Fiscalização relata desativação de 45 leitos e encontra 23 pacientes atendidos em maca

Em relatório referente a vistoria realizada em 9/4/15, elaborado a pedido do promotor de justiça Arthur de Souza Pinto, do Ministério Público Estadual, o Conselho Regional de Medicina (Cremesp) responsabiliza o reitor da USP pela situação crítica em que se encontra o Hospital Universitário (HU). “Pelo menos 45 leitos foram desativados” em decorrência das medidas restritivas implantadas pela Reitoria, informa o relatório. A fiscalização do Cremesp deparou-se com 23 pacientes atendidos em maca, o que demonstra precarização do atendimento.

O Cremesp destaca, de início, a excelente infraestrutura do HU, que possui “grande número de profissionais titulados”, bem como boa estrutura de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico: “O laboratório de análises clínicas e o serviço de radiologia são próprios e realizam vasta gama de exames diagnósticos. Possuem novos equipamentos de ultrassom, ecocardiografia e para a realização de tomografia computado­rizada. Possui serviço de endos­copia”.

O relatório assinala, porém, que o número de leitos tem diminuído, “sendo muitos deles desativados a partir de outubro de 2014, após medidas de contenção de despesas adotadas pelo novo reitor da Universidade de São Paulo, professor doutor Marco Antonio Zago, que é médico CRM 16.133”.

Cita em seguida o extenso depoimento da médica Lúcia Mendes de Oliveira Pinto, coordena­dora do Pronto-Socorro do HU, para quem a superintendente anterior do hospital “solicitou sua demissão por não concordar com as medidas tomadas pelo reitor, por considerar tais medidas um grande risco para o bom funcionamento do hospital”.

Desorganização

No entender da coordenadora, as mudanças impostas pela Reitoria “ocasionaram grande desorganização, colocando em risco a qualidade do atendimento realizado” pelo HU (destacado no original). A médica diz que desde o final de outubro de 2014 o hospital vem encontrando dificuldades para manter os postos de trabalho de sua equipe médica, em razão do novo teto salarial fixado pela Reitoria, inferior ao teto salarial anteriormente adotado pela Superin­ten­dência do HU.

“Nesse momento, houve uma orientação da Reitoria para redução da remuneração de horas extras trabalhadas pagas como horas extras, a fim de que não fosse ultrapassado o novo teto”, continuou a médica no depoimento ao Cremesp. “A adoção dessa medida não levou em conta um prazo necessário para a sua imple­men­tação e nem valorizou o fato de que grande parte da jornada de trabalho do médico acontecia em horários não comerciais”, no qual, dentro do regime trabalhista até então adotado na instituição, “requeria-se remuneração na forma de horas-extras”.

Para evitar o colapso do atendimento, os médicos aceitaram trabalhar além da jornada normal sem receber remuneração, até que as escalas fossem remanejadas. Segundo o relatório, a contratação dos médicos do HU era realizada por 24 horas normais e mais 12 horas extras. “O corte dessas horas de forma repentina foi capaz de desorganizar toda a atenção médica realizada. É como se houvesse sido demitido de uma hora para outra um grande número de médicos”.

Ainda segundo o relatório, o HU já funcionava no limite de sua capacidade de atendimento à população da região Oeste, “conforme pudemos observar pela grande quantidade de pacientes na observação do Pronto Socorro Adulto [PSA]” e conforme afirmação dos seus diretores. A situação se agravou com a implantação do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), “cujos critérios certamente não incluíram as necessidades de funcionamento do hospital”, uma vez que houve “200 demissões voluntárias realizadas de forma indistinta com a saída de mais 18 médicos e número significativo de pessoal de enfermagem, culminando com o fechamento de leitos até da unidade de terapia intensiva”.

“No dia da vistoria constatamos a presença de 23 pacientes em macas, com pelo menos metade deles há mais de 24 horas e um deles com indicação de internação em terapia intensiva”, registra o Cremesp. E continua: “Assim, permanecem em local inapropriado para os cuidados necessários de enfermagem e prevenção de infecção hospitalar […] em média entre 25 e 30 pacientes permanecem nas macas aguardando vaga para internação”.

Risco e sofrimento

Os profissionais médicos ouvidos (clínicos, cirurgiões, pediatras, obste­tras, ortopedistas) foram unânimes em afirmar a impossibilidade de se manter o antigo padrão de qualidade, com situações de risco e sofrimento, por exemplo: “dificuldade de se conseguir analgesia intraparto”, “casos de infecção da vesícula que não são operados dentro do prazo, agregando maior risco aos pacientes”, como relatou a coordenadora do Pronto Socorro.

O relatório reproduz um dramático relato de um neurologista do HU, ao chefe do plantão de 13/4:

Plantão muito tumultuado! PSA com 20 macas, PSI com 18 macas. Sou informado pela pediatra de plantão que temos dificuldade no uso de oxigênio, devido ao número de crianças com doenças respiratórias. Como se já não bastassem nossos problemas, fico sabendo que vários equipamentos da região estão sem pediatra. Fui contactado pela dra. Mariana Sato, do PZO, que confirmou esta informação. Recebi várias solicitações de AMAs para pediatria. Recusei a vinda de uma criança do PS Band que já estava em tratamento. Estamos com as UTIs todas lotadas. Foi necessário suspender cirurgia por falta de vaga na UTI A. Autorizei a contragosto a vinda de paciente feminina vítima de múltiplos ferimentos por arma branca, do PS Band”.

O Cremesp concluiu que não houve planejamento das mudanças adotadas pela Reitoria no HU, “as quais foram realizadas de forma precipitada, sem levar em conta o grande volume de atendimento”. Também as saídas de pessoal causadas pelo PIDV não contaram com o planejamento adequado, nem houve reposição. O resultado é que leis, portarias e normas de regulação profissional estão sendo flagrantemente desrespeitadas.

Não há plantonistas para atendimento das intercorrências dos pacientes internados, ao contrário do que dispõe a Portaria CVS-9 de 16/7/98; as UTIs de adultos não seguem a RDC 7 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 24/2/2010, quanto à proporção de profissionais médicos por leito; não há médicos diaristas nas unidades de Pronto Socorro adulto e infantil para seguimento horizontal dos leitos de observação, nem médicos exclusivos para a sala de reanimação, ao contrário do que dispõe a resolução 2.077/2014 do Conselho Federal de Medicina; etc.

Informativo nº 401

EXPRESSO ADUSP


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