Defesa da Universidade
USP e Capes discutem juntar mestrado e doutorado numa formação de cinco anos
Esse é o principal ponto de uma proposta que vem sendo debatida pelas universidades paulistas e pela agência federal. Não há, entretanto, por incrível que pareça, um documento que formalize o projeto, e também não está prevista a sua tramitação no Conselho de Pós-Graduação da USP — que não foi consultado sobre o assunto
O reitor da USP, Vahan Agopyan, recebeu no dia 30/5 o presidente da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Anderson Correia, e outros diretores da agência na Reitoria da Universidade. O principal tema do encontro foi a discussão de uma proposta de reorganização da pós-graduação. A proposta, elaborada pelas três universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) e pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), já havia sido apresentada aos representantes da Capes em reunião anterior, no dia 8/4, também na USP.
Um dos pontos principais do projeto é uma espécie de redesenho do mestrado acadêmico. De acordo com o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior, a proposta basicamente apresenta três caminhos ao aluno que chegar ao final do primeiro ano do mestrado: 1) seguir no doutorado, já no segundo ano, o que seria a ideia preferencial; 2) continuar no mestrado, por opção ou por ainda não estar preparado para o doutorado, podendo entrar neste posteriormente, como na atualidade; 3) sair do sistema, se não tiver vocação ou aproveitamento no primeiro ano.
Para o pró-reitor, o sistema permitiria um melhor aproveitamento das bolsas e garantiria que o aluno recebesse o benefício ao longo de todo o período de formação. “O aluno teria um ano de bolsa no mestrado. Se for para o doutorado, são mais quatro anos de bolsa. Faria então a pós-graduação em cinco anos, sem o problema das instabilidades e interrupções das bolsas, o que ocorre hoje”, explicou Carlotti ao Informativo Adusp. “Com isso o trabalho ficaria melhor do que fazer o mestrado, ter um hiato grande e depois fazer o doutorado”, acredita, ressaltando que o objetivo da pós-graduação é “trabalhar com qualidade”.
O pró-reitor afirma que a ideia começou a ser discutida a partir de uma provocação feita pela própria Capes no ano passado à USP, procurada por se tratar da universidade brasileira com o maior número de alunos e de programas. Para formatar o projeto, Carlotti e o pró-reitor adjunto, Marcio de Castro Silva Filho, avaliaram experiências de universidades da Europa e dos Estados Unidos e se fundamentaram em números referentes a financiamento, avaliação e formação de alunos.
A USP forma na atualidade cerca de 4 mil mestres e 3 mil doutores por ano. Dos mestres, 1,5 mil ficam na própria USP para o doutorado, enquanto os restantes saem do sistema da universidade porque não ingressam no doutorado ou o fazem em outras instituições. “Ou seja, menos da metade dos mestres que formamos aqui fica para o doutorado”, aponta.
Em termos de financiamento, na USP o número de mestrandos bolsistas é praticamente o dobro dos doutorandos. Nas agências de fomento, no entanto, o número de bolsas de mestrado e doutorado oferecidas pelo CNPq e pela Capes é muito parecido, enquanto na Fapesp a proporção é de aproximadamente uma de mestrado para cinco de doutorado.
“Por que estamos financiando de uma maneira diferente?”, pergunta Carlotti. A melhor opção, considera, seria adotar um caminho semelhante ao da Fapesp, privilegiando a concessão dos benefícios para aqueles alunos “que terão uma formação mais longa e de maior qualidade”.
De acordo com o professor, a nova proposta contribuiria também para diminuir o tempo médio de titulação. Do universo de 1,5 mil alunos que concluem o mestrado e ingressam no doutorado, apenas 4% o fazem imediatamente. Para a maioria, segundo Carlotti, o tempo médio decorrido entre o ingresso no mestrado, sua conclusão e a entrada no doutorado é de quatro anos e sete meses. Para concluir os dois ciclos, portanto, pode-se levar até dez anos.
Como o número de alunos no segundo ano do mestrado seria reduzido, cairia também o montante destinado a esse financiamento. A proposta é redirecionar esses recursos para uma taxa de bancada no doutorado que poderia ser utilizada para compra de equipamentos e insumos, viagens para congressos etc. “Pelos meus cálculos, essa taxa iria variar de R$ 500 a R$ 700 por mês. Queremos garantir que esse dinheiro fique na alínea bolsa”, ressalta.
O modelo não teria adesão obrigatória: cada programa avaliaria se muda ou se permanece no formato atual, com as bolsas inalteradas. “Na Unifesp, se adotássemos essa proposta como regra, isso prejudicaria aproximadamente metade dos nossos programas, que estão nas áreas de expansão dos campi em Osasco, Diadema ou Guarulhos e são programas jovens, muitos ainda somente com mestrado”, diz a professora Lia Bittencourt, pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Unifesp, que também está discutindo o projeto. De acordo com a professora, a proposta seria mais interessante para os programas da área médica da universidade, que já são mais maduros.
A tramitação da proposta tem seguido caminhos, digamos, pouco ortodoxos, a começar pelo fato de que não há um documento formal que a detalhe. As discussões têm se dado a partir de apresentações verbais nas quais são destacados os seus principais tópicos. Depois da reunião de abril – da qual participaram representantes da Capes, das reitorias das universidades envolvidas e da Fapesp, incluindo o seu presidente, o ex-reitor da USP Marco Antonio Zago –, a Capes deveria debater e avaliar internamente o projeto.
O período, entretanto, foi turbulento na agência – que teve mudanças em alguns cargos e cortou 3,4 mil bolsas de pós-graduação em todo o país, 329 delas na USP – e no Ministério da Educação, com episódios de ataques ao ensino público protagonizados pelo ministro Abraham Weintraub, principal alvo das manifestações realizadas em todo o país nos dias 15 e 30/5. A última data, por sinal, coincidiu com a segunda reunião na USP sobre a proposta.
No livro de visitas do gabinete do reitor, Anderson Correia deixou um registro que dá a entender que a discussão do projeto não foi feita ou pouco avançou no interior da agência: “Parabéns à grandiosa Universidade de São Paulo pela vultosa pós-graduação e pelas novas propostas de renovação e modernização apresentadas à Capes na data de hoje. Esperamos que tragam novo oxigênio para a pós na USP e no Brasil”, escreveu, de acordo com o Jornal da USP. Porém, o que restou de concreto é que, menos de uma semana depois da reunião, a Capes anunciou novo corte de 2,7 mil bolsas de mestrado e doutorado, 65 delas nas três universidades estaduais paulistas.
Não foram divulgadas avaliações ou posicionamentos dos participantes da reunião em relação à proposta. O Informativo Adusp entrou em contato com a assessoria de imprensa da Capes para saber qual é de fato a opinião da agência sobre o projeto, mas não teve retorno. A reportagem tentou ouvir ainda o pró-reitor Gilberto Carlotti depois da segunda reunião, mas também não obteve respostas.
Em entrevista concedida na segunda semana de maio, após a primeira reunião, Carlotti relatou ao Informativo Adusp que não havia um documento finalizado “porque a proposta é suscetível a mudanças, e até mesmo a não ocorrer, se a Capes disser que não”. Em relação à tramitação interna, o pró-reitor disse que já havia apresentado as ideias “em duas reuniões de dirigentes da universidade” e que “não haveria uma votação a ser feita [sobre o tema] no Conselho de Pós-Graduação” porque a decisão de aderir ou não caberá a cada programa. De acordo com Carlotti, autorizado pela Capes e aprovado nos programas, o novo modelo passaria a vigorar já no ano que vem.
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