Defesa da Universidade
Sintusp questiona critérios de vacinação do HRAC. Superintendente presta esclarecimentos, mas ameaça retaliar pacientes
Em ofício encaminhado em 25/1 a Neli Wada, diretora do sindicato, o professor Carlos Ferreira dos Santos exige que ela se retrate por suposta acusação de crime e ameaça represália insólita: “Caso essa retratação não nos seja enviada até a data informada [29/1], comunicamos que estará suspensa, por prazo indeterminado, a testagem molecular para Covid-19 de pacientes cirúrgicos e transferências do HRAC”
“Mas vacinar secretária do Administrativo? … Pede as listas para os caras que o Ministério Público vai poder apurar. Tem festa da vacina no Centrinho”.
O comentário é de um dos responsáveis por um programa radiofônico da Jovem Pan Bauru que foi ao ar nesta quarta-feira (27/1) e se refere à vacinação contra Covid-19 realizada em 22/1 no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC-USP), vinculado à Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB). Na ocasião foram vacinadas vinte e duas pessoas lotadas no Laboratório de Farmacologia da FOB, entre as quais quatro funcionárias do setor administrativo e dois motoristas. A vacinação dessas seis pessoas provocou protestos.
O próprio HRAC, popularmente conhecido como “Centrinho”, publicou, na sua página no Facebook, fotografias que registram a vacinação e nas quais aparecem as pessoas cuja vacinação em tese não deveria figurar entre as prioridades. O superintendente do hospital e diretor da FOB, Carlos Ferreira dos Santos, foi o primeiro a ser vacinado e está presente em várias das imagens.
O Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), que representa o funcionalismo da FOB e do HRAC, também cobrou explicações. No mesmo dia da vacinação, Neli Paschoarelli Wada, funcionária do hospital e diretora do Sintusp, encaminhou e-mail ao superintendente, pedindo esclarecimentos.
“O Sintusp leu o comunicado da Superintendência sobre a vacinação no HRAC. O comunicado diz que as doses vieram nominadas pela Secretaria de Saúde. Pergunta: como a Secretaria nomeou os funcionários que iriam tomar primeiro, pois a sra. […] e as duas secretárias não são funcionárias de linha de frente, ou seja, não atendem pacientes e muito menos trabalham em laboratório de análises relacionadas à doença?”. (O Informativo Adusp preservará, na medida do possível, o nome das pessoas citadas, em respeito à sua privacidade, uma vez que a situação é controversa.)
“Quando fala da idade cita acima de 60 anos, sendo que pelas regras começa com os que têm idade mais avançada. Gostaríamos também de saber quantas doses o HRAC recebeu e que a lista dos vacinados fosse divulgada para que pudéssemos verificar que ninguém furou a fila, pois nem podemos imaginar que o Centrinho cometa este crime”. No entanto, ao digitar no celular a mensagem para a superintendência, Neli cometeu um erro (talvez por interferência do corretor automático) e trocou involuntariamente a palavra “nem” por “bem”, de modo que a penúltima frase se transformou em “pois bem podemos imaginar que o Centrinho cometa este crime”.
Em resposta a estes questionamentos, Ferreira, que além de diretor da FOB é o coordenador do Laboratório de Farmacologia da faculdade, encaminhou ofício a Neli em 25/1, no qual presta detalhadas informações sobre o processo de vacinação e destaca haver seguido “rigorosamente as orientações da Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru, com base no Documento Técnico Campanha de Vacinação Contra a Covid-19”, publicado em 19/1/2021 pelo governo estadual.
“Alguns servidores do HRAC que atuam em serviços administrativos foram vacinados dentro da cota recebida pelo Laboratório”, admitiu, “justamente por estarem diretamente envolvidos na testagem conforme explicado acima, com anuência da Divisão de Saúde Epidemiológica de Bauru”. Quanto à pessoa nominalmente citada por Neli no seu e-mail — uma cirurgiã-dentista que exerce um cargo administrativo — Ferreira esclareceu que ela “nunca deixou de realizar procedimentos cirúrgicos e ambulatoriais na Seção de Odontopediatria e Saúde Coletiva, desde a sua indicação” para tal cargo, que realizou “cerca de 15 procedimentos odontológicos sob anestesia geral, neste período inicial da pandemia” e que continua atuando na equipe de Odontopediatria em regime de revezamento com outras profissionais dessa seção, o que justifica que tenha sido vacinada.
