Governo do Estado
Comunidade científica e acadêmica reivindica ao relator da LDO a retirada de dispositivo que permite corte de 30% no orçamento da Fapesp em 2025
Representantes das universidades estaduais e federais de São Paulo, dos institutos de pesquisa e de outras instituições da comunidade científica e acadêmica reivindicaram ao relator do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, deputado Barros Munhoz (PSDB), a exclusão do inciso IV do artigo 22 do texto, que permite o corte de 30% no orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Estamos aqui defendendo a revogação do inciso, que do nosso ponto de vista é inconstitucional, porque a Constituição do Estado fala em destinação de ‘no mínimo’ 1% da receita tributária à Fapesp”, afirmou a professora Michele Schultz, presidenta da Adusp e coordenadora do Fórum das Seis, na reunião realizada nesta quarta-feira (19/6) na Assembleia Legislativa (Alesp).
O dispositivo incluído pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD) no texto da LDO permite a aplicação da Desvinculação das Receitas de Estados e Municípios (DREM) às receitas destinadas à Fapesp. O corte de 30% equivaleria a retirar cerca de R$ 600 milhões do orçamento da agência.
Na abertura da reunião, convocada pela deputada Beth Sahão (PT), coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Públicas e dos Institutos de Pesquisa e autora de uma emenda à LDO que veda a aplicação da DREM no orçamento da Fapesp, Munhoz afirmou que o governo considera que essa previsão existe na Constituição Federal e que não será necessariamente aplicada ao longo do ano que vem.

A presidenta da Adusp rebateu afirmando que o inciso está baseado na reforma tributária, recentemente aprovada, e que sua manutenção no texto da LDO é temerária, “especialmente com o alinhamento político do governador”.
Michele Schultz mencionou também as emendas apresentadas pelo Fórum das Seis, que defendem a destinação de um percentual maior do ICMS-QPE para o financiamento das universidades estaduais, além da inclusão da expressão “no mínimo” ao artigo 5º, que estabelece o repasse de 9,57% do ICMS-QPE para as três universidades. Reivindicou ainda espaço na Alesp para a discussão de alternativas para o financiamento de USP, Unesp e Unicamp, uma vez que a reforma tributária prevê a extinção do ICMS.
“A gente gostaria que esse corte da Fapesp fosse retirado, porque ele vai ser muito prejudicial à ciência em nosso Estado”, resumiu a deputada Beth Sahão. Barros Munhoz, por sua vez, admitiu que “o projeto é polêmico e é problemático”.
Pesquisadora lamenta ameaça de corte na pesquisa em meio à ocorrência de eventos extremos
Thais Mercante, pesquisadora científica do Instituto de Pesca do Estado, fez uma intervenção contundente na reunião ao contextualizar o “momento dramático” que a sociedade vive quanto “à vulnerabilidade em relação às questões climáticas, doenças e eventos extremos”. “É estranho estar aqui para defender a ciência no momento atual”, afirmou. “Estamos tentando falar da sobrevivência da ciência num mundo em caos climático.”
A pesquisadora lamentou a perda de recursos humanos nas universidades e institutos de pesquisa públicos do Estado e a permanência de “uma visão imediatista que desconsidera a previsão de eventos para nos prevenir”.
“Temos águas poluídas, reservatórios poluídos, esgoto doméstico não tratado e lançado in natura. Temos poluição nas águas, no solo e do ar no Estado de São Paulo e estamos preocupados em cortar 30% de uma fundação que nos apoia e nos incentiva a buscar a geração de conhecimento e também a solução dos problemas que ocorrem em São Paulo”, ressaltou. “No ano que vem o Acordo de Paris completa vinte anos. Que exemplo o Estado de São Paulo vai dar para o Brasil e o mundo?”
Marimélia Porcionatto, professora da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e integrante da Diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), também fez referência ao fato de que o dispositivo incluído no texto da LDO não será necessariamente aplicado. “Não podemos confiar que lá na frente, numa emergência, não venha a ser usado”, afirmou.
