Conselho Universitário adia por 30 dias decisão sobre HU, mas aprova desvinculação do HRAC

“Demissões voluntárias” (PIDV) e reajuste salarial serão discutidos em 2/9, em nova reunião do Co

Na reunião do Conselho Universitário (Co) de 26/8, realizada no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a proposta da Reitoria de desvinculação do Hospital Universitário (HU) foi retirada da pauta por 30 dias. Porém, o Co aprovou por 63 votos a favor, 27 contrários e 16 abstenções a desvinculação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC). Outros pontos previstos na pauta, como a proposta de criação de um Plano de Incentivo a Demissões Voluntárias (PIDV) e a questão das negociações salariais, foram remetidos a uma nova reunião do Co, a ser realizada já em 2/9.

A reunião foi tensa e conturbada, segundo relatos de diversos conselheiros. O reitor M.A. Zago e o vice V. Agopyan queriam aprovar imediatamente sua proposta de desvinculação da USP tanto do HU quanto do HRAC, que veio a público apenas duas semanas antes (14/8) e foi divulgada oficialmente havia, somente, dez dias. Mas o próprio reitor anunciou, no início da reunião, que a deliberação sobre desvincular o HU seria retirada de pauta por 30 dias, dizendo levar em consideração as preocupações manifestadas pelos estudantes da Faculdade de Medicina (FM) e da Escola de Enfermagem (EE).

Profissionais de saúde do HU compareceram em peso à portaria principal do IPT, para protestar contra os planos da Reitoria. Médicos, funcionários e residentes do HU eram a maioria dos presentes, além de estudantes da FM, que aprovaram paralisação das atividades acadêmicas contra a entrega dos hospitais universitários para a Secretaria de Saúde do Estado. “Embarca na nossa luta, embarca! Corta o Zago, mas não corta o ponto!”, cantavam os manifestantes.“Não venha com a fundação privatizar o HU alheio!”.

Eder Gatti, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, enfatizou a relevância do hospital universitário para a formação de pessoal na área da saúde. “O Sistema Único de Saúde [SUS] tem um problema muito sério de recursos humanos. A USP, abrindo mão do HU, vai estar abrindo mão de um campo de estágio muito importante para a formação desses recursos humanos, de uma ferramenta que vai solucionar um dos principais problemas do nosso sistema público de saúde”, afirmou. “Uma vez entregue para o governo do Estado, não sabemos como será a administração desse hospital. Pode ser que a excelência que esse serviço tem hoje seja comprometida, o hospital entraria na política estadual de administração da saúde e a gente observa que muitos serviços estaduais são entregues hoje a organizações sociais. Isso certamento comprometerá a qualidade da assistência no HU”.

Meire Vieira, funcionária do HU e diretora do Sintusp, destacou os riscos embutidos nas medidas da Reitoria: “A gente sabe que o pacote de maldades não é só a desvinculação do HRAC e do HU, é muito mais extenso! A união tem que continuar para que não prejudiquem as outras unidades, para que a gente consiga proteger o CEPE-USP, as bibliotecas, a Escola de Aplicação, as creches, tão importantes para todo mundo”.

“Sou médico residente do HC, estudei também nesta universidade, conheço o HU e vivi os melhores anos da minha formação médica no HU. Ele é um hospital modelo, que não existe igual em nenhum lugar do Brasil, hospital público melhor não existe! É um paradigma, uma pedra no sapato de qualquer governante que seja contra os serviços públicos!”, afirmou Ciro Matsui.

Incertezas x “alegria”

“Somente às 12h12 recebemos a informação oficial do local do Co”, relata a conselheira Marilene Proença, representante suplente da Congregação do IP. “A reunião foi cercada por incertezas sobre o local, fomos informados por telefone com pouco mais de uma hora de antecedência de que ela ocorreria no IPT em função de possibilidades de manifestações (essa justificativa foi oferecida na fala inicial do reitor)”, diz o conselheiro Luiz Silveira Menna-Barreto, representante da Congregação da EACH.

A reunião teve início por volta de 14h15, só terminando às 19h00, quando foi interrompida pelo reitor em face do horário adiantado. Na fala de abertura, o reitor relatou o sentimento de “alegria” que experimentou ao visitar a EACH na semana anterior, quando teve a oportunidade de conversar com docentes, funcionários e estudantes sobre a reocupação daquele campus

Em seguida o presidente interino da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP), professor Geraldo Martins da Costa, explanou sobre a situação financeira atual, enfatizando a previsão, para o presente ano, de um déficit de aproximadamente R$ 1 bilhão. Caberá ao Co apreciar até dezembro como utilizar as reservas da universidade. Reiterou as dificuldades financeiras, com empenhos vencidos em 2014 e que, conforme disse, não estavam previstos no Orçamento. Apresentou um quadro bastante difícil para este semestre.

