CNE propõe liberar criação de cursos de pós-graduação em universidades “bem ranqueadas” e ameaça ampliar desigualdades regionais
Denise Pires de Carvalho anunciou pedido feito a Santana e defendeu portaria (foto: Ester Cruz/Capes)

A presidenta da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Denise Pires de Carvalho, anunciou que o ministro da Educação, Camilo Santana, recebeu a solicitação de que não seja homologado o Parecer CNE/CES no 331/2024, a fim de que o texto seja devolvido para reavaliação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

A informação foi dada durante a reunião do Fórum Nacional de Educação (FNE), realizada na segunda e na terça-feira (12 e 13 de agosto), em Brasília.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por meio de sua representante no FNE, Fernanda Sobral, professora emérita da Universidade de Brasília (UnB), foi uma das entidades que questionaram o texto na reunião.

Aprovado em 12 de junho, o parecer, que aguarda homologação do Ministério da Educação (MEC), propõe uma revisão da Resolução CNE/CES nº 7, de 2017, que estabelece as normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação stricto sensu.

De acordo com a mudança aprovada pelo CNE, as Instituições de Ensino Superior consideradas consolidadas poderão instituir novos cursos de mestrado e doutorado sem precisar de aprovação da Capes.

O texto determina que a entrada no Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) se dará: “I – pela avaliação e aprovação realizada pela Capes de propostas encaminhadas pelas instituições, submetidas à deliberação da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação – CES/CNE e homologadas pelo Ministro de Estado da Educação; e II – pela criação de programas por universidades que tenham sido certificadas como consolidadas e que gozem da sua autonomia assegurada pelo art. 207 da Constituição Federal de 1988, submetidos à deliberação do CNE e à homologação do Ministro de Estado da Educação”.

Ainda de acordo com o texto, universidades consolidadas são aquelas que, além de comprovada contribuição científica qualificada e com cursos e programas de impacto regional, nacional e internacional, possuam, no mínimo, dez programas de pós-graduação com conceitos 6 ou 7.

O relatório aprovado pelo CNE defende que “é preciso diversificar e flexibilizar o financiamento” da pós-graduação no Brasil.

“São necessárias alternativas, com vistas à indução de novos caminhos para a formação de pessoal. Instituições inovadoras e revigoradas interagindo com diferentes atores podem gerar novos modos de fomento destinadas à formação de alto nível, necessária para que as organizações públicas e privadas se mantenham relevantes. As empresas, os governos, a academia e a sociedade civil organizada precisarão de profissional com perfil diferente daquele que temos no presente. Um novo modelo de financiamento deve apoiar o planejamento institucional, o atendimento de metas e as mudanças sustentáveis na pós-graduação”, diz o relatório.

“Não há preocupação com pesquisa socialmente referenciada”, considera Andes-SN

O parecer vem recebendo críticas de várias entidades. Na avaliação de Clarissa Rodrigues, da coordenação do Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia (GTC&T) do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), as alterações propostas ampliam as desigualdades regionais, uma vez que os programas considerados “consolidados” estão concentrados nas regiões Sudeste e Sul do país.

Atualmente, apenas 17 universidades cumprem o critério definido no parecer do CNE: 14 delas no Sul e Sudeste, duas no Nordeste e apenas uma no Centro-Oeste. A região Norte não conta com nenhuma instituição consolidada, conforme os critérios da resolução.

“As mudanças reforçam a hierarquia de instituições ao possibilitar que aquelas que já conseguem financiamento tenham mais condições nas ‘disputas’, e criam duplicidade de critérios que impactará a avaliação dos programas. Isso estimula competitividade e produtivismo para se atingir o patamar de ‘consolidada’. Em síntese, não há nenhuma preocupação com uma pesquisa que esteja socialmente referenciada”, acrescenta a 2ª vice-presidenta da Regional Leste do Andes-SN.

No 67º Conad do Sindicato Nacional, realizado em julho em Belo Horizonte (MG), a categoria docente aprovou a continuidade da luta por financiamento exclusivamente público e adequado para a ciência e tecnologia públicas, que atendam os interesses e a pluralidade da classe trabalhadora.

Presidenta da Capes defende adoção da nova portaria

O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop), entidade com representantes de 273 universidades brasileiras, publicou nota na qual requer a revisão do parecer e reforça que a resolução introduz um critério não-isonômico no SNPG.

“Esse critério vai na contramão da tão propagada necessidade de redução de assimetrias e interiorização da ciência brasileira, consideradas, especialmente, as regiões em que o desenvolvimento da pós-graduação é recente”, afirma a entidade. “Introduzir um critério que pode aumentar a assimetria na distribuição do fomento à pesquisa – visto que, uma vez no SNPG, um PPG passa a ser financiado pela Capes através dos seus programas de auxílios e bolsas – não nos parece a medida mais adequada para reduzir a desigualdades históricas na ciência do país.”

Em nota conjunta, a Associação Nacional de História (Anpuh) e outras 30 entidades e associações “manifestam profunda preocupação e discordância em relação” ao parecer.

“Essa medida não apenas perpetua, mas também intensifica a concentração de recursos e oportunidades nas regiões historicamente favorecidas, desconsiderando a necessidade de fomentar o desenvolvimento da pós-graduação nas regiões menos favorecidas e interiorizadas do Brasil. Tal concentração reforça a migração de talentos das áreas mais carentes para os grandes centros, privando essas regiões de pesquisas que poderiam trazer significativas contribuições locais”, diz o texto.

A Universidade Federal da Bahia (UFBA) também divulgou nota contra a homologação. “Caso seja aprovado sem alteração do texto, o parecer divide as instituições em lados opostos da formação pós-graduada ao criar duas classes de Instituições de Ensino Superior no país. É, portanto, desagregador, além de aprofundar diferenças e competitividades desnecessárias, acentuando desigualdades, sobretudo regionais”, afirma a instituição.

Por sua vez, a presidenta da Capes, Denise Carvalho, afirmou na reunião do FNE que a portaria não necessariamente geraria desigualdades regionais, porque elas já existem. A Capes solicitou a supressão do artigo que trata da autonomia das universidades com cursos consolidados para criar novos, em função de possíveis casos de judicialização.

A presidenta da agência defendeu a necessidade de adoção da nova portaria, que considera muito melhor do que a de 2017 em relação a vários itens.

(Com informações do Andes-SN e da SBPC)

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!