Reforma da carreira: por que tanta pressa?

A reforma do estatuto da USP deve ser feita de modo a permitir que cada detalhe possa ser analisado dentro do todo do qual faz parte.

Entretanto, o atual processo de reforma do estatuto em andamento no Conselho Universitário não satisfaz esta condição e, portanto, compromete-se a avaliação das conseqüências de cada modificação no todo que se está a alterar e que sequer é conhecido.

O curto prazo concedido, em especial, ao exame da proposta de alterações na carreira prejudicou não somente sua apreciação pelos diversos órgãos colegiados, como também a divulgação das manifestações desses colegiados por toda a universidade.

Com o intuito de ampliar a discussão da proposta apresentada pela Comissão Especial de Reforma do Estatuto da USP, a Adusp realizou, em 19/2, um debate com a participação dos professores João Grandino Rodas, representante da mencionada Comissão, Otaviano Helene, presidente da Adusp, e Edmundo Fernandes Dias, diretor da Adunicamp. Em mais de duas horas de duração, o debate atacou os pontos mais polêmicos da proposta, que deve ser votada já nesta semana, na próxima reunião no Conselho Universitário.

O professor César Minto, que coordenou a mesa, apresentou os princípios defendidos pelas entidades filiadas ao Andes-SN com relação à carreira docente, entre eles a carreira única, com base no princípio “trabalho igual, salário igual”; carreira regida por um regime jurídico único; ingresso por concurso público; e carreira baseada em critérios exclusivamente acadêmicos. “Carreira não é plano de cargos e salários”, destacou. “Não dá para confundir carreira com plano salarial. A carreira não necessariamente resolve questões salariais”.

O professor Rodas afirmou concordar com os princípios do Andes-SN. Após enfatizar que sua participação no debate não se limitaria à defesa pura e simples da proposta de reforma da carreira, Rodas iniciou a exposição abordando o principal argumento contrário ao atual processo de reforma: o de que ele se dá num círculo restrito, ferindo os procedimentos democráticos que seriam desejáveis.

“Vamos esperar a Estatuinte?”, indagou. Segundo ele, é possível dar “certos passos intermediários”, situação onde ele localiza os trabalhos da Comissão Especial de Reforma. Rodas opõe a opção “fazer terra arrasada” do Estatuto, ou seja, reformá-lo por meio de uma Estatuinte, a “fazer algo”, isto é, adotar o método atual.

Sem monopólio

Ao comentar a realização de audiências públicas e de consultas às congregações das unidades sobre a reforma, Rodas afirmou que a Comissão limitou-se a sistematizar as sugestões encaminhadas pela comunidade. Rodas declarou que, juntamente com outros professores, foi responsável pela formulação da proposta de mudança de carreira, que cria degraus salariais entre professores doutores e professores associados e altera a sistemática de ascensão na estrutura de poder.

Sustentou, ainda, que a Comissão não tem monopólio da apresentação de nenhuma proposta e que não está dirigindo o processo de reforma da carreira. Ele pensa que, em tese, não se pode misturar a carreira com plano salarial, mas considera que muitas vezes é preciso ser “pragmático”.

A justificativa dada por Rodas é a de que atualmente a carreira não oferece muitos atrativos aos melhores docentes e que os salários estão “significativamente abaixo do mercado”. “A universidade pública vive de bons professores. Essa é possibilidade de se dar uma melhora razoável. Não podemos deixar que a carreira vá se esvaindo”, disse Rodas. Ele compara a situação ainda com a dos funcionários, que têm progressão horizontal e vertical, diferentemente dos docentes. Rodas pensa que é preciso garantir isonomia com os funcionários.

Ele também justificou a mistura entre carreira e estrutura de poder com a necessidade de pragmatismo: “Por que não damos já o arejamento necessário para a estrutura de poder? Nas projeções que fizemos, vamos perceber que vai mudar de forma substancial a participação em chefia”, explica.

