Após desmatar 17 mil m², Instituto Butantan promete acatar recomendação de não derrubar mais árvores até o Ministério Público concluir investigação
Imagem do Google Earth feita em maio de 2022 mostra as áreas desmatadas (reprodução do parecer do CAEx)

A Promotoria de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou inquérito civil para investigar denúncia de possíveis irregularidades na derrubada de quase mil árvores do Instituto Butantan, num processo de desmatamento que, de 2021 a meados de 2022, atingiu 17,4 mil m2 da área do instituto. Depois de receber parecer técnico baseado em vistoria realizada no Butantan a seu pedido, em setembro de 2022, e que constatou corte ilegal de árvores de espécies protegidas e situadas em Área de Proteção Permanente (APP), a Promotoria teria recomendado ao Butantan que suspenda a derrubada.

reprodução do parecer do CAExreprodução do parecer do CAEx
Vistoria documentou a derrubada de árvores

Embora alegue só haver cortado árvores mediante autorização dos órgãos fiscalizadores competentes, como a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), e negue que tenha ocorrido violação de APP, o Butantan declarou ao Informativo Adusp que acata a recomendação da Promotoria e que vai abster-se de suprimir mais árvores até que o inquérito seja concluído.
De acordo com o biólogo João Paulo Leite Tozzi, do Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEx) do MP-SP, “houve o corte de centenas de árvores especialmente protegidas nas categorias Imunes de Corte, Vegetação Significativa, Vegetação de Preservação Permanente – VPP e consideradas Patrimônio Ambiental”.

Em parecer técnico emitido após vistoria realizada “em caráter de urgência” no Butantan em 26/9/2022 e ao qual o Informativo Adusp teve acesso, Tozzi afirmou ter comprovado “haver desmatamento naquela área de vegetação protegida ambientalmente, inclusive com obras de grande porte em APP [Área de Proteção Permanente] de curso d’água com consequente descaracterização ambiental, paisagística e arquitetônica de patrimônio tombado” e “acentuado desmatamento da área de vegetação IMUNE DE CORTE [destaque do original], em área de Bosque Heterogêneo com a ocorrência de bioma Mata Atlântica”.

O parecer recomendou, “com urgência”, “a paralisação imediata de toda a degradação e desmatamento de qualquer área nas dependências do Instituto Butantan”, medida que o MP-SP teria recomendado ao Butantan. O inquérito civil corre em sigilo, o que dificulta o acesso às manifestações da Promotoria.

O inquérito foi aberto no dia 9/9/2022, depois que a Rede Butantã de Entidades e membros do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e Cultura da Paz (Cades) Regional do Butantã apresentaram representação ao MP-SP.

De acordo com a denúncia, além da ilegal supressão arbórea em APP, as intervenções destruiriam ou descaracterizariam prédios históricos tombados, provocando prejuízos ao ambiente e ao patrimônio histórico.

As obras, sob responsabilidade da Fundação Butantan (entidade privada dita “de apoio” ao instituto público), não estão relacionadas diretamente à ampliação da produção e comércio de vacinas ou a atividades de pesquisa e extensão, apontam os denunciantes, mas sim à construção de um restaurante e de um edifício-garagem de seis andares.

Butantan diz ter licenciamento para obras já iniciadas

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Butantan enviou manifestação ao Informativo Adusp na qual diz que, “mesmo estando regular sobre todos os temas”, o instituto “acatou a recomendação do Ministério Público de paralisação dos manejos, até que o caso seja esclarecido por todas as partes envolvidas”.

O corte de árvores e intervenções como a construção de novas obras na área do instituto, que desde 1981 é tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), precisam ser analisados por diversos órgãos municipais e estaduais, como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), a SVMA, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) e o próprio Condephaat.

O Butantan alega que numa vistoria realizada em 30/9/2022 – poucos dias depois daquela realizada pelo técnico do CAEx – “foi constatado que não houve qualquer supressão de árvores no local das obras mencionadas”.

De acordo com o instituto, nessa vistoria, da qual participaram representantes de diversos órgãos, “foram identificadas outras obras, já em andamento, que possuíam autorização de licenciamento ambiental dos órgãos públicos competentes condicionadas ao reflorestamento de 4 (quatro) árvores para cada uma derrubada (recuperação ambiental Nível IV)”. A íntegra da resposta enviada pelo Butantan ao Informativo Adusp está disponível abaixo.

Parecer técnico sustenta que todas as árvores são “imunes de corte”

O parecer técnico do CAEx contraria o que afirma o Butantan e sustenta que “enquadram-se ainda, de modo incontroverso, nas categorias Patrimônio Ambiental e Vegetação Significativa, todas as árvores que foram cortadas na área do Instituto Butantan e todas aquelas que ainda se pretende cortar”.

Com base na vistoria de 26/9 e na análise de imagens de satélite, diz o biólogo, “constatou-se a procedência de graves fatos denunciados no interior do imóvel do Instituto Butantan, tendo sido apurada a ocorrência de desmatamentos de Mata Atlântica recentes e em execução em área tombada pelo Conpresp e pelo Condephaat, ocasionando o corte de centenas de árvores especialmente protegidas nas categorias Imunes de Corte e Patrimônio Ambiental”.

