Democratizar a indicação de reitor!

É longa a luta de docentes, estudantes e funcionários pela democratização da estrutura e do exercício do poder na USP, uma das mais retrógradas universidades do Brasil, na qual ainda vigoram Estatuto e Regimento que guardam fortes resquícios do período da Ditadura Militar. Se não, veja­mos: os diretores de unidade, quase sempre professores titulares, são nomeados pelo reitor a partir de uma lista tríplice; os professores titulares são maioria absoluta nas congre­gações, e os representantes destas no Con­­selho Universitário (Co) em sua grande maioria são também titulares; as representações das categorias docentes e de estudantes e funcionários técnico-administrativos, somadas, estão reduzidas a menos de 20% do total de membros do Co (a dos últimos, inferior a 1%!).

Como consequência desta estrutura, o Co limita-se a apoiar a Reitoria comprometendo, assim, seu desempenho no que se refere ao controle e à fiscalização dos atos do executivo. Mais do que isso, o Co deixa de atuar como organismo formulador de políticas acadêmicas que visem o engajamento da Universidade na solução dos graves problemas sociais, culturais, políticos e econômicos do país.

Se esta situação já é antiga, ela agravou-se, e muito, na atual gestão da Reitoria, trazendo para o interior da universidade pública a militarização, a criminalização de movimentos sociais, o desrespeito às entidades representativas do corpo da universidade.

O direito ao dissenso e ao contraditório é cassado, silenciado e perseguido. O regime disciplinar da USP é exemplo gritante desta estrutura autoritária, assim como as muitas sindicâncias instaladas contra docentes e funcionários nas unidades, especialmente  na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (EACH) (vide Informativo Adusp 359).

Rompe-se com a palavra empenhada, despudoramente. O caso mais recente é a criação de uma Comissão da Verdade da USP, por portaria reitoral, sem a participação dos membros indicados pelas entidades, em pleno processo de negociação entre Reitoria e Fórum Aberto pela Democratização (vide matéria). A promessa de diálogo, propalada em cam­panha, não passou de demagogia.

Introduz-se no âmbito do público a lógica e a prática do privado. Promove-se a impressão de império e a prática do arbítrio. Não é à toa que sequer o disposto na Lei de diretrizes e Bases as Educação Nacional (LDB), 70% de docentes em colegiados, é respeitado pela USP. 

Trabalho de Sísifo

Onde deveria prosperar a reflexão crítica e o incentivo a sua maturação, promulga-se o produtivismo, inimigo do trabalho intelectual acadêmico de qualidade, que possui características claramente artesanais; onde deveria vicejar a cooperação, incentiva-se a competição entre pares, sejam docentes, estudantes ou funcionários, destruindo a possibilidade de interação e criação dialógica entre áreas, mesmo as mais afins.

Enterra-se o corpo da universidade em um trabalho de Sísifo, sem fim, repetitivo. Debates, reuniões e relatórios, cujas conclusões têm pouca oportunidade de prosperar. É o executivo que decide e controla os rumos da USP.

Democracia e autonomia são essenciais para fazer prosperar o trabalho intelectual de qualidade, formador, crítico e produtivo em seu sentido mais amplo: ser avesso ao princípio da autoridade e  contribuir para a emancipação coletiva, isto é, fornecer possibilidades de compreensão das nossas experiências sociais, econômicas, científicas, artísticas e culturais.

Proposta da Adusp

Sabemos todos que a democratização da instituição envolve mais do que a eleição direta para reitor(a). É preciso democratizar — e humanizar — as relações sociais em seu interior, bem como o acesso à universidade.

Mesmo assim, a questão da indicação de dirigentes não deve ser subestimada. Nossa pauta estratégica em relação a esta questão permanece sendo a eleição direta e paritária para reitores e diretores de unidade, com candidatura aberta a qualquer professor doutor da USP e o fim das listas tríplices, tanto para reitor quanto para diretores. Entretanto, consideramos que, para atingir estes objetivos, é necessário criar condições mais favorá­veis à sua consecução. Consi­de­ra­mos igualmen­te importante  tri­­lhar este cami­nho em con­junto com parcela significativa do corpo da universidade, representada  pe­las entidades de funcionários técni­co­-admi­nistrativos e de estudantes.

