedoria” da cúpula dirigente da USP. E que comissões indicadas pelo Co, mesmo quando incluem colegas com tradição progressista, não dão soluções remotamente satisfatórias a problemas dessa monta.
O poder autocrático, portanto ilegítimo, viola contratos sociais de longa duração, mudando regras no meio de jogo, desrespeitando vidas de dedicação à instituição. Os membros mais lúcidos de uma casta dirigente com essas características sabem muito bem o risco que correm, e costumam adotar certos cuidados. Por exemplo: em 1989, quando foi criada a função de professor associado, os então livre-docentes tornaram-se professores associados e seus salários foram igualados aos dos então professores adjuntos. No momento atual, nem isso, muito embora alardeie-se que há dinheiro para que todos os doutores e associados passem ao nível horizontal mais alto. Claro que há dinheiro: o do reajuste salarial que deveríamos ter tido em 2008. Esse “mudancismo” autoritário terá consequências desastrosas, e a bem curto prazo. Destruir é sempre bem mais fácil do que construir. E por apertados 76 votos.
Mais controle?
Sentindo-se absolutamente segura, o que é um erro estratégico, a cúpula dirigente da USP não está preocupada com as condições de vida e trabalho dos docentes, mas cuida sim de aprofundar a atmosfera de ameaça e controle, potencializando a implantação de uma nefasta política de gratificações. Desse ponto de vista, uma coisa “boa” da mudança é que os professores doutores e associados ficaram “mais longe” da livre-docência e do cargo de professor titular. Afinal, pode-se argumentar que se alguém não é Doutor II, não deve se candidatar a Associado; e se não é Associado III, não deve se candidatar a Titular. A abertura para diretorias e chefias de Departamento não é avanço significativo e pode muito bem tornar-se letra morta.
A Reitoria e a maioria do Co estão a tal ponto ausentes do cotidiano dos docentes da USP, já sobrecarregados com papelada de toda sorte para desenvolver ensino, pesquisa e extensão, que imaginam que estejamos ansiosos para preencher mais papelada em troca de uma eventual progressão horizontal, de mérito acadêmico duvidoso, sem que tivessem explícitas regras oriundas de um debate público e aprofundado.
Pagar o gatilho, reajustar as salários ou democratizar o exercício do poder na USP, nem pensar. Empenham-se em mudanças estatuárias, sem discussão conceitual e de projeto estratégico, feitas de forma isolada e pontual, afastadas dos interesses maiores do desenvolvimento acadêmico da USP. E aprovadas por apertados 76 votos.
Matéria publicada no Informativo nº 276
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