Contudo, além de prestar os esclarecimentos solicitados o diretor da FOB e superintendente do HRAC exigiu da representante do Sintusp que se retratasse de uma suposta “acusação de crime”: “Finalmente, tendo em vista a acusação injusta de que houve crime na primeira etapa de vacinação do HRAC, a qual refutamos veementemente, solicitamos que nos seja enviada retratação, por escrito, até 29/1/2021”. A exigência veio acompanhada de uma insólita ameaça de retaliação contra pacientes: “Caso essa retratação não nos seja enviada até a data informada, comunicamos que estará suspensa, por prazo indeterminado, a testagem molecular para Covid-19 de pacientes cirúrgicos e transferências do HRAC”.
Ao responder a Ferreira, a diretora do Sintusp agradeceu ao superintendente por sua manifestação: “Foram explicações esclarecedoras e justas, as quais não foram veiculadas pelos meios de comunicação (jornais, televisão e redes sociais), inclusive nas entrevistas do Secretário de Saúde do Estado de São Paulo. Estas explicações à comunidade do câmpus da USP de Bauru se fariam necessárias antes do início da vacinação, para que não houvesse ruídos na comunicação entre os funcionários, até aqui muito bem feita por Vossa Senhoria”.
Quanto ao pedido de retratação, Neli argumentou que o Sintusp não fez acusações e sim questionamentos, diante de informações recebidas. “Quando mencionou”, explicou falando de si em terceira pessoa, “que ‘furar fila é crime’, foi uma citação que muitas autoridades estão fazendo na mídia, diariamente, diante do cenário catastrófico e precário da saúde no país e jamais fizemos uma acusação, ao ponto de [motivar] Vossa Senhoria [a] tomar atitudes prejudiciais aos pacientes”.
A diretora do Sintusp situou o episódio dentro do contexto mais amplo de relacionamento entre a administração da unidade e do hospital e o corpo de trabalhadore(a)s: “Se os nossos questionamentos trouxeram desconfortos, nos desculpe, com perplexidades [sic] pela forma como nossas solicitações têm sido respondidas, com ameaças de sindicâncias e processos administrativos contra funcionários e agora com procedimentos contra pacientes, os quais não devem ser envolvidos nas relações trabalhistas de uma instituição conceituada como o Centrinho”. Ela solicitou “o restabelecimento do diálogo” e uma reunião com o superintendente para tratar do assunto.
O Sintusp considera que o pessoal administrativo do Laboratório de Farmacologia da FOB está em desvio de função quando, por determinação das chefias, se envolve em atividades de testagem. Em declarações adicionais ao Informativo Adusp, Neli lamenta “o autoritarismo muito grande” de Ferreira, “pois não gostou dos nossos questionamentos, se sentiu dono de um serviço público e ameaçou fechá-lo prejudicando os pacientes se o Sintusp não se retratasse”.
Apesar de haver questionado as prioridades adotadas na aplicação do primeiro lote de vacinas, o Sintusp defende vacinação imediata contra a Covid-19 para toda a equipe do HRAC: “A vida dos trabalhadores, principalmente dos terceirizados da higiene, cozinha, recepcionistas, seguranças e os não amigos do rei pouca importância tem. Por isso seguimos gritando: a vida de todos os trabalhadores importa. Vacinação para todos já”.
Novo comunicado traz, em anexo, relação de pessoas vacinadas no HRAC
Posteriormente (em 27/1), Ferreira emitiu um comunicado intitulado “Esclarecimento sobre o início da vacinação contra a covid-19 na USP-Bauru”, que reproduz a maior parte das informações prestadas no ofício encaminhado ao Sintusp. Nesse comunicado ele informa que a relação de pessoas vacinadas — que é divulgada em anexo ao documento — foi submetida à Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru, vinculada à Secretaria Municipal da Saúde, e previamente aprovada por esse órgão.
De acordo com Ferreira, o laboratório é habilitado desde 10/4/2020 pelo Instituto Adolfo Lutz “para a realização de testes RT-PCR em tempo real para diagnóstico molecular da covid-19, e recebeu 22 doses de vacina nessa primeira fase da campanha, uma vez que sua equipe está na linha de frente e envolvida diretamente na atenção/referência para os casos suspeitos e confirmados de Covid-19”. Ainda segundo o superintendente do HRAC, até 26/1 o laboratório realizou análises de 48 mil amostras.
