Chefe do departamento e primeiro colocado sustentam que os procedimentos foram regulares e legítimos

Circula na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) um abaixo-assinado cujo propósito é solicitar à Congregação da unidade que não homologue o resultado do concurso para professor titular do Departamento de Informação e Cultura (CBD) realizado no dia 5/6, no qual foi escolhido o professor Eugênio Bucci, superintendente de Comunicação da USP e colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da revista Época. A reunião da Congregação está prevista para 28/6.
 
A candidata Marilda Lopes Ginez de Lara, professora do CBD que é referência nacional como pesquisadora do campo de Ciência da Informação, terminou em segundo lugar embora tenha recebido uma nota média superior à de Bucci. Ele obteve 8,67 pontos, contra 9,33 pontos de Marilda. No entanto, três membros da banca examinadora indicaram Bucci como vencedor, enquanto só duas integrantes apontaram Marilda.
 
A discrepância de notas médias nos concursos para titular não configura uma irregularidade, porque o critério decisivo é o número de indicações, mas no caso chama atenção por ser superior a meio ponto (0,66).
Escolheram Bucci os professores Martin Grossmann, Waldomiro Vergueiro (ambos do CBD-ECA) e Emir José Suaiden (Universidade de Brasília). Optaram por Marilda as professoras Henriette Ferreira Gomes (Universidade Federal da Bahia) e Vera Lucia Doyle Louzada Dodebei (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-Unirio). O concurso destinava-se a preencher a vaga aberta pela aposentadoria de Vergueiro.
 
O CBD oferece o curso de graduação de Biblioteconomia. Causou indignação aos estudantes e a uma parcela do corpo docente o fato de que o candidato vencedor tem atuação profissional e acadêmica em outra área: leciona no curso de Jornalismo da ECA, oferecido pelo Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE), sendo que a produção acadêmico-científica considerada relevante para obtenção da vaga pelo CBD foi na área de Biblioteconomia e Ciência da Informação, além do fato de o CBD contar com pesquisadora produtividade em pesquisa (PQ) nível 1B do CNPq — a própria professora Marilda.
 

Questionamentos

A professora Maria Paula Dallari Bucci, superintendente jurídica da USP, esposa de Bucci, e o professor Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari, diretor do Instituto de Relações Internacionais (IRI), seu cunhado, compareceram às suas apresentações no concurso. Muito embora a publicidade do concurso, isso gerou questionamentos, porque são pessoas que exercem cargos influentes na universidade e muito ligadas à atual gestão reitoral.
 
A professora Nair Yumiko Kobashi, pesquisadora sênior do CBD, considera que o Conselho do Departamento não deveria ter homologado a candidatura de Bucci. "O Conselho deve zelar pelo campo científico. Deve ter critérios. É preciso contar com docentes que adensem a área específica e que atuem no campo", declarou ela ao Informativo Adusp. "Ele é de outro departamento, nunca deu aulas no nosso. Não tem nenhuma aderência", disse referindo-se a Bucci. Na opinião de Nair, o episódio reforça a tendência existente na ECA de "banalização do que é um título acadêmico", e de substituição da excelência acadêmica pelo "poder burocrático".
 
A avaliação de Nair e outros docentes é que o resultado do concurso no CBD é uma "articulação de poder" e decorre de um projeto político. "Essa luta que nós resolvemos enfrentar não se resume à defesa da professora Marilda, é a defesa da dignidade dos concursos de professor titular da USP".
 
Consultada pelo Informativo Adusp, a professora Marilda corrobora a opinião de Nair. "Embora o departamento tenha mudado de nome de Biblioteconomia e Documentação para Informação e Cultura, o curso de graduação continua tendo foco em biblioteconomia, e o curso de pós-graduação é voltado à Ciência da Informação. Existe uma área de conhecimento  que é Biblioteconomia-Ciência da Informação. Foi a produção acadêmica e a produção científica dos docentes do CBD, nesta área, que justificaram a solicitação da vaga para o CBD. E a especialidade do Eugênio Bucci é jornalismo, não Ciência da Informação". A seu ver, prevaleceu o interesse político, em detrimento do interesse acadêmico. "Essa indicação tem origem nisso. Uma coisa é poder, outra coisa é desempenho acadêmico. E parece que as duas não são bem observadas dentro da USP".
 
O resultado do concurso refletiria não apenas determinados interesses políticos, mas estaria vinculado, igualmente, a uma disputa em torno do próprio CBD e das suas especificidades. A mudança de nome sinalizou um movimento destinado a deslocar o departamento para o campo da "cultura", bastante amplo. "A perda para o departamento também se relaciona à especificidade da área", analisa Marilda.
 

Desconhecimento

"O discurso que eles defendem é de informação e cultura, que o departamento deve ser mais interdisciplinar, recebendo os 'estrangeiros', como eles chamam. Mas eles nunca respeitaram, efetivamente, as pessoas da área de Ciência da Informação. A justaposição dos termos 'informação' e 'cultura' fora do campo da Biblioteconomia e Ciência da Informação é abrangente demais, em função da polissemia dos termos. Sempre existiu certo desconhecimento e uma postura de não valorização da área". Como exemplo, ela observa que o chefe do departamento, professor Luis Milanesi, ex-diretor da ECA, "não é, nem nunca foi, da nossa pós-graduação".
 
