Denúncia
Por R$ 5 milhões, Comunitas contrata McKinsey para desenvolver projeto a ser “doado” à USP
A entidade privada Comunitas: Parcerias para o Desenvolvimento Solidário celebrou “Contrato de Prestação de Serviços de Consultoria” no valor de R$ 5 milhões com a empresa McKinsey & Company do Brasil, para que esta preste serviços relacionados ao projeto “USP – Criando modelo de excelência de captação de recursos e gestão de aprimoramento da administração financeira”. A USP participa desse contrato na condição de “beneficiário/anuente”.
A triangulação financeira entre USP, Comunitas e McKinsey é objeto de representação encaminhada pela Adusp ao Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do Ministério Público Estadual (MPE-SP), pedindo a instauração de inquérito civil para apurar eventual fraude à Lei de Licitações.
Já na sua página inicial, o contrato entre Comunitas e McKinsey faz referência ao “Termo de Doação” e ao “Acordo de Cooperação” firmados entre ambas e a USP, respectivamente em 28/6/16 e 11/8/16, ao considerar “que o resultado do presente Contrato é o objeto do Termo de Doação retromencionado”.
Todavia, existe ainda um quarto protagonista no financiamento do projeto: “Amigos da USP”, a quem caberia remunerar a Comunitas, para que esta possa pagar à McKinsey. Mencionados de passagem na cláusula quarta do Termo de Doação, sem qualquer identificação, não se esclarece se esse grupo é formado por pessoas físicas ou pessoa(s) jurídica(s). Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o reitor M.A. Zago negou-se a nomeá-los, admitindo apenas que são “empresários”, “ex-alunos”.
No Termo de Doação, cláusula primeira, a “organização social de interesse civil público” (Oscip) Comunitas aparece como “doadora” e a USP como “donatária” do projeto, o qual “visa a criação de um modelo de captação de recursos e de gestão administrativa e financeira elaborado pela anuente”. A McKinsey figura como “anuente”.
A execução do projeto, segundo o Termo de Doação, “dar-se-á em quatro fases, a saber: Fase 1- Aspirar e avaliar; Fase 2 – Arquitetar: frente estratégia; Fase 3- Arquitetar: frente orçamentária e gestão; e Fase 4- Desenhar, validar e priorizar, sendo que, para cada fase, decorrerá um produto/resultado”.
A cláusula terceira do Termo de Doação (“Dos compromissos da Donatária – Contrapartida Social da USP”) estabelece que a USP, além de celebrar Acordo de Cooperação com a Comunitas, “efetivará todos os esforços para a consecução do projeto, objeto do presente instrumento”, bem como compromete-se “com a execução do projeto” (destaques nossos). Resta esclarecer se essas cláusulas referem-se às ações e meios para que o projeto de consultoria seja executado, ou se a universidade estaria se comprometendo de antemão com a implantação das suas conclusões.
Coautoria?
No Acordo de Cooperação entre a McKinsey e USP, a Comunitas aparece apenas como anuente. No entanto, a cláusula primeira estipula que seu objeto é “a cooperação entre os partícipes, para que a Comunitas e a Consultoria [McKinsey] possam elaborar, mediante informações prestadas pela USP, projeto para criação de um modelo de captação de recursos e de gestão administrativa e financeira” (destaques nossos). Portanto, a julgar pela letra desse instrumento, a Comunitas entra no projeto não só como financiadora e doadora, mas também como coautora ao lado da McKinsey.
Também chama atenção a cláusula segunda do Acordo de Cooperação (“Suporte Financeiro”), item 2.1, que, a exemplo da cláusula segunda do Termo de Doação, define que “não haverá repasse de valores entre a Comunitas e Consultoria e a USP”. Porém, já no item 2.2. se diz que “a Comunitas será responsável exclusiva pela contratação e respectivo pagamento da Consultoria, sendo certo que a USP anui com a referida contratação”, e no item 2.3. que a McKinsey “será remunerada conforme descrito no contrato que será celebrado entre a Consultoria e a Comunitas”.