Além de realizar a testagem da população, desde junho de 2020 o laboratório passou a realizar diariamente a testagem de servidores, docentes, alunos do câmpus USP-Bauru, pacientes cirúrgicos do HRAC-USP e também os transferidos. “Para que isso possa acontecer de forma efetiva”, continua Ferreira dos Santos, “existe uma equipe de profissionais que se envolvem diariamente, desde a coleta e transporte das amostras, registro do exame em sistema específico Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), notificação de todos os casos positivos e negativos no Sistema E-SUS e envio do referido laudo de exame por e-mail para cada um dos indivíduos testados”.
Alega, ainda, que dado “o aumento vertiginoso no número de exames, houve a necessidade de agregar profissionais a essa equipe”. Assim, diz, os “servidores administrativos do HRAC-USP e da FOB-USP que foram vacinados estavam dentro da cota recebida pelo Laboratório de Farmacologia da FOB-USP, justamente por estarem diretamente envolvidos nas atividades de testagem mencionadas, com anuência da Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru”.
Por fim, reforça esse argumento: “A imunização das equipes de testagem foi, portanto, uma decisão da Vigilância Epidemiológica de Bauru, que também priorizou as equipes de testagens dos dois outros laboratórios que analisam amostras de Bauru e região: Instituto Lauro de Souza Lima e Instituto Adolfo Lutz, em um importante reconhecimento ao trabalho desenvolvido por essas equipes essenciais no enfrentamento da pandemia”. A seguir a íntegra deste comunicado.
“Esclarecimento sobre o início da vacinação contra a covid-19 na USP-Bauru”
Seguindo o princípio de absoluta transparência que deve imperar na gestão pública, ressalto a toda a comunidade que o início da vacinação contra a covid-19 em profissionais do HRAC-USP e da FOB-USP, em 22/01/2021, seguiu rigorosamente as orientações da Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru (com base no Documento Técnico da Campanha de Vacinação Contra a Covid-19, publicado em 19/01/2021 pelo Governo do Estado de São Paulo). A relação dos profissionais vacinados do HRAC-USP e da FOB-USP segue anexa a este comunicado.
Cabe esclarecer que, nesse processo inicial de vacinação, a Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru solicitou ao HRAC-USP as seguintes ações:
1) Relação de todos os servidores do HRAC-USP registrados no CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), independentemente da área de atuação. Foram incluídos todos os servidores ativos no Hospital;
2) Relação dos servidores da área da saúde contemplados nessa primeira fase de vacinação, conforme os seguintes critérios estabelecidos junto à Vigilância Epidemiológica: a) Equipe envolvida na testagem para diagnóstico molecular da covid-19 (que conta com profissionais da FOB-USP e do HRAC-USP); b) Profissionais de saúde que trabalham na UTI, Unidade de Cuidados Especiais (UCE), Centro Cirúrgico e Laboratório de Análises Clínicas; c) Profissionais de saúde das áreas de Enfermagem, Odontologia e Medicina com idade acima de 60 anos.
A relação dos servidores do HRAC-USP contemplados nessa primeira etapa de vacinação, com base nos critérios prioritários mencionados, foi enviada à Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru, que disponibilizou ao Hospital 153 doses da vacina de forma nominal e intransferível. É importante lembrar que o registro no CNES é usado para que o profissional possa trabalhar na área da saúde e por meio dele é possível verificar a sua área de atuação dentro do Hospital.
Os profissionais contemplados nessa primeira fase de vacinação foram, então, comunicados pelo e-mail institucional.
O servidor que não pôde comparecer na data de 22/01/2021 para receber a vacina e justificou sua ausência, por motivo razoável, teve sua dose reservada e já foi vacinado.
O servidor que, por motivos particulares, optou por não ser vacinado, preencheu documento justificando a desistência.
Das 153 doses destinadas ao HRAC-USP, cinco foram devolvidas à Secretaria Municipal de Saúde em 26/01/2021, por impedimento em decorrência de condição clínica do servidor ou por desistência.
