Reforma estatutária
Presidente da COP propõe que alunos paguem taxa, para combater a “concentração de renda na USP”
Dr. Sig, como é conhecido, também sugere contratar "reitor executivo" e gestores no mercado
O presidente da Comissão de Orçamento e Patrimônio da USP (COP), professor Sigismundo Bialoskorski Neto, que é também diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP), declarou em debate sobre “Estrutura de poder e governança na USP”, realizado no dia 22/5, ser favorável à cobrança de taxas de alunos regulares da universidade que possam “pagar esse estudo de uma forma muito confortável”:
O doutor Sig, como é conhecido o professor, alega que a medida seria um instrumento para “evitar a concentração de renda dentro da USP”. Na proposta apresentada informalmente por ele, os estudantes pagariam conforme a sua faixa de renda familiar. Apesar disso, ele disse que não é contrário ao ensino público e gratuito.
As afirmações de Sig surgiram num contexto de críticas do professor ao setor público e à própria Universidade. O debate sobre “Estrutura de poder e governança na USP” realizado em Ribeirão Preto integrou o ciclo organizado a pedido da Caeco, comissão criada pelo reitor Marco Antonio Zago para conduzir um processo de discussão relativo à reforma da instituição.
“A USP tem uma responsabilidade institucional. Todos nós sabemos que a administração pública no país é deficitária. É complicada, é ineficiente. O excesso de burocracia… Em seis meses nós queremos uma universidade diferente, com preceitos de governança mais modernos”, afirmou o presidente da COP.
Depois de opinar que os problemas financeiros por que passa a USP devem ser aproveitados como uma oportunidade de se repensar a gestão da instituição, tornando-a mais profissional, Sig passou a fazer considerações sobre o financiamento das universidades públicas estaduais: “Eu lembro a todos que cada um de vocês que for ao supermercado agora, e gastar R$ 200, R$ 300, vai estar dando e colocando aqui dentro em torno de R$ 1,20, R$ 2, a cada supermercado. Quando somos nós, que estamos de certa forma mais ou menos bem, tudo bem. Mas tem muita gente que mora nos bairros pobres, que ganha R$ 600, R$ 700, R$ 1.000, R$ 1.200 e na hora que for ao supermercado vai botar R$ 3, R$ 4 aqui dentro, para pagar não só a excelência do ensino, da pesquisa e tal, mas vai pagar também a ineficiência administrativa, esses processos intermináveis, esse excesso de burocracia, os excessos de deslocamento”.
“Caminhonete bacana”
No entender de Sig, “cada vez que tem reunião do Conselho Universitário sai todo mundo daqui de carro”, ou seja, de Ribeirão Preto para São Paulo e vice-versa. “Qual é o custo de um diretor em São Paulo, o custo de um motorista, de ir e votar? Você parar num posto da Anhanguera com sete, oito carros da Universidade de São Paulo?”, questionou retoricamente.
“É esse pessoal mais pobre que está pagando isso, pagando motorista. Se o funcionário não trabalha, eles é que estão pagando. Se o professor não é bom são eles é que estão pagando. Essas coisas nós precisamos melhorar, sabe?” Neste ponto da digressão, Sig avançou sua proposta de financiamento.
“Vai lá na FEA à noite para ver o monte de caminhonete bacana, sabe? Acho que o sujeito para entrar aqui apresenta o Imposto de Renda do pai e da mãe, sabe? Tem tanto de renda, paga tanto; tem tanto de renda paga tanto; tem tanto paga tanto, e acaba esse nível de concentração de renda que nós temos. Porque estamos pegando o ICMS do pobre, que gasta no supermercado, para botar aqui dentro para estar pagando na realidade o estudo de uma série de pessoas que podem pagar esse estudo de uma forma muito confortável”.
Em seguida, ele tentou reduzir o impacto de suas declarações: “Não estou falando contra o ensino público e gratuito. Estou falando que a gente deve ter instrumentos que evitem a concentração de renda dentro das atividades da Universidade de São Paulo. Porque é nítida, estamos concentrando a renda”. Depois, procurou mostrar que o assunto foge à alçada da USP: “Mas isso já é uma política externa à Universidade e vai depender de como é que os próximos governos vão lidar com o ensino público e gratuito a nível [sic] primário, secundário e assim por diante”.
Fundace
A FEARP, hoje dirigida por Sig, implantou há quase duas décadas uma modalidade de cobrança indireta, por meio de cursos pagos oferecidos pela entidade privada Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Fundace), dita “de apoio” à USP e constituída, em 1995, por professores da própria unidade. Neste momento a Fundace oferece simultaneamente nove “MBA USP” e dois “MBA EAD USP” (vide Informativo Adusp 381).
Eufemisticamente denominado “investimento”, o alto preço dos cursos da Fundace pode ser estimado com base no valor cobrado por aluno do curso de final de semana “Normas Internacionais de Contabilidade Financeira”, oferecido em maio último (16 horas-aula): R$ 1.184,00. Em 2013, a Folha de S. Paulo informou que os MBAs da fundação custavam “aproximadamente R$ 18 mil”.
O próprio Sig já coordenou curso pago na Fundace: “MBA em Economia de Empresas: Ênfase em Cooperativismo”, como informa currículo seu disponível na Internet.
Em 2003 o então presidente da Fundace, professor Sérgio Takahashi, informou que os docentes envolvidos com a entidade privada recebiam, em média, remuneração adicional de “R$ 50 mil” por ano (Revista Adusp 31, p. 79). Atualizado para 2014 pelo ICV-Dieese, este valor é da ordem de R$ 91 mil, o equivalente a 9,9 salários mensais brutos de um Professor Doutor 1 (R$ 9.194,84).