Depois foi a vez de o professor Reinaldo Guerreiro (FEA) apresentar a proposta de criação de uma Controladoria da USP, que seria responsável pela avaliação dos processos de gestão. “Minha leitura dessa apresentação foi de que não passou de um acúmulo de generalidades óbvias sobre princípios de gestão responsável. Ficou no ar a questão do custeio dessa Controladoria numa época de contenção generalizada de despesas”, observaria mais tarde o professor Menna.

Protestos de conselheiros

Dirigida pelo reitor, a mesa impôs um controle draconiano das intervenções, alegando ser a pauta “muito extensa”. O professor Marcos Martins, vice-diretor do IF, informa que houve “queixa geral”, pois o tempo total concedido às manifestações dos conselheiros foi muito curto. “Muitas pessoas se inscreveram, a mesa diretora escolheu dois docentes, dois estudantes e um funcionário para falarem na primeira parte do Expediente. Os demais (nos quais fui incluída) ficamos para o final do Co, final este que não aconteceu pois fomos até o segundo ponto da pauta, referente à desvinculação de hospitais da USP”, explica a professora Marilena (IP).

“Na sequência, na palavra aos membros, o reitor estipulou, sob vários protestos, o teto de 30 minutos para as falas, com 5 minutos no máximo por fala”, resume Menna (EACH). “Somente quatro conselheiros conseguiram realizar suas falas: os representantes da Congregação do IME e da [Congregação da] EACH, bem como um representante discente e um representante dos servidores técnicos-administrativos. Em linhas gerais, todos defenderam a retirada de pauta dos pontos polêmicos, solicitando mais tempo para que a Comunidade USP pudesse realizar debates em torno das propostas”, relata José Renato Araújo, representante dos professores-doutores no Co.

“Fui o segundo a falar e, infelizmente, não pude me deter na questão da desvinculação do HU e do HRAC, mas manifestei meu acordo com a sugestão do representante da congregação do IME que me antecedeu, na qual recomendou a retirada de pauta para mais discussões”, conta Menna. “Mencionei esse fato e utilizei os poucos minutos para contrapor fatos a respeito da visita (e alegria) do reitor à EACH. Pontuei que a visita foi uma surpresa inesperada (nem a direção sabia), que as conversas se limitaram aos docentes e funcionários presentes na reunião do CTA e que os estudantes se mobilizaram rapidamente ao saber da visita e pediram conversa, na qual teriam manifestado dúvidas em relação à situação ambiental da EACH. Conclui minha fala mencionando o problema do depósito ilegal de terra e cobrando ações e cronogramas por parte da administração central”. 

A severa contestação de Menna à fala do reitor incluiu ainda outros aspectos do comportamento da Reitoria frente ao campus leste, segundo relato do professor José Renato: “O representante da EACH expôs a situação vivida pela unidade, de muita fragilidade devido à recente interdição, e ressaltou que apesar de um número considerável de docentes ter assinado documento sobre a liberação do campus e o retorno das atividades, o qual fora veiculado pela Reitoria para toda a USP, há um outro número considerável de docentes na unidade que ainda espera uma atuação mais responsável da Reitoria, principalmente em relação à retirada de terra contaminada existente no campus fruto de um crime ambiental cometido durante a gestão anterior da diretoria, questões ainda em aberto na realidade da EACH”.
Ainda no Expediente, o Co elegeu membros das comissões estatutárias. Contudo, não houve disputa, pois em todos os casos houve uma única indicação por vaga. Na eleição de um membro docente do Co para compor, na condição de titular, a COP, tendo em vista o término do mandato do atual presidente, professor Sigismundo Bialoskorski Neto, que acaba de deixar a direção da FEARP. Foram eleitos, igualmente, membros da CCAD, do Conselho Editorial da Editora da USP e os representantes discentes na Caeco. Os votos foram apurados ao final da sessão.

Ordem do dia: HU e HRAC

A Ordem do Dia foi iniciada com a votação da tabela de vagas para o vestibular 2015, em número igual às de 2014. A proposta da Reitoria foi aprovada sem votos contrários, com algumas abstenções.

Iniciado o Caderno II, o reitor leu um texto para introduzir o tema. Ele expôs, segundo Menna, sua visão sobre o que chamou de “conservadorismo na academia que impede mudanças”, citando inclusive exemplos do exterior, e noticiou ampliação da participação da comunidade na elaboração do orçamento, especialmente de diretores de unidades que têm prazo até 23/9 para manifestações e sugestões. Sobre a questão salarial, M. A. Zago anunciou que faria pronunciamento ao final da reunião, mas adiantou que a responsabilidade por uma negociação seria compartilhada com o Co (e não mais uma decisão dele reitor).

