“Universidade está estrangulada”, diz reitor da Unicamp na Assembleia Legislativa

Ouvido pela CPI das Universidades, Marcelo Knobel foi enfático ao defender a necessidade de rediscussão dos descontos feitos no ICMS antes do repasse às instituições. O reitor também reivindicou mais investimento do Estado na saúde na região de Campinas, uma vez que a universidade acaba responsável pelo atendimento a uma população de cerca de 6,5 milhões de pessoas

José Antônio Teixeira/ Alesp
Knobel toma nota das perguntas feitas pelos deputados

Terceiro reitor ouvido pela CPI das Universidades na Assembleía Legislativa de São Paulo (Alesp), Marcelo Knobel, da Unicamp, foi bem mais incisivo do que seus pares da USP e da Unesp na defesa da necessidade de aumentar o investimento do Estado nas universidades públicas estaduais. “A universidade está estrangulada”, disse o reitor na sessão desta quarta-feira (26/6). A situação é agravada pela crise econômica vivida pelo país. “A arrecadação do ICMS em 2018 foi equivalente à que tivemos em 2008. Isso se reflete diretamente no financiamento das universidades. Retornamos ao patamar de 2008, sendo que nesse período a universidade cresceu bastante.”

Dois pontos foram destacados por Knobel para justificar o diagnóstico: o crescimento do número de aposentados, que já respondem por 35% do orçamento (em 2008, esse índice era de 17%), e as despesas na área da saúde, equivalentes a outros 20%. “Isso representa mais da metade do orçamento total da universidade, e sobra muito pouco para custeio”, prosseguiu. Na área de pessoal, a Unicamp tem algumas peculiaridades: cerca de 60% dos seus servidores atuam na saúde, e a maior parte dos técnico-administrativos é de estatutários, e não celetistas, como ocorre na USP.

De acordo com Knobel, “uma discussão que precisa estar colocada com toda a clareza” é a quem cabe o pagamento da insuficiência financeira com o crescimento do número de aposentados. “Esse pagamento está dentro do ‘pacote’ dos repasses feitos às universidades?”, perguntou, lembrando que está em jogo o futuro “de um sistema construído há sessenta anos pela sociedade paulista”.

Em relação à área da saúde, Knobel lembrou que os quatro hospitais mantidos ou administrados pela Unicamp atendem a uma população de 6,5 milhões de pessoas. “Não seria o papel do nosso orçamento garantir isso. A Secretaria da Saúde deveria aportar mais recursos ali, porque a região de Campinas é subfinanciada pela Secretaria e pelo governo do Estado”, apontou Knobel. Embora o atendimento no Hospital de Clínicas da Unicamp seja 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o sistema federal cobre apenas um terço do orçamento. O restante cabe à Unicamp – e o SUS não reajusta sua tabela desde 2001, lembrou. “Nós realmente seguramos a questão da saúde na região de Campinas”.

Reforma tributária e isenção

“Temos que rediscutir a própria conta do ICMS, em que é feito um desconto das políticas habitacionais antes do cálculo do repasse às universidades. O governo deveria rever isso”, defendeu. Knobel também alertou para a necessidade de estudos cuidadosos sobre as consequências de isenções de ICMS. No dia anterior à sessão, por sinal, a Alesp havia aprovado projeto de lei reduzindo de 25% para 12% a incidência do imposto sobre o querosene para aviação.

O reitor também manifestou grande preocupação com a reforma tributária, na qual se aventa a possibilidade de extinção do ICMS. “O que acontecerá então num modelo como o nosso? Teremos que rediscuti-lo, e esta casa será fundamental para isso”, afirmou. Knobel defendeu uma reforma tributária que aumente a taxação sobre quem ganha mais e reduzi-la para os mais pobres.

Na noite da mesma quarta-feira, a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020 na Alesp trouxe a má notícia de que o panorama não deve mudar substancialmente no futuro próximo: o texto aprovado mantém o repasse do percentual de 9,57% da Quota-Parte do Estado do ICMS para as universidades. “Isso significa que continuaremos sofrendo a crise de financiamento em 2020. Não houve nenhum avanço em relação à insuficiência financeira, o principal elemento que compõe o processo de asfixia orçamentária e financeira das universidades”, avalia João da Costa Chaves Junior, presidente da Associação dos Docentes da Unesp (Adunesp), que acompanhou a votação. “O Fórum das Seis continuará trabalhando com todas as forças políticas da Alesp com o objetivo de estabelecer um diálogo para construir um horizonte para a superação desse quadro quando da discussão do Plano Plurianual e da Lei Orçamentária.”

Expansão não veio acompanhada do aumento de repasses

Assim como os reitores Sandro Valentini, da Unesp, e Vahan Agopyan, da USP, já haviam dito aos deputados, o reitor da Unicamp ressaltou que todos os indicadores —número de alunos e de publicações, projetos de extensão etc. — cresceram substancialmente nos últimos trinta anos, com a autonomia concedida em 1989. Novos campi foram criados, mas a expansão veio acompanhada de redução do número de funcionários e sem aumento dos repasses de ICMS. “O câmpus de Limeira significou um vetor de desenvolvimento para a cidade e a região. Mas a promessa de repasse adicional de 0,05% do ICMS, feita em 2006 [por conta do novo câmpus], ainda não foi cumprida”, salientou.

