A Agência USP de Inovação (Auspin) está decidida a acelerar a implantação do pretendido “quarto pilar” da universidade, “inovação e empreendedorismo”, mediante a conversão acrítica de estudantes de graduação em supostos empreendedores e empreendedoras.

No último dia 3/4, a agência lançou seu Edital 1.701/2023, de seleção do Programa de Bolsas de Intercâmbio Internacional para aluno(a)s de graduação da USP, na modalidade “Empreendedorismo”. As bolsas variam de R$ 6 mil mensais, quando o intercâmbio for na América Latina, a R$ 10 mil mensais quando se tratar de outros países. As inscrições se estenderão até 11/5 e o intercâmbio se iniciará entre agosto e setembro deste ano.

A Auspin reservou o expressivo montante de R$ 1,16 milhão para o programa, que se baseia na Portaria GR 6.640/2015 e apresenta uma série de particularidades bastante questionáveis.

Parece que se pretendia, conforme e-mail encaminhado diretamente pela Auspin ao corpo docente em 3/4, “conceder auxílios financeiros para alunos(as) que fazem parte de entidades estudantis voltadas à inovação e empreendedorismo com propósito [de] desenvolver projetos que promovam a melhoria de práticas associadas ao desenvolvimento da inovação e empreendedorismo na Universidade de São Paulo, ou projetos de desenvolvimento tecnológico, inovação e empreendedorismo no geral” (destaques no original).

Curiosamente, no entanto, as “entidades estudantis voltadas à inovação e empreendedorismo” citadas pela Auspin no comunicado aos docentes não constam do Edital 1.701/2023, onde não há qualquer referência a elas.

Há outros aspectos perturbadores na iniciativa da agência. Um deles é o fato de que caberá exclusivamente ao(à) discente “a escolha do projeto e sua obtenção do aceite da instituição destino”. Além disso, a instituição onde se dará o intercâmbio poderá ser uma empresa, “preferencialmente com base tecnológica”, ao invés de uma instituição de ensino ou centro de pesquisa. Embora possa parecer mais atraente para jovens discentes que tenham interesse numa formação “profissionalizante”, essa alternativa tende a apartá-lo(a)s mais precocemente de um ambiente acadêmico, num momento em que ainda não completaram sua formação.

O edital detalha os possíveis destinos de intercâmbio, citando, além de instituições públicas e organizações governamentais, “institutos de pesquisa e centros de inovação públicos ou privados; empresas de base tecnológica, incubadoras e startups”. Uma das justificativas apresentadas no documento é que o auxílio fornecido “visa impulsionar a qualificação e a empregabilidade [sic] dos(as) interessados(as) por meio da oportunidade de educação, especialização e contato com diferentes culturas”.

Mais grave ainda é a decisão da Auspin, referendada pela Reitoria, de incluir na banca de avaliadores dos projetos que vierem a ser inscritos no edital pessoas estranhas à USP e às universidades públicas: “O processo seletivo é realizado por uma banca de avaliadores formados por docentes da Universidade de São Paulo e de outras universidades, profissionais da área de inovação de empresas parceiras, além de ex-bolsistas, envolvendo desta maneira todos os segmentos da sociedade” (destaques nossos).

Em outro ponto do edital, as bancas de seleção são assim definidas: “Todas as inscrições que atendam aos requisitos do presente Edital serão avaliadas por Comissão ad hoc da Auspin, formada por especialistas do setor empresarial e comunidade USP”.

Uma vez que se trata de um processo de seleção de projetos que envolve recursos públicos expressivos, a participação de profissionais estranhos à USP e ligados a empresas, ainda que “parceiras” (cabendo definir ainda quais os critérios para tal designação), não é recomendável, podendo aumentar as chances de conflito de interesses.

Outro dispositivo do edital que chama atenção é o item V, ponto 2 (“Análise da Instituição no Exterior”), cujo item “a” diz o seguinte: “Neste item será verificada a relevância da instituição de destino considerando a sua classificação nos principais rankings mundiais de sua área e sua relevância na realização de projetos de cunho inovador/empreendedor”. No que diz respeito à América Latina, sabe-se que a maioria das instituições de ensino superior tem dificuldades para obter boas posições nos rankings, dominados por instituições de países como EUA, China e Europa central.

EXPRESSO ADUSP


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