Desde 1981, está presente na Universidade a luta por uma Estatuinte democrática, exclusiva e soberana, desti­na­da a modificar o Estatuto da USP. Várias eleições para reitor foram organizadas pelas entidades representativas, sem envolvimento institucional. Embora estes processos, em várias ocasiões, tenham empolgado a comu­ni­dade, contando com expressiva participação das diferentes categorias, e tenham explici­tado o autoritarismo vigente, não foram sufi­cien­tes para alterar, de fato, a estrutura de poder da universidade.

Tendo em conta nossa história de luta e a necessidade de construir um processo para atingir nossos objetivos estratégicos, a Assembleia Geral da Adusp de 30/4 aprovou a seguinte orientação:

Lutaremos para incluir no Estatuto da USP a realização de consulta de caráter  paritário, com a participação de todos os docentes, estudantes e funcionários, e a garantia de que o(a) eleito(a) por esta consulta conste da lista tríplice a ser elaborada pela reunião do Co e dos Conselhos Centrais.

Um modelo eleitoral análogo está em pleno vigor na Unicamp, na Unesp e na maioria das univer­sidades federais.

Além disso, tramita no Congresso Nacional o PL 4.646-B, originário do Senado Federal, que modifica o artigo 56 da LDB (Lei 9.394/96), prevendo que 

O Reitor, O Vice-Reitor e os Diretores das instituições públicas de edu­cação superior serão escolhidos mediante processo eleitoral direto, com a participação de todos os docentes, discentes e servidores técnico-administrativos, nos termos do dispos­to em seus estatutos e regi­men­tos.” (grifos nossos)

Que significa paridade? O que são as consultas ou eleições proporcionais na universidade?

Muito se ouve falar que “paridade” é “33, 33, 33”, bem como em outras formas de proporcionalidade tais como “60, 20, 20” (vigente na Unicamp) ou “70, 15, 15” (utilizada em algumas federais). Enunciados deste tipo por vezes escondem o peso real do voto dos membros de cada categoria em um tal processo, podendo levar a equívocos de interpre­tação que convém evitar.

Com o intuito de esclarecer esta questão, vamos considerar que na USP tenhamos 6.000 docentes, 15.000 funcionários, 60.000 estudantes de graduação e 30.000 estudantes de pós-graduação, números que são uma boa aproximação da realidade.

I. Paridade.

Esta proposta, gestada nas grandes mobilizações por autonomia e democracia em Córdoba (Argentina), dá a cada categoria o mesmo número de votos paritários. Podemos escolher a quantidade total de votos paritários, desde que cada categoria tenha o mesmo número de votos paritários. Além disso, há também a escolha de quantas categorias distintas reconhecemos no corpo da universidade. Dois exemplos podem ajudar a esclarecer o método.

I.1. Quatro categorias: docentes, funcionários, estudantes de graduação e estudantes de pós-graduação

Cada uma destas categorias terá 60.000 votos paritários; a última coluna da tabela a seguir indica o peso do voto de cada membro de cada uma das quatro categorias.

 

Tabela 1 – Paridade com quatro categorias
Categoria Nº da Categoria (A) Nº de Votos Paritários (B) Peso = (B) / (A)
Docentes 6000 60000 10
Funcionários 15000 60000 4
Estudantes de Pós 30000 60000 2
Estudantes de Graduação 60000 60000 1

 

O que a última coluna da Tabela 1 indica é que na USP, se adotarmos o voto paritário das quatro categorias, o peso do voto de um professor vale 10 vezes o de um estudante de graduação, 5 vezes o de um estudante de pós-graduação e 2,5 vezes o de um funcionário. Consequentemente, a ideia de que na paridade o voto de um docente tem o “mesmo peso” que o de um estudante ou o de um funcionário é um  engano.

