A McKinsey&Company Inc, sediada em Nova Iorque, é uma consultoria que mantém subsidiárias em dezenas de países de todos os continentes, atua nas mais diversas áreas — finanças, educação, energia, aeroespacial, defesa, “setor público” e outras — e está envolvida em controvérsias mundo afora. No Brasil, atua sabidamente em projetos do governo paulista e do governo federal.

Um cliente da McKinsey é o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2008, no segundo gover­no Lula, a consultoria foi contra­tada pelo banco federal para elaborar um estudo do setor de transporte aéreo no Brasil. Realizado com a consultoria técnica da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o estudo foi remunerado “com recursos do Fundo de Estruturação de Projetos do BNDES” e concluído em 2010, dando ensejo à privatização parcial do setor aeroportuário. 

Em 20/9/16, já no governo Temer, o BNDES e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) selecionaram o consórcio constituído pela McKinsey & Company, Fundação CPqD e escritório Pereira Neto|Macedo Advogados para desenhar o plano de ação nacional do projeto “Internet das Coisas”, a ser “apoiado com recursos não reembolsáveis do Fundo de Estruturação de Projetos do BNDES”.

Contudo, o estudo de maior impacto conduzido pela consultoria no Brasil foi o que levou à privatização do setor das telecomunicações durante o governo de Fer­nan­do Henrique Cardoso (FHC), anali­sado pelo professor Venício Artur de Lima no artigo “Globalização e políticas públicas no Brasil: a privatização das comunica­ções entre 1995 e 1998”, publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), em 1998. Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), Lima atualmente é pesquisador senior do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG.

Sem licitação

Em 1995, o Congresso Nacional aprovou a emenda à Constituição que quebrou o monopólio estatal das telecomunicações, e, em junho de 1996, o Ministério das Comunicações celebrou um Termo de Cooperação com a União Interna­cio­nal de Telecomunicações (UIT), por meio do qual pretendia obter “apoio técnico e metodológico com vistas à modernização do setor de telecomunicações”, vale dizer, ao novo desenho da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), à formulação do novo modelo econômico do setor e à privatização das “teles”. Não houve licitação. O orçamento inicial, de US$ 5,1 milhões, foi depois ampliado para US$ 16,6 milhões.

Para desenvolver esse trabalho, a UIT contratou como principal consultor a McKinsey & Company, Inc. “Quase um ano mais tarde, em abril de 1997, a McKinsey seria novamente contratada, agora para substituir como segunda colocada, a Coopers & Lybrand, que por ‘razões operacionais’ (sic) teve seu contrato encerrado”, diz Lima.

O professor assinala a progressiva transformação da UIT, em paralelo à redefinição conceitual do setor das comunicações, vistas não mais como serviço público, mas como uma atividade rentável. Cita Jill Hills (1997), segundo quem “a década de 1980 assinalou o surgimento de uma forma de privatização de instituições internacionais como a UIT, onde o conceito prévio de soberania nacio­nal começou a ser minado por pressões em admitir interesses privados nas negociações”. Tais mudanças, lideradas pela ação dos EUA, culminam com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a assinatura do Acordo Geral sobre Telecomunicações em 1997.

“A contratação pelo governo brasileiro da McKinsey, através da UIT, revela o componente internacional da LGT, uma das características da nova política. A UIT, um organismo das Nações Unidas, transformou-se, como vimos, em um espaço de atuação e exercício de poder dos global players do setor. A McKinsey — ela própria uma grande consultoria internacional — está em sintonia com os interesses desses global players, muitos deles clientes seus”. Assim, o projeto da LGT e o desenho da privatização da Telebras proposto pela McKinsey “adequaram-se perfeitamente aos objetivos do governo [FHC] preparando o caminho legal para a participação — sem restrições — do capital internacional no processo, como de fato veio a ocorrer”.

“Estreito vínculo”

Na vizinha Argentina, a McKinsey está operando para desfazer a Ley de Medios criada pelo governo de Cristina Kirschner. Foi o que revelou o jornalista Fernando Krakowiak, no jornal Página 12, em 11/6/16: “O governo Maurício Macri começa a fazer público seu estreito vínculo com a consultoria McKinsey. Página 12 revelou, em 22/5, que a firma norte-americana está assessorando o desenho de um novo marco regulatório das comunicações”.

Em 29/6, prossegue o Página 12, o chefe de Gabinete de Macri, Marcos Peña, ao responder a perguntas que lhe foram encaminhadas por deputados da oposição, declarou que a direção da estatal Arsat, depois de considerar as propostas apresentadas pelas empresas “Boston Consulting Group, McKinsey&Company e Bain&Co, decidiu dar início às tratativas necessárias para a contratação da firma McKinsey&Company”.

A atuação da consultoria norte-americana na Argentina repete um padrão de negociações sigilosas e de “política de fato consumado”, segundo relato do jornal: “Em 4/7 o governo difundiu no seu canal no YouTube imagens de uma reunião que o próprio Macri teve com os representantes da McKinsey em 27/6, os quais há vários meses trabalham como se o contrato tivesse sido assinado. O governo lhes pagará 12,5 milhões de pesos por uma assessoria de 16 semanas, que não é o único negócio acertado com o oficialismo”.

A relação da McKinsey com Macri não se esgota no ataque à Ley de Medios. A consultoria produziu e mandou imprimir o livro Reimaginando a Argentina, descrito por um blogue de oposição como “uma publicação bilíngue de luxo que inclui ‘25 reflexões de líderes’, todos argentinos, e que a empresa prometeu distribuir entre 1.500 lideranças globais para promover as supostas oportunidades que se abriram no país a partir da chegada de Macri ao poder”.

Quem paga?

Em Portugal, o vínculo entre o então recém-nomeado presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), banco público, e a McKinsey gerou questi­o­namentos no parlamento. O jornal Expresso de 27/9/16 revelou que António Domingues, vice-presidente do banco privado BPI convidado a assumir a presidência da CGD, “admitiu ter contratado a Mckinsey e o escritório de advogados de Sá Carneiro para o assessorar no processo de recapita­li­za­ção da Caixa antes de ser presi­dente, mas quem irá pagar será o banco público”.

“Ainda antes de tomar posse”, frisa o jornal, “António Domingues contratou a consultoria McKinsey e o escritório Sá Carneiro” para que o assessorassem no desenho do plano que seria submetido às autoridades europeias. “A escolha foi minha e resultou da minha avaliação do que seria preciso para negociar com Bruxelas”, declarou o executivo a uma Comissão Parlamentar de Inquérito, referindo-se à sede da União Europeia (UE).

“O Estado não contratou essa assessoria e a Caixa neste momento não contratou essa assessoria”, declarara, em julho, o ministro das Finanças, Mário Centeno. Frente às declarações contraditórias, o Partido Popular-CDS (democracia cristã) pediu explicações ao ministro, para que “diga quando é que o governo tomou conhecimento da contratação da Mckinsey e de Sá Carneiro” e explique “que ações tomou para garantir e fiscalizar a inexistência de conflitos de interesse, em ambas as assessorias”.

Aos deputados, prossegue o Expresso, “o novo presidente da Caixa adiantou que em agosto escre­veu ao ministro das Finanças de­fendendo que o pagamento deveria ser feito pelo banco público, uma vez que elas [as consultorias] ajudaram o plano a passar em Bruxelas”. Centeno, então, “concedeu levar ao conselho de administração da CGD esta questão do pagamento por parte do banco, onde eu não votarei porque fui eu que contratei”, explicou Domingues.  Em 28/10, os principais jornais de Portugal revelaram o valor a ser pago pelo banco estatal “por um estudo que não encomendou”: 3 milhões de euros.

Informativo nº 427

EXPRESSO ADUSP


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