Adicionalmente, esclareço que o Laboratório de Farmacologia da FOB-USP, sob minha coordenação, é habilitado desde 10/04/2020 pelo Instituto Adolfo Lutz para a realização de testes RT-PCR em tempo real para diagnóstico molecular da covid-19, e recebeu 22 doses de vacina nessa primeira fase da campanha, uma vez que sua equipe está na linha de frente e envolvida diretamente na atenção/referência para os casos suspeitos e confirmados de covid-19. Além de realizar a testagem da população de Bauru e região, desde junho de 2020, por decisão minha, como superintendente do HRAC-USP e diretor da FOB-USP, o Laboratório passou a realizar diariamente a testagem de servidores, docentes, alunos do Campus USP-Bauru, pacientes cirúrgicos do HRAC-USP e também os transferidos, garantindo mais segurança para a equipe e pacientes. Para que isso possa acontecer de forma efetiva, existe uma equipe de profissionais que se envolvem diariamente, desde a coleta e transporte das amostras, registro do exame em sistema específico Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), notificação de todos os casos positivos e negativos no Sistema E-SUS e envio do referido laudo de exame por e-mail para cada um dos indivíduos testados. Com o processo de credenciamento junto ao Instituto Adolfo Lutz e o aumento vertiginoso no número de exames, houve a necessidade de agregar profissionais a essa equipe. Os servidores administrativos do HRAC-USP e da FOB-USP que foram vacinados estavam dentro da cota recebida pelo Laboratório de Farmacologia da FOB-USP, justamente por estarem diretamente envolvidos nas atividades de testagem mencionadas, com anuência da Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru. A imunização das equipes de testagem foi, portanto, uma decisão da Vigilância Epidemiológica de Bauru, que também priorizou as equipes de testagens dos dois outros laboratórios que analisam amostras de Bauru e região: Instituto Lauro de Souza Lima e Instituto Adolfo Lutz, em um importante reconhecimento ao trabalho desenvolvido por essas equipes essenciais no enfrentamento da pandemia. A imunização dessas equipes de testagens contou, inclusive, com a colaboração de duas enfermeiras do HRAC-USP. Reforço ainda que, até 26/01/2021, o Laboratório de Farmacologia da FOB-USP realizou análise de 48 mil amostras de Bauru e região, um número absolutamente expressivo e que só pôde ser alcançado com a união de profissionais altamente engajados, do HRAC-USP e da FOB-USP, que colaboraram e continuarão colaborando com esse trabalho incansável de uma equipe pequena mas extremamente dedicada ao combate à covid-19, em uma contribuição inestimável à saúde pública de Bauru e região. Para avaliar a importância da imunização dessa equipe imprescindível na rotina de testagem do Laboratório, basta fazer uma pergunta simples: como Bauru estaria sem 48 mil desses exames? Das 22 doses destinadas à equipe de testagem que atua junto ao Laboratório de Farmacologia da FOB-USP, três também foram devolvidas em 26/01/2021, pelas mesmas razões já mencionadas.
Enfatizo que não houve a menor possibilidade de algum servidor ter sido vacinado antes de ter o nome aprovado pela Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru, que fez a conferência de cada profissional no CNES. Reitero que a primeira etapa de vacinação da equipe do HRAC-USP e da FOB-USP aconteceu dentro de todos os parâmetros estabelecidos pela Divisão de Vigilância Epidemiológica de Bauru e que não procedem, portanto, questionamentos infundados de imunização no HRAC-USP e na FOB-USP em desacordo com os critérios de grupos prioritários previamente definidos.
Recebi, inclusive, uma acusação injusta por parte da Diretoria do Sintusp, de que houve crime na primeira etapa de vacinação no Hospital, a qual refutei veementemente e pela qual já recebi, por escrito, a devida retratação.
Comunico ainda que, nas próximas etapas de vacinação, caso o HRAC-USP e a FOB-USP recebam novas doses, a relação dos profissionais imunizados será divulgada imediatamente após a vacinação dos mesmos.
Lembro a todos que, conforme o próprio Documento Técnico da Campanha de Vacinação Contra a Covid-19, “todos os trabalhadores da saúde serão contemplados com a vacinação, entretanto a ampliação desse público será gradativa, conforme disponibilidade de vacinas”.
Por fim, reforço que, por parte da Superintendência do HRAC-USP e da Diretoria da FOB-USP, todos os esforços estão sendo empenhados para disponibilizar o maior número possível de vacinas para a comunidade do campus USP de Bauru, respeitando, obviamente, os critérios prioritários em cada fase da campanha.
Cordialmente,
Prof. Dr. Carlos Ferreira dos Santos
Presidente do Conselho Deliberativo e Superintendente “pro tempore” do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC-USP)
Diretor da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP) e Coordenador do Laboratório de Farmacologia da FOB-USP
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