Ao menos por enquanto, o Tribunal de Justiça (TJ-SP) livrou a USP de um histórico vexame institucional, ao suspender um mandado de busca e apreensão, nas dependências da Reitoria, de documentos referentes ao projeto “USP do Futuro”, resultante de acordo firmado sem licitação pela gestão M. A. Zago-Vahan Agopyan, à revelia do Conselho Universitário, com a consultoria internacional McKinsey&Company e a “organização social” Comunitas, no valor de R$ 5 milhões.

O mandado de busca e apreensão fora expedido em 29/1/2018 pelo juiz Luis Manoel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública, a pedido da Associação dos Docentes (Adusp), como desdobramento de ação judicial vitoriosa baseada na Lei de Acesso à Informação-LAI.

No dia 2/2, porém, antes mesmo que fosse publicada no Diário Oficial a decisão de primeira instância, o juiz Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, da 4ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, acolheu agravo de instrumento da USP (interposto na véspera) e concedeu efeito suspensivo, passível de recurso. A decisão de Vidal foi publicada no Diário Oficial no dia 28/2, devendo a Adusp apresentar recurso até 21/3, com a finalidade de derrubar o efeito suspensivo.

O magistrado considerou válidos os argumentos da Reitoria de que “os documentos não existem”, “a determinação judicial é genérica”, e de que a execução do mandado de busca e apreensão implicaria “risco ao sigilo de documentos existentes e ao sigilo profissional dos integrantes da Procuradoria da Universidade”. Convalidou, ainda, o “argumento da inexistência dos documentos que somente nesta fase de cumprimento foram especificados, e que, portanto, não foi [sic] objeto de oportuna cognição”, que seria “relevante à luz da regra do ônus da prova contida no parágrafo único do artigo 398 do CPC [Código de Processo Civil]”.

Irregularidades

O Departamento Jurídico da Adusp, no entanto, avalia que a pressa da Reitoria em barrar o mandado expedido pela 3ª Vara da Fazenda Pública parece indicar o temor do que poderia ser revelado pela busca e apreensão, “seja a eventual existência de documentos comprometedores no tocante à comprovação de irregularidades do trâmite do projeto ou de questões sensíveis sempre negadas (como os estudos para cobrança de mensalidades citados na denúncia anônima que revelou o acordo), seja a possível inexistência de documentos complementares necessários para lhe dar consistência”, como declarou o professor Ciro Correia. “Em qualquer desses casos restaria demonstrada a improbidade administrativa no trato da questão e a consequente nulidade do acordo firmado com a McKinsey e a Comunitas”, reforçou.

Em nota que emitiu sobre o caso, citada pela Folha de S. Paulo em 1º/2, a Reitoria sustenta que “apresentou a totalidade dos autos [sic] que tratam do projeto”, informando, ao mesmo tempo, que a Procuradoria Geral da USP havia protocolado recurso para pedir a suspensão do mandado de busca e apreensão. Porém, foi justamente a ausência de documentos que registrassem a execução do acordo com a McKinsey e a Comunitas e lhe dessem consistência (tais como atas de reuniões, relatórios, autorizações), mesmo após a sentença da 3ª Vara da Fazenda Pública neste sentido, que levou a Adusp a requerer o mandado, e o juíz a determinar a medida.

O TJ-SP novamente socorreu a USP, desta vez num episódio de total falta de transparência da administração da universidade. As atitudes contraditórias da Reitoria só reforçam o caráter nebuloso e inconsistente do projeto conduzido pela McKinsey. Segundo a Folha de S. Paulo, a prestação de serviços da McKinsey “foi finalizada no fim de 2017, segundo a universidade”. Porém, em novembro de 2017, o então vice-reitor e reitor eleito Vahan Agopyan declarou ao jornal Valor Econômico, em resposta a uma pergunta sobre o desfecho do projeto: “Acabou no começo do ano”. E a nota publicada em 2/2/2018 pela assessoria de imprensa da USP afirma que o projeto “foi concluído no final de 2016”!

Vale a pena reler a resposta completa de Agopyan ao jornal Valor Econômico, a respeito do projeto confiado à McKinsey: “Acabou no começo do ano [2017], com uma série de sugestões, algumas possíveis, outras difíceis de serem aplicadas. O professor Zago selecionou algumas e já estão sendo aplicadas”. A repórter pede exemplos, e Agopyan só consegue citar um: “Por exemplo, a criação de um endowment [fundo patrimonial de arrecadação de doações privadas] da universidade”.

Iniciativas

A Reitoria jamais chegou a apresentar um relatório final sobre o projeto, limitando-se a informar, na sua nota de 2/2, que três iniciativas em andamento “são resultado da conclusão do [projeto] USP do Futuro: a criação do Inova USP, laboratório interdisciplinar voltado a projetos de convergência de tecnologia, multimídia, ciências, artes e design; a criação de um fundo patrimonial [endowment]; e a criação do Programa de Mobilidade e Integração Urbana”.

Esses projetos foram anunciados ao Co pelo então reitor M.A. Zago na reunião de 6/12/2016. Dias depois, uma “reunião de dirigentes” encabeçada pelo reitor voltou a abordar o tema. Na ocasião, o coorde­nador nominal do projeto “USP do Futuro”, professor Américo Ceiki Sakamoto, teria declarado que “para criar o endowment, é preciso que haja alguns elementos viabilizadores, dentre eles, a criação de uma legislação federal específica”.

Procurada em fevereiro último, a assessoria de imprensa da Reitoria recusou-se a informar à Adusp como se deu a aprovação formal dessas propostas que o então reitor “selecionou”, segundo o relato de Agopyan. “Não iremos nos manifestar”, declarou ao Informativo Adusp, por telefone, nossa interlocutora na assessoria de imprensa, depois de várias tentativas de obter essa informação por telefone e por e-mail.

O InovaUSP, ou Centro de Inovação da Universidade de São Paulo, foi criado pela Resolução 7.338/2017, a qual foi quase totalmente modificada pela Resolução 7473/2018, que institui o Regimento do centro. Entre as modificações, o artigo 8º do Regimento, que faz referência a uma entidade privada: “A Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP) será o gestor administrativo e financeiro preferencial dos recursos captados e dos convênios e contratos cuja gestão administrativa e financeira não seja realizada diretamente pela USP”. Nenhum desses documentos traz qualquer menção ao projeto “USP do Futuro”.

Quanto ao Programa de Mobilidade (“Mobi USP”), apresentado na citada “reunião de dirigentes” pela superintendente de Gestão Ambiental da Universidade, Patrícia Faga Iglecias Lemos, “prevê o desenvolvimento de ações na área de integração de modais, de compartilhamento de veículos e de bicicletas e de desestímulo ao uso do automóvel”.

Tudo somado, parece muito pouco para um projeto conduzido às escondidas e que só veio a público por um acidente de percurso: a denúncia anônima divulgada pela Adusp.

Informativo nº 445

EXPRESSO ADUSP


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