Sobre a polêmica avaliação docente proposta pela Comissão, a ser realizada pela Comissão de Atividades Acadêmica do CO, Rodas conta que o grupo já alterou o texto, deixando em aberto a comissão responsável pela avaliação: “O CO indicará a comissão. Há muitos feudos na USP e a CAA é um deles”.

Autorreforma?

O professor Edmundo Dias classificou como falsa a oposição entre a Estatuinte e a “prática do possível” defendida por Rodas. Seria ingenuidade acreditar que a ordem possa autorreformar-se, disse.

Segundo Dias, uma reforma da carreira docente deveria ser discutida em um grande congresso das três universidades estaduais públicas: “O pragmático não é permissivo. Isso [necessidade de mudança] se resolve exercendo democracia. O legítimo é fazer um congresso das três universidades para discutir isso. Como fazer se um professor for de uma universidade para a outra, se as carreiras forem diferentes?”, criticou.

Dias rebateu o argumento de que é preciso haver isonomia entre as carreiras de docentes e funcionários: “Isonomia não é feita entre díspares, mas entre pares”. Em sua opinião, carreira não corresponde simplesmente ao número de degraus pelos quais o docente pode passar. “Carreira é processo pedagógico e construção de quadros”.

Que critérios?

A exposição de Otaviano Helene corroborou a saraivada de críticas desferida por Dias, acrescentando a elas uma questão sobre o fato de a proposta manter os níveis MS1 e MS2 fora da carreira na USP. Para ele, trata-se de um problema jurídico gravíssimo, visto que há, na USP, professores desses níveis exercendo a docência e contratados de forma precária.

O presidente da Adusp frisou que uma comissão central não teria condições de analisar o trabalho de um docente em sua completude. Criticou ainda o fato de não haver definição sobre os critérios dessa avaliação: “Primeiro está se criando o degrau para depois se criar a regra”. Não há nenhuma demanda real que justifique o escalonamento proposto: “Que problemas essa proposta tenta resolver? Não tem problema nenhum”. E provocou: “O que o degrau significa academicamente?”

O cerne da argumentação do professor Helene contra a proposta de reforma é que a massa de recursos destinada ao pagamento dos salários é fixa e que as negociações do Fórum das Seis com o Cruesp para o aumento do comprometimento de verba para esses pagamentos não têm tido respostas favoráveis: “O montante de dinheiro para pagar é fixo. O todo vai se conservar. Está errado mexer no salário pela carreira”, explica Helene, destacando que, portanto, aumentar o salário em um dos níveis significa diminuir nos outros.

Pressões

O novo modelo de carreira tende a acentuar as pressões produtivistas sobre os docentes, assinalaram os representantes da Adusp e da Adunicamp. “É o publish or perish! (publique ou pereça!)”, reclamou o professor Dias, lembrando a prática avaliativa que já impera nas universidades brasileiras.

O professor Moacyr Aizenstein (ICB), que assistiu ao debate, manifestou-se contra os critérios de avaliação para a progressão: “Eu me interessei muito em vir escutar o motorista ou o auxiliar de motorista dessa comissão. E vou ser muito sincero: fiquei realmente muito decepcionado. Os pontos negativos superam em muito os pontos positivos, aliás não vi nenhum ponto positivo. Hoje nós não temos mérito; temos política. A questão do orçamento está muito clara. Se existe uma intenção de melhorar a situação financeira, é preciso ter mais dinheiro para o professor, é preciso ter um aumento. Por que é que precisa criar uma ascensão horizontal? Por que vai mudar a atitude do Cruesp havendo uma ascensão horizontal? Vai mudar? Eu acho que não”.

O debate demonstrou que a proposta apresentada pela Comissão não está amadurecida e nem discutida o suficiente. Não é aceitável que o Co delibere sobre o tema em sua reunião desta semana.

A Adusp, por deliberação de Assembléia, defende que o Co abra mão de sua prerrogativa para a reforma estatutária e que instale na Universidade uma estatuinte cuja única finalidade seja elaborar um novo estatuto para a USP.

 

Matéria publicada no informativo nº 275

EXPRESSO ADUSP


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