Falso caminho
“O ICMS é um tributo bastante injusto, porque vem no preço das mercadorias. Então o pobre paga proporcionalmente mais do que o rico. É claro que cobrar na Universidade não vai resolver isso, por isso sou pela gratuidade”, disse no mesmo debate o professor José Marcelino Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), rebatendo a proposta de Sig. “Nenhuma universidade do mundo, de qualidade, vive de cobrança. Você vai nos Estados Unidos, 10% [da receita das universidades públicas] vem das taxas. Então não é por aí, é falso o caminho”.
Marcelino também criticou a oferta de cursos pagos por fundações privadas, prática que “mata por dentro” a USP, que para ele está cada vez mais privatizada: “Porque é muito difícil defender a universidade pública, defender dinheiro público, se tem curso de R$ 20 mil por pacote na mesma universidade, rasgando a Constituição, onde está escrito: ‘ensino público, gratuito, em estabelecimentos oficiais’ [artigo 206, inciso IV]. Essa para mim é uma questão-chave. Está escrito na Constituição, só que nós não cumprimos”.
A professora Nádia Monesi, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), também contestou o presidente da COP: “Não entendi aquele raciocínio final: ‘Eu vejo muitas caminhonetes no estacionamento da FEA e essas pessoas deveriam pagar mensalidade’. Eu perdi alguma coisa no caminho, porque não vejo uma correlação direta: por quê uma pessoa que tem dinheiro deveria pagar por uma universidade que é pública”.
“Quando falei aquilo aqui, é uma posição pessoal minha e de alguns professores da FEA, mas não é uma posição oficial da FEA”, redarguiu Sig, sem responder diretamente à questão posta pela professora da FCFRP. “Temos que ter um ensino público e gratuito, mas o ensino público e gratuito não pode concentrar renda”.
O presidente da COP propôs ainda, no debate da Caeco, em nome da profissionalização da gestão, a contratação de um “reitor executivo”, que poderia até ser “captado no mercado” por meio da publicação de editais, como ocorre no exterior. “Se a pessoa não foi competente, você manda embora e contrata outra”. Sig reconheceu que a legislação não permite isso, mas propôs que sejam feitos “exercícios para saber como é que seria possível fazer isso dentro do Estado, nos quadros da USP, ou fora da USP”.
Em seguida, porém, enfatizou sua posição pessoal: “Minha opinião é que ele deve ser contratado no mercado. Parte de nossos funcionários [devem ser] estáveis, como são hoje, e parte deles, como nesse caso, [devem ser] atraídos no mercado, inclusive no mercado internacional. Você pode pegar, sei lá, por que não?, um bom gestor na França, um bom gestor nos Estados Unidos”.
Em outra intervenção, ele negou que estas e outras propostas que apresentou representem um projeto definido de privatização da USP, com cobrança de mensalidades, como apontado pelo estudante Gabriel Buda no debate: “Não há projeto, isso aqui é uma discussão da FEA[RP]. Metade da COP não concorda com isso, então não existe um projeto de privatização, nem uma ideia de não inclusão”.
Posição da Adusp
Chamado a se manifestar sobre as declarações de Sig, o presidente da Adusp, professor Ciro Correia, se diz chocado: “Causa perplexidade que a ‘solução’ apresentada pelo professor de economia seja cobrar mensalidades, corroborando a visão elitista de que vigore na universidade uma lógica tão ao sabor dos interesses do mercado: ‘quem tem dinheiro compra o direito de estudar, ou de ter acesso à saúde, segurança’ etc. Escapa-lhe a questão republicana fundamental de que direitos sociais devem ser financiados por impostos com alíquotas progressivas sobre a renda, tanto de pessoas físicas como de pessoas jurídicas, método este utilizado em países mais organizados e menos injustos, que adotam alíquotas muito superiores às nossas e reduzem espaços para isenção ou sonegação de impostos”.
O movimento docente, lembra Ciro, defende ser necessária “uma transformação radical da estrutura tributária brasileira — hoje baseada em contribuições e impostos indiretos e não-distributivos, que oneram os mais pobres — de modo a tornar-se uma estrutura mais justa, essencialmente fundamentada em impostos progressivos e distributivos, que incidam significativamente sobre a renda da parcela abastada da população, do lucro de empresas e rentistas, bem como da transferência de propriedades e capitais, e assim contemple as obrigações do Estado com políticas públicas que diminuam a imensa injustiça social à qual tem sido submetida a sociedade brasileira”.
A visão tributária baseada na justiça social e na distribuição da renda, prossegue Ciro, “nunca está presente nos interesses das elites brasileiras, vocalizado por seus representantes, simplesmente por que lhes é muito mais barato pagar pelo ensino de seus filhos, mesmo quando privado e caro, do que pagar impostos progressivos sobre a renda e a transferência de capitais”.
Causa grande preocupação, argumenta o presidente da Adusp, quando uma visão de tipo mercantilista “passa a ser expressa, sem qualquer constrangimento, por membros de comissões assessoras do Conselho Universitário de uma universidade pública, como é o caso do professor Sig, presidente da COP”.
Ciro acrescenta que “talvez os conflitos explícitos de interesse existentes em muitas escolas da USP, ao alojarem fundações privadas ditas ‘de apoio’ para a realização de atividades que deveriam ser exclusivamente públicas — como é o caso da FEARP — expliquem a fragilidade acadêmica da proposta apresentada por ele”.
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