Em manifesto anterior à realização do concurso, divulgado no Facebook, os estudantes de Biblioteconomia protestaram contra a inscrição de Bucci. "Temos percebido ao longo dos últimos anos a fragmentação do ensino no CBD em disciplinas cujos conteúdos de aula variam de acordo com a formação dos docentes. Muitos não dialogam com a área de Ciência da Informação e se tornam irrelevantes para a nossa formação como profissionais da informação. Por isso, nos preocupa a participação no concurso para titular do CBD de docente de outro departamento da Escola, cujo currículo não revela familiaridade com a área, seja pelos projetos de pesquisa ou pelas atividades desenvolvidas no ensino de graduação e pós-graduação".
 
Milanesi disse à Biblioo/CartaCapital que "o âmbito temático do concurso para o cargo de titular da Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, Departamento de Informação e Cultura foi definido pelo Conselho Departamental", e que foi aprovado "o campo abrangente e interdisciplinar da Informação e Cultura". O concurso "seguiu estritamente as determinações legais da USP, que podem ser lidas e conferidas na Resolução 3.745/1990 entre os artigos 149 e 162". Quanto à composição da banca, disse que seus nomes foram aprovados pelo conselho departamental e pela Congregação da ECA, por votação unânime. "Três professores concorreram e as etapas do concurso transcorreram normalmente" (http://bit.ly/2tgldwx).
 
Merece registro o fato de que a norma específica da unidade que disciplina os concursos para Livre Docente e Professor Titular — Portaria ECA 54, de 15/12/15 — estipula no seu artigo 9º entre as características relevantes "que devem ser observadas pela banca, e que se espera do candidato, para a aprovação do cargo de Professor Titular", as seguintes: "ter obtido o título de livre-docente há pelo menos cinco anos", "possuir trajetória acadêmica, profissional e técnica pertinente à área de conhecimento do concurso", "ter ao menos dez anos de trabalho em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP)", sendo que Bucci não atende a nenhuma delas.
 
Porém, embora exista regulamentação da própria unidade com critérios específicos para concurso de professor titular, embora haja referência expressa à Portaria ECA 54 no edital do referido concurso e apesar da sua utilização em outros concursos na unidade, o chefe do CBD Milanesi declarou a Biblioo/CartaCapital que a Portaria ECA 54 não pode se sobrepor à Resolução 3.745/1990, que exige dos candidatos apenas o título de livre-docente.
 

Resposta de Bucci

"Tenho antiga e conhecida identidade com os temas trabalhados no CBD. A reação de contestação do resultado, de que sou informado agora, por vocês, não tem fundamento e me causa estranheza", declarou Bucci ao Informativo Adusp. "Fui aprovado legitimamente num concurso acadêmica e juridicamente correto, sem falhas formais ou de mérito. Requerer a não-homologação sem fundamentação legal seria uma ilegalidade contra mim e contra cada um dos cinco integrantes da banca, que assinaram o relatório final".
 
"A Ciência da Informação, área pela qual tenho grande respeito, é um dos campos teóricos do departamento cujo nome oficial é Informação e Cultura. Temos ali professores notáveis dedicados a assuntos não se prendem aos limites da Ciência da Informação, com obras sobre cultura, sobre museologia, sobre aspectos múltiplos das bibliotecas e de centros de cultura, bem como sobre as muitas faces do universo da informação", respondeu o docente quando instado a justificar a decisão de disputar o concurso em área distinta da sua.
 
"Na minha vida profissional e na minha vida acadêmica, tenho trabalhado com informação (não apenas na perspectiva da imprensa), mediações e cultura (especialmente cultura política). Na pós-graduação, a linha de pesquisa à qual estou filiado leva o nome de Informação e Mediações nas Práticas Sociais".
 
Prosseguiu Bucci: "Fiz e faço crítica de cultura em vários órgãos de imprensa, em livros e revistas. Escrevi sobre linguagem, sobre gestão de recursos de informação, serviços de informação, cultura e educação. Atuei e atuo na administração de serviços de informação, em muitos planos, numa produção que cobre boa parte dos tópicos do concurso que prestei. Quanto à minha formação de jornalista, ela será positiva para o departamento, agregando mais uma entre as várias formações dos seus docentes". 
 
O Informativo Adusp perguntou a Bucci se considera ética a decisão de ingressar como titular em outro departamento que não o seu, sem experiência no campo e sem haver ministrado aulas para os alunos do respectivo curso de graduação. "Considero ético, sem dúvida, participar de um concurso no CBD. Aliás, por que não seria ético? Um concurso público, numa universidade pública, é exatamente isso, um concurso público. É público em duas dimensões: está aberto a todos os candidatos que preencham os requisitos exigidos e é conduzido a portas abertas, podendo ser acompanhado por todos os interessados".
 
Na mesma resposta, assinalou que não houve impugnação de seu nome: "Minha inscrição, conforme o regulamento, também ele público, jamais sofreu objeção, tendo sido aceita nas instâncias devidas. Minha aula e minha arguição foram vistas por uma pequena plateia, que testemunhou a qualidade do que apresentei. O fato de eu não ter dado aulas regulares nesse departamento — embora tenha participado de seminários organizados em seu âmbito — não invalida a minha postulação, nem deveria invalidar. Vários outros professores, em diversos níveis da carreira, ingressam em departamentos onde não davam aulas antes. Isso é normal na universidade, e altamente salutar".
 
Indagado a respeito, Bucci repeliu os questionamentos quanto à presença de sua esposa e de seu cunhado: "Pessoas da minha família, que sempre seguiram de perto os concursos que prestei, acompanharam também este. Outros familiares e amigos meus, alguns deles professores e ex-professores da USP, estiveram lá, do mesmo modo. Em tempo, familiares e amigos de outros candidatos, neste e em outros concursos, costumam comparecer às sessões públicas dos exames acadêmicos. Até hoje, eu nunca tinha visto alguém fazer críticas a isso".
 

EXPRESSO ADUSP


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