Por fim, o reitor anunciou a retirada de pauta do ponto 1, justificando que recebeu documentos dos estudantes do HU dizendo que seriam prejudicados caso fosse aprovada a desvinculação. “Foi uma boa surpresa para o plenário e um certo alívio. Propunha que o assunto fosse retirado de pauta para que fosse instalada uma comissão para estudar a questão e avaliar os questionamentos apresentados, voltando no Co de setembro”, afirma a representante da Congregação do IP.

Houve questionamentos no sentido de que a proposta de desvincular o HRAC também deveria ser retirada de pauta, pois se tratava do mesmo item. Contudo, o reitor rejeitou esses pedidos, alegando tratar-se “de um caso diferente do HU”, e por ter recebido a manifestação da direção da FOB para que a questão fosse deliberada naquela sessão do Co.

Antes da votação houve a apresentação de dois documentos. O professor Sebastião dos Santos, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), mostrou um relatório sobre o HU e o HRAC, encomendado pela Reitoria com a finalidade de subsidiar a proposta de desvinculação. O relatório, que compara os custos operacionais do HU aos de hospitais semelhantes, como o Hospital das Clínicas (HCFMUSP) e o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCFMRP), e aponta um custo operacional mais alto do HU, foi muito contestado na reunião do Co.

Coube ao vice-reitor apresentar outro relatório, sobre os salários no HU, no qual ressaltou a diferença de vencimentos em relação ao HCFMUSP. De acordo com V. Agopyan, os funcionários do HU ganham bem melhor que os do HC.

Depois de tais exposições começou a discussão sobre o HRAC, iniciada pela manifestação da professora Maria Aparecida de Andrade Moreira Machado, diretora da FOB, unidade que se relaciona diretamente com o hospital. Ela demonstrou apoio à proposta da Reitoria, afirmando que esta não era somente a sua posição enquanto diretora, mas da comunidade que se relaciona diretamente com o HRAC, depois de ter realizado “ampla consulta” a toda a comunidade por meio da Congregação da FOB e dos órgãos diretivos do próprio HRAC.

Em seguida manifestaram-se a representação discente e a representação dos funcionários, que solicitaram a retirada de pauta da questão do HRAC, o que foi prontamente rechaçado por M. A. Zago, que encaminhou a questão para votação. Ele rejeitou até mesmo a possibilidade regimental de vistas do processo, solicitada por Neli Wada, conselheira representante dos funcionários.

Desse modo, a Reitoria obteve 63 votos favoráveis à desvinculação do HRAC, mais do que os 58 necessários à aprovação da medida. A intervenção “chapa-branca” da direção da FOB, já antecipada em reunião local, pode ter arregimentado os votos que fizeram a diferença. O vice-diretor do IF, propenso a votar contra a desvinculação, mas sem “clareza nenhuma” quanto ao assunto, resolveu mudar de posição após ouvir a intervenção de Bauru: “Ela fez um relato de que todas as categorias são a favor. Votei a favor da desvinculação do HRAC, porque o pessoal de lá é a favor”, explica ele, ressaltando porém que permanece inteiramente contrário à desvinculação do HU.

O conselheiro José Renato Araújo foi um dos que mantiveram posição contrária à desvinculação do HRAC: “O voto da representação dos professores doutores no Co foi contrário à proposta da Reitoria, uma vez que a nosso ver o tempo de discussão na Comunidade USP sobre a questão foi muito exíguo!”, declara em seu blogue.

Finalizada a votação, o reitor decidiu encerrar a sessão, mas antes informou que as decisões sobre as negociações e todas as decisões sobre salários e demais temas financeiros serão, a partir desse momento, aprovadas no Co. Procurou implicar os membros do Co em tudo o que for decidido e chegou a determinar ao procurador geral da USP, Gustavo Monaco, presente à reunião, que desse sua opinião sobre o tema, a mesma defendida pelo reitor, qual seja: a de que dar reajuste sem dinheiro suficiente em caixa pode configurar improbidade administrativa.

O professor Martins qualifica a manobra como “ameaça velada” aos membros do Co: “Se isso é verdade [o risco de incorrer em improbidade], por que [o ex-reitor J.G.] Rodas não está sendo processado?”, questiona o vice-diretor, que teria feito essa pergunta ao reitor se a reunião não tivesse sido encerrada. “A discussão da próxima terça-feira tem tudo para ser muito interessante”, conclui.

 
 

EXPRESSO ADUSP


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