“Não queremos ser consumidores de tecnologia, queremos ser produtores de tecnologia, de conhecimento, de inovação. Para isso é preciso ter investimento em ciência básica, e a Fapesp financia toda a cadeia, desde a ciência básica até a inovação”, afirmou.
Numa “conta de padaria”, prosseguiu, o montante do corte poderia financiar mil projetos de pesquisa por dois anos. “A Fapesp é fundamental para o desenvolvimento do Estado, e esse corte vai impactar a pesquisa em São Paulo”, concluiu a professora.
Marie-Anne van Sluys, docente do Instituto de Biociências (IB) da USP e vice-presidenta da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), afirmou que “o investimento em ciência representa o futuro de uma sociedade” e que “a comunidade científica está atenta ao que está ocorrendo ao redor do mundo e é capaz de fazer propostas de financiamento inovadoras”.
A professora lembrou ainda que a Fapesp mantém importantes parcerias com as secretarias de Estado de São Paulo, como o Programa de Pesquisa em Educação Básica (ProEduca).
Outros(as) representantes da comunidade acadêmica também se manifestaram, incluindo pró-reitores(as) das universidades federais e a pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, Ana Maria Frattini Fileti. Já a USP não enviou nenhum membro da Administração Central à reunião.
Relator menciona aumento da “contribuição privada” para as instituições
Depois das intervenções do público, Barros Munhoz falou sobre a possibilidade de financiamento privado nas ciências e tecnologia e perguntou “por que o Brasil não copia outros países em matéria de aumentar a contribuição privada para as instituições”. Alguns e algumas dos(as) presentes defenderam a modalidade e relataram casos e experiências.
A presidenta da Adusp pediu novamente a palavra para apresentar uma visão antagônica. “Defendemos financiamento exclusivamente público para uma ciência e uma tecnologia públicas, alinhadas com algo que é fundamental para o desenvolvimento de suas atividades, que é a autonomia”, afirmou. “Uma vez que começam a entrar recursos privados, a autonomia está comprometida porque a destinação desse financiamento já está predefinida por meio dos interesses do empresariado.”

O Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243) existe desde janeiro de 2016, lembrou. “Por que não vingou e não está vingando? Porque o setor privado não tem interesse, está interessado em lucro.”
Michele Schultz ressaltou que o financiamento público em ciências e tecnologia é alto inclusive nos países do Norte global e que o orçamento público do setor no Estado de São Paulo é pequeno na comparação com esses países.
Noutro momento, a professora já havia agradecido ao deputado pela defesa que fez da USP, da Unesp e da Unicamp na malfadada CPI das Universidades, que a Alesp levou a cabo em 2019. Munhoz agradeceu a menção e disse que a CPI foi criada por “desforra” por conta de interesses pessoais contrariados, como cargos não obtidos ou a não criação de uma faculdade pública na região representada por determinado parlamentar. “Sou um defensor das universidades de São Paulo. Sou uspiano e meu filho [Eduardo Secchi Munhoz] é professor da Faculdade de Direito”, disse.
No encerramento da reunião, o relator da LDO enfatizou que o contato com os(as) representantes da comunidade acadêmica e científica havia sido “extremamente importante”. “Tenho consciência da responsabilidade, e vou me empenhar ao máximo para fazer o que for possível fazer”.
Munhoz, no entanto, apresentou a reprodução de uma notícia publicada na imprensa segundo a qual o governo federal estuda prorrogar a vigência do mecanismo de Desvinculação de Receitas da União (DRU), prevista para se encerrar neste ano.
“Tudo isso que o governo do Estado está querendo fazer, o governo federal faz”, disse. “Não estou defendendo, estou apenas alertando que às vezes o mau exemplo é seguido. Que São Paulo não siga esse caminho”, finalizou.
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