A Unicamp recebe 2,1958% da Quota-Parte do ICMS. O orçamento de 2019 deve atingir R$ 2,37 bilhões, mas cerca de 30% desse montante (R$ 728 milhões) provêm de recursos extraorçamentários e outros R$ 75 milhões de receitas próprias. São 24 unidades distribuídas em seis câmpus e quatro cidades. A universidade tem 1.865 docentes, 7.471 funcionários, 20 mil alunos de graduação e 17,8 mil de pós graduação, além de 3,2 mil nas duas escolas de ensino técnico.

Knobel alertou ainda para os riscos à continuidade da pesquisa e da pós-graduação com os cortes no orçamento das agências federais e a diminuição dos recursos da própria Fapesp, mantida com repasses de tributos arrecadados pelo Estado (em especial o ICMS) e portanto também afetada pela crise. “Há uma grande preocupação em todo o sistema de pesquisa”, lamentou.

Presidente da CPI volta a exibir postura de inquisidor

Como ocorreu em todas as sessões com a presença dos reitores, questionamentos sobre o pagamento de salários acima do teto do Estado e gastos com diárias de viagem foram insistentemente apresentados pelos deputados. Vários parlamentares reclamaram, por exemplo, que os dados da universidade foram enviados em arquivos de texto ou imagem — os deputados queriam planilhas. E, como também é de praxe, o presidente da CPI, Wellington Moura (PRB), vestiu sua capa de “inquisidor” e usou de um tom agressivo e por vezes destemperado para fazer suas perguntas.

A certa altura, por exemplo, disse que “nós apresentamos um ofício na qual não nos foi entregue [sic], que é o balanço patrimonial e todos os demais documentos contábeis que possam identificar entradas e saídas de receitas públicas de 2011 a 2019”. Como o prazo de 15 dias para resposta ao ofício enviado pela CPI já teria se esgotado, Moura afirmou que o pedido seria reiterado — “e caso vossa excelência não nos entregue, vamos encaminhar pela comissão em forma de busca e apreensão”, completou, dirigindo-se a Knobel.

Assessores do reitor que acompanhavam a sessão informaram que a universidade havia encaminhado um link na Internet em que esse dados poderiam ser consultados. “Estamos pedindo a planilha, não o link”, rebateu rispidamente o presidente da CPI. O reitor respondeu então que o banco de dados seria transformado em planilhas para reenvio à CPI.

A vice-presidenta da comissão, Carla Morando (PSDB), também cobrou resposta a um outro ofício que teria sido enviado em maio. A assessoria do reitor confirmou, entretanto, que o pedido foi encaminhado apenas no último dia 12/6 e, portanto, ainda não está esgotado o prazo para resposta.

Wellington Moura também criticou duramente a forma de apresentação dos dados na aba de transparência do portal da universidade na Internet. Embora esteja disponível no portal uma listagem em que é possível saber exatamente quanto recebe cada um dos servidores da universidade (link exibido pelos assessores da Reitoria nos telões durante a sessão), o deputado avaliou que “a transparência na Unicamp não existe”. Knobel informou que o site está em reformulação e que a nova versão entrará no ar no próximo dia 3/7.

O deputado também cobrou o reitor, a partir de notícias publicadas na imprensa, quanto à existência de contratos irregulares na Unicamp. Knobel esclareceu que, nos casos citados, houve punição de professores e devolução dos recursos. O reitor disse ainda que, a partir da sua geestão, todos os gastos feitos na universidade precisam ser aprovados pelo Conselho Universitário — norma que não existia anteriormente.

Deputado se diz envergonhado e cobra aumento dos recursos

Os excessos de Moura e de outros deputados foram lamentados pelos próprios pares ao final das quase três horas e meia de sessão, quando o próprio presidente já havia deixado o plenário Dom Pedro I. Barros Munhoz (PSB), um dos decanos da Alesp, disse que era preciso “pedir desculpas pelo tom que não é o mais adequado”. Munhoz saudou a qualidade das universidades públicas paulistas e criticou os questionamentos feitos em cima de minúcias de contratos específicos ou detalhes do orçamento. “Não vou dizer que estamos atrás de picuinhas, mas quase, num país que tem tanta coisa para cuidar, especialmente na educação”, disparou.

Já Rafa Zimbaldi (PSB), que não é membro da CPI e pela primeira vez participou de uma sessão, se disse “preocupado e envergonhado pelo tratamento que o reitor da Unicamp, uma das melhores universidades do mundo, recebeu aqui hoje”. Zimbaldi saudou a qualificação dos professores e funcionários da Unicamp e defendeu que, em lugar de “dar tratamento de acusados aos servidores, é preciso unir os deputados e cobrar do governador o aumento dos recursos para as universidades”.

Apesar das diferenças de visão e opinião, Knobel conseguiu mostrar bem o que a universidade está fazendo, considera o professor Paulo Centoducatte, segundo vice-presidente da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp). O docente, que já acompanhou várias sessões da comissão, lamenta a falta de conhecimento da grande maioria dos deputados da casa em relação às universidades.

Quem resumiu muito bem o clima da CPI foi o deputado Zimbaldi, que mostrou que vários deputados têm procurado pelo em ovo e chifre em cabeça de cavalo, e não tratam do verdadeiro problema das universidades, que é a falta de recursos e de financiamento pelo Estado”, aponta. “Espero que daqui para a frente a CPI comece a tomar um rumo para discutir seriamente essa questão do financiamento, visando principalmente a equacionar a insuficiência financeira, que já vem estrangulando as universidades e vai se acelerar nos próximos anos.”

EXPRESSO ADUSP


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