I.2. Três categorias: a forma tradicional de paridade

Neste caso, teríamos três categorias: docentes, estudantes e funcionários. Assim, o número de estudantes passaria a ser 90.000 (60.000 + 30.000), e cada uma das três categorias passariam a ter 90.000 votos paritários. A última coluna da Tabela 2 (abaixo) explicita o peso relativo do voto de cada docente, funcionário e estudante, nesta hipótese.

 

Tabela 2 – Paridade entre docentes, estudantes e funcionários
Categoria Nº da Categoria (A) Nº de Votos Paritários (B) Peso = (B) / (A)
Docentes 6000 90000 15
Funcionários 15000 90000 6
Estudantes 90000 90000 1

 

A última coluna da Tabela 2 mostra que, na hipótese de utilizarmos o método usual de paridade entre as três categorias, o voto de um docente vale 15 vezes o de um estudante e 2,5 vezes o de um funcionário.

II. O método da Unicamp

Vale a pena comparar  o método paritário com outros que vigoram nas consultas realizadas na Unicamp e em algumas universidades federais. 

Na Unicamp, a consulta direta é institucional, convocada segundo resolução do Consu, sendo realizada com pesos de 60% para os docentes, 20% para estudantes e 20% para funcionários. Como nos casos anteriores, a última coluna da Tabela 3, a seguir, indica o peso do voto dos membros de cada categoria, utilizando os números da USP. Como temos 90.000 estudantes de graduação e pós-graduação e este conjunto corresponde a 20% (ou seja 1/5) do total de votos proporcionais, teremos um total de 450.000 votos proporcionais. Assim,  as categorias de estudantes e funcionários terão, cada uma, 90.000 votos proporcionais (20% do total, cada uma), enquanto os docentes terão 270.000 votos proporcionais (60% do total). A Tabela 3 indica, em sua última coluna, o peso do voto de cada docente, estudante e funcionário segundo o método da Unicamp.

Tabela 3 – "60, 20, 20" na USP
Categoria Nº da Categoria (A) Nº de Votos Paritários (B) Peso = (B) / (A)
Docentes 6000 270000 45
Funcionários 15000 90000 6
Estudantes 90000 90000 1

 

Além disso, a Tabela 3 mostra que se utilizarmos na USP a proporcionalidade institucional da Unicamp, o voto de um professor valerá 45 vezes o de um estudante (de graduação ou pós-graduação) e 7,5 vezes o de um funcionário.

III. A proporção “70, 15, 15”

Para finalizar a análise de alguns exemplos correntes em eleições e consultas nas universidades, iremos determinar, com os números da USP, o peso do voto de cada professor, estudante e funcionário, atribuindo a docentes o “peso” de 70%, e 15% a estudantes e funcionários. Se 90.000 corresponde a 15% de total de votos proporcionais, então este total será de 600.000 votos proporcionais. Assim, o número de votos proporcionais da categoria dos docentes corresponderia a 70% de 600.000, que resulta em 420.000 votos proporcionais. A Tabela 4, a seguir, mostra como ficariam os pesos dos votos de cada categoria neste método.

Tabela 4 – "70, 15, 15 " na USP
Categoria Nº da Categoria (A) Nº de Votos Paritários (B) Peso = (B) / (A)
Docentes 6000 420000 70
Funcionários 15000 90000 6
Estudantes 90000 90000 1

 

 

A esta altura todo mundo já entendeu: com este método o voto de um docente vale 70 vezes o de um estudante (graduação ou pós) e 11,7 vezes o de um funcionário.

Queremos participar da indicação de Reitor, já!

A partir da deliberação da assembleia da Adusp de 30/4, precisamos atuar nas unidades para que a proposta da entidade seja aprovada pelas congregações, o que certamente aumentaria suas chances de aprovação no Co. Para isso, o envolvimento de todos e de cada um será decisivo. Queremos votar para reitor, e votar, já!

 

Informativo nº 363

 

EXPRESSO ADUSP


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