Na avaliação de Tozzi, “todas as árvores que já foram cortadas e também aquelas que se pretende cortar na área do Instituto Butantan são consideradas IMUNES DE CORTE conforme o artigo 4º do Decreto Estadual 30.443 de setembro de 1989, que considera patrimônio ambiental e declara imunes de corte exemplares arbóreos situados no Município de São Paulo” (destaques conforme o original).

O artigo 4º do decreto inclui o Instituto Butantan nas áreas institucionais e de uso público em que “são imunes de corte, em razão de sua localização, todas as árvores existentes”.

Além disso, prossegue Tozzi, a área “é coberta por vegetação classificada como ‘Floresta Ombrófila Densa’, bioma Mata Atlântica”. O bioma possui categoria de proteção planetária desde 1991, quando foi reconhecido pela Unesco como Reserva da Biosfera, e é também patrimônio nacional, de acordo com o artigo 225 da Constituição Federal.

Quando os desmatamentos foram iniciados, em 2021, diz ainda o parecer, “a área também era classificada como Vegetação de Preservação Permanente (VPP), de acordo com a Lei Municipal 10.365/1987”. O parecer aponta ainda prejuízos à fauna silvestre.

A construção do edifício-garagem, às margens do córrego Pirajussara Mirim, não atingiria maciço florestal, salienta Tozzi. Porém, o local é ocupado “por antigas casas que serviam de moradias aos antigos trabalhadores quando a área ainda era uma fazenda, o que reflete o grande valor histórico”, diz o biólogo, destacando ainda que essas construções “se localizam na área envoltória dos tombamentos pelo Conpresp e Condephaat”. Sua eventual demolição feriria “o patrimônio histórico não apenas do município, mas do Estado de São Paulo e do país”.

Já o projeto para a construção de um refeitório prevê desmatamento de aproximadamente 5 mil m2, a ser executado “em área ocupada por maciço florestal protegido ambientalmente”.

O Butantan afirma que a construção do edifício-garagem “não é mais uma prioridade”, tendo sido cancelada. “A construção do refeitório, por sua vez, está sob análise, mas, se for adiante, nada será feito sem autorização dos órgãos ambientais competentes”, prossegue o instituto.

Cetesb e SVMA analisam pedidos de desmate para construção de novos prédios

Conforme o parecer do CAEx, “as entidades autoras da denúncia alegam que por muitas vezes solicitaram cópia do projeto de expansão como forma de dar transparência às intervenções ali realizadas, sem êxito”.

Algumas das intervenções citadas no parecer estão relacionadas ao Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) do Butantan. O plano prevê um enorme conjunto de novas construções, que colocariam sob risco de despejo diversos equipamentos públicos de saúde e educação em áreas lindeiras ao instituto.

Em dezembro do ano passado, o Butantan encaminhou ofício a essas instituições no qual garante que o PDDI “não menciona interesse ou ameaça às áreas que são, atualmente, ocupadas pela ETEC Cepam; Fundação Seade; IGC – Instituto Geográfico e Cartográfico; CSEB – Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa; Escola Estadual Alberto Torres e Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã”.

No âmbito do inquérito civil, além da análise de documentos e outras diligências, há reuniões previstas entre o MP-SP e os órgãos públicos e entidades da sociedade envolvidos na questão.

O Informativo Adusp enviou questionamentos a respeito do processo aos órgãos públicos citados.

O Conpresp e a Secretaria da Saúde do Estado, a quem o MP-SP oficiou informando a respeito da instauração do procedimento, não se manifestaram.

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente do município disse sucintamente que “está em análise o pedido de licenciamento ambiental solicitado pelo Instituto Butantan”.

A Cetesb informou que sua agência ambiental em Pinheiros realizou em 24/8/2022 “uma vistoria na área onde o Instituto Butantan pretende implantar melhorias”. “Na ocasião foi fiscalizado, também, o local do Projeto de Restauração Ecológica, relativo à compensação de supressão de vegetação em estágio médio de regeneração”, prossegue.

“Atualmente, estão em análise solicitações de autorização de supressão de vegetação nativa, para desativação de dois barramentos e regularização de um terceiro, para a construção do restaurante/refeitório e para um muro gabião do biotério central. A construção do edifício-garagem prescinde de licenciamento ambiental junto à Cetesb, sendo que a autorização para supressão de vegetação nativa foi emitida pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente”, continua a nota.

“A Cetesb e a Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, em função de pedidos distintos em ambos os órgãos, estão em tratativas para identificação e unificação das solicitações de licenciamento e respectivas compensações, para apresentação à Promotoria de Justiça”, conclui a companhia.

Leia a íntegra da manifestação do Instituto Butantan

“O Instituto Butantan esclarece que nenhuma de suas obras são [sic] realizadas sem prévia licença ambiental e que não tem competência para questionar as decisões de tais órgãos, sejam elas favoráveis ou não aos planos da instituição. Ainda assim, nos colocamos de prontidão para acatar e responder às dúvidas de outros órgãos de fiscalização, tais como a sociedade civil organizada [sic] e o Ministério Público.

