Denúncia
Coincidências demais
As reuniões mais recentes do Conselho Universitário (Co) têm sido palco de discursos de M.A. Zago acerca das questões internas da USP e das decisões tomadas pela Reitoria. Na última reunião do Co deste ano, em 6/12, ciente do fato de que lhe resta apenas um ano de mandato, o reitor ensaiou um balanço provisório da gestão que compartilha com V. Agopyan, iniciada em 2014. Pincelou em tintas amenas as realizações de 2016, que a seu ver autorizam “um balanço grandemente positivo de reformas”, as quais, somadas às dos anos anteriores, teriam completado “um ciclo de modificações fundamentais para a modernização da USP”.
Vejamos: o reitor orgulha-se de haver domado a crise de financiamento da universidade a ferro e fogo: “Reduzimos em cerca de 4.000 funcionários o corpo técnico e administrativo da USP, minimizando o comprometimento do nosso orçamento com uma folha de pagamento que não podíamos pagar”. Preferiu a solução mais cômoda, o incentivo às demissões voluntárias, abdicando até mesmo das modestas reivindicações ao governo estadual encampadas pelo Conselho de Reitores (Cruesp), tais como aumento do repasse às universidades da Quota-Parte Estadual do ICMS de 9,57% para 9,90%. Mutilou parte do corpo da USP como se estivesse livrando-se de um estorvo.
“Nós vencemos uma crise artificial na USP Leste em 2014, e retomamos a vida naquele campus”, arriscou, diante de um Co em que são poucas as vozes que ousam questionar. Quantos médicos e pesquisadores científicos chamariam de “crise artificial” o conflito gerado pela deposição de 109 mil m³ de terras contaminadas e lixo num campus universitário?
Após reiterar os slogans referidos à USP, de “universidade-líder da América Latina, em todas as avaliações globais” e de “universidade de sucesso”, celebrou a vitória obtida em 8/11 no Co graças a uma manobra regimental: a aprovação da nova Comissão Permanente de Avaliação (“Nova CPA”), “uma reforma do sistema de avaliação institucional e individual dos docentes, incluindo um processo racional de progressão da carreira, que permitirá retomar em breve a progressão horizontal”. Ora, enxergar racionalidade em reforma maculada por tantos vícios e rechaçada por tantas congregações é um magnífico exercício de imaginação.
Proclamadas as vitórias, o reitor retomou sua narrativa favorita: a da preparação para o futuro. Nas projeções da gestão M.A. Zago-V. Agopyan, o futuro da USP toma a forma de certas fabulações publicitárias, nas quais “sociedade” torna-se sinônimo de “mercado”. “É necessário aumentar muito a nossa interação com a sociedade, com as empresas, com as lideranças políticas, com as lideranças empresariais, com os representantes dos diferentes setores da população”.
Empresas, lideranças políticas, lideranças empresariais… será que sobrará mesmo alguma interação com os tais “diferentes setores da população”? Talvez no plano da retórica: “Nós temos obrigação de fortalecer a inclusão social na universidade, e para isso temos que concentrar nossos gastos em atividades-fim, reduzir nossos gastos com atividades-meio”. Note-se, porém, que aos olhos da Reitoria o Hospital Universitário (HU) merece ser descartado por não prestar-se nem a atividades-fim nem à inclusão social, tanto que é visto pelo reitor como um reles “parasita” (sic: http://bit.ly/2h55o2d).
“Condenados”?
Por fim, a questão decisiva: “Temos de buscar novos modelos de financiamento para a USP, não podemos continuar indefinidamente condenados à dependência de uma parcela limitada do ICMS”. E com essa deixa o reitor introduziu na narrativa futurista o programa/projeto “USP do Futuro”. Na gestão M.A. Zago-V. Agopyan, o “futuro da USP” será crescentemente privatizado, a julgar pelo diagnóstico e pelas propostas anunciadas pelo reitor ao Co em 6/12.
Confirmam-se os alertas que a Adusp vem fazendo desde que tomou conhecimento das tratativas secretas entre Reitoria, Comunitas e McKinsey. Há coincidências demais entre as “recomendações” e propostas anunciadas ao Co em 6/12 e as medidas que a Reitoria vem implantando desde 2014, tais como desvinculação dos hospitais universitários; PIDV; terceirização dos serviços próprios; e, surpresa!, “criar sistema de avaliação docente […] reconhecendo os diferentes perfis de professores”, em plena sintonia com a “Nova CPA”.
Portanto, é plausível que a McKinsey venha assessorando a gestão M.A. Zago-V. Agopyan há muito mais tempo do que se admite, prática condenável, mas usual no Brasil e no exterior.
Paralelamente, ganha consistência a hipótese de que a “Nova CPA” e as tentativas anteriores de quebrar o RDIDP e amordaçar o corpo docente (como o GT-AD) estejam relacionadas à “interação” entre a Reitoria e o grupo de megaempresários que financiam o projeto — os “Amigos da USP”.
Tais possibilidades tão desabonadoras são bem ilustradas pela síntese proferida no Co pelo próprio reitor: “Se pensarmos, de uma maneira provinciana, que nós estamos comprando um serviço da Mckinsey, realmente fica estranho. Mas não é isso. É um programa de relacionamento com a sociedade e estes empresários se dispõem a pagar um projeto que eles, com a liberdade de quem compra, compraram de quem quiseram”.
Exato, não? Valendo-se da prerrogativa de pagar a quem quiserem “com a liberdade de quem compra”, os bem posicionados “Amigos da USP” impulsionam um projeto de finalidades obscuras, contratado sem licitação e que a Reitoria busca legitimar por meio de seu “discurso empreendedor”, enquanto desqualifica o pensamento crítico e suas “críticas destrutivas”.
Ano trágico para o Brasil, 2016 só trouxe retrocessos para a USP, ao contrário do que propala a Reitoria. Dotada de apequenada visão de mundo, capturada por interesses privados, submissa frente ao governo estadual, não obstante tudo isso a gestão M.A. Zago-V. Agopyan tem conseguido avançar seu projeto de controlar o corpo docente e minar as resistências internas — basta ver a tentativa reitoral de despejar o Sintusp da sede que ocupa há décadas. A luta, porém, está no início: não nos dobraremos!
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