Outra cláusula que merece destaque é a quinta, “Da Confidencialidade”, segundo a qual “As partes comprometem-se a manter sigilo, a partir da data da assinatura deste termo, sobre todas as informações, documentos e rotinas [de] que tomarem conhecimento referente[s] à concretização, ou não, do acordo”, com algumas exceções elencadas em seguida. Compromisso surpreendente para uma instituição pública que, por sua natureza, deve dar publicidade das razões e motivações quanto à concretização ou não de qualquer tipo de acordo.
A cláusula sétima nomeia a “Coordenação Técnica e Administrativa do presente Acordo”, constituída por Américo Ceiki Sakamoto (USP), Patrícia Loyola (Comunitas) e Patrícia Ellen da Silva (McKinsey). No item 7.3 estipula-se que as partes deverão “indicar os membros da equipe de trabalho, preferencialmente de forma paritária, para a realização das atividades elencadas no Plano de Trabalho (Anexo I)”. A Reitoria vem protelando a divulgação do Anexo I.
Na cláusula oitava (“Propriedade Intelectual”), o Acordo de Cooperação determina: “Mediante o pagamento integral dos honorários da Consultoria pela Comunitas, a USP obterá a propriedade de todos os relatórios e outros materiais preparados para a USP pela Consultoria, relacionados ao projeto, nos termos da Doação acordada entre as partes, porém a Consultoria reterá a propriedade de todos os conceitos, know-how, ferramentas, estruturas analíticas, modelos e projeções setoriais desenvolvidas de forma independente ou relacionadas aos serviços (as ‘Ferramentas Consultoria’), sendo certo que nenhuma das Ferramentas Consultoria conterá as informações confidenciais da USP”.
Assim, a consultoria condiciona a entrega dos materiais ao “pagamento integral dos honorários pela Comunitas”.
O Acordo de Cooperação deve vigorar até a elaboração final do projeto, conforme a cláusula nona, desde que não ultrapasse o prazo de dez meses (até 11/6/17).
“Anexo I”
O “Contrato de Prestação de Serviços de Consultoria” repete o teor de várias cláusulas dos outros documentos, acrescentando poucas porém importantes informações novas. Por exemplo, estipula, no item 1: “Os acordos de trabalho, incluindo o escopo de Serviços, Materiais […], composição de equipe e plano de trabalho serão descritos nas propostas da McKinsey, enviados à Comunitas e aceitos pelas partes (‘Proposta’) e anexos ao presente contrato conforme o Anexo I”.
A consultoria fornecerá “dados, relatórios, informações e mão-de-obra para cumprir com as ações e atividades objeto do Acordo de Cooperação”, bem como contará “com a cooperação oportuna do Beneficiário [USP], ora anuente, incluindo a disponibilização de dados relevantes, informação e mão-de-obra executando quaisquer tarefas ou responsabilidades que tenham sido designadas à Comunitas e Beneficiário no Anexo II [Termo de Doação]”. Portanto, a USP obriga-se a fornecer pessoal para executar “tarefas ou responsabilidades designadas à Comunitas”.
O item 2 estipula que a Comunitas pagará à McKinsey R$ 5 milhões, livres de impostos, “por seus honorários profissionais e despesas, para as quatro fases dispostas no Anexo II, sendo certo que, neste momento, apenas a 1ª fase está aprovada, no valor de R$ 1.750.000,00”. As fases seguintes dependem de expressa autorização da Comunitas e da USP, mediante a qual serão pagas as respectivas parcelas.
Merece atenção o item 6, que trata de conflito de interesses: “É política da McKinsey, há muito estabelecida, prestar serviços a clientes concorrentes e com interesses potencialmente conflitantes […] e fazê-lo sem comprometer a responsabilidade profissional de manter sigilo a respeito de informações dos clientes”. Acrescenta: “Para evitar situações potencialmente conflituosas, os consultores que tiverem acesso às informações confidenciais de um cliente não serão designados para projetos sensíveis em termos de concorrência pelo período de um ano, após terem sido alocados para trabalhar com o Beneficiário/Anuente [USP]”. Desse modo, a McKinsey aparenta maior preocupação do que a USP com a ocorrência de conflito de interesses.
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