É importante ressaltar que qualquer corte de árvores é sempre condicionado à avaliação e autorização da autoridade ambiental do Município de São Paulo, conforme o Decreto Estadual nº 39.743/1994, artigo 18. Além do mais, a supressão e o transplante da vegetação de porte arbóreo localizada em áreas públicas municipais ficam subordinados à autorização do órgão municipal competente, de acordo com o artigo 16 da Lei nº 17.794/2022.

Além da pura compensação arbórea, os projetos de compensação desenhados pelo Butantan apresentam a finalidade de enriquecer a vegetação do Instituto, trazendo mais espécies nativas e, consequentemente, melhorias no ecossistema, principalmente no que tange à disponibilidade de alimentos à fauna de vida livre.

Durante a vistoria, no dia 30/09, foi constatado que não houve qualquer supressão de árvores no local das obras mencionadas. Na mesma vistoria, foram identificadas outras obras, já em andamento, que possuíam autorização de licenciamento ambiental dos órgãos públicos competentes condicionadas ao reflorestamento de 4 (quatro) árvores para cada uma derrubada (recuperação ambiental Nível IV).

Esclarecemos também que a vistoria foi realizada na presença do perito do CAEx/MP-SP, além de representantes dos moradores do bairro do Butantã e do Cades Butantã, demonstrando que as entidades da sociedade civil têm participado dos debates promovidos em reuniões com o Butantan, em conjunto com o Ministério Público e os órgãos públicos que concederam as autorizações ambientais das obras em andamento. Ressalta-se, inclusive, que novas reuniões serão realizadas.

Ainda assim, informamos que mesmo estando regular sobre todos os temas [sic], o Instituto Butantan acatou a recomendação do Ministério Público de paralisação dos manejos, até que o caso seja esclarecido por todas as partes envolvidas.

Portanto, não é correta a informação de que o Instituto avançou sobre Área de Preservação Permanente (APP), uma vez que uma vistoria conjunta dos órgãos fiscalizadores, Polícia Militar do Estado de São Paulo, Secretaria de Meio Ambiente, CAEx e com os representantes da sociedade civil constatou que se trata de ponto de escoamento de água superficial, não incidindo em nascentes.

Em relação ao projeto de construção do edifício-garagem, este não é mais uma prioridade do Butantan e foi cancelado. A construção do refeitório, por sua vez, está sob análise, mas, se for adiante, nada será feito sem autorização dos órgãos ambientais competentes.

Nesse sentido, reiteramos que nenhuma das obras em andamento do Butantan são executadas [sic] sem a total permissão da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) e Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). O Instituto ainda esclarece que segue rigidamente os termos dispostos na legislação para a compensação da área verde retirada.

Por fim, resta pontuar que no decorrer do ano de 2022, o Butantan esteve em contato com os diversos aparelhos públicos que circundam o terreno do Instituto para garantir que a expansão será limitada ao espaço que o Butantan já ocupa. O PDDI atualizado está disponível publicamente através do processo SEI nº 6025.2021/0028621-8, o qual pode ser consultado abertamente por meio do site da Prefeitura de São Paulo.

Ex-presidente do instituto, Dimas Covas deixa também a diretoria da Fundação Butantan

Na última quinta-feira (9/2), o ex-presidente do Instituto Butantan Dimas Covas, que havia deixado o posto em novembro de 2022, pediu demissão também do cargo de diretor-executivo da Fundação Butantan, entidade privada “de apoio” que, na prática, gere em nome do instituto os vultosos recursos oriundos da saúde pública, como aqueles da venda de vacinas para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Governo estadual de São PauloGoverno estadual de São Paulo
Dimas Covas com o então governador João Doria em 2020

Em nota divulgada à imprensa, a fundação diz que a mudança no cargo se dá num “processo natural de transição, decorrente da mudança na direção do Instituto Butantan e sem quaisquer contextos de ruptura”.

Covas, docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, já sofria desgastes na condução do instituto com as revelações de que em sua gestão, iniciada em 2017, houve gastos sem licitação, obras de alto custo e contratações, pela fundação, de executivo(a)s que chegavam a receber vencimentos próximos a R$ 80 mil – o salário do governador de São Paulo em 2023 é de R$ 34,5 mil.

Enquanto o instituto há anos praticamente não faz contratações por concurso público, o número de funcionária(o)s contratada(o)s pela fundação saltou de 1.300 em 2017 para 2.970 no final do ano passado.

Ainda em 2022, depois de vencer a eleição para o governo do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que mudaria o comando do instituto e anunciou o nome de Esper Kallás, docente da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), para a presidência. O anúncio aumentou o desgaste de Covas.

A saída do médico da direção-executiva da fundação se dá em meio a investigações do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) quanto a possíveis irregularidades num contrato sem licitação firmado entre a Fundação Butantan e a empresa de softwares SAP.

Em nota à imprensa, o Butantan diz que “no momento há um pedido de explicações por parte do órgão de controle, que acontece todas as vezes em que há algum tipo de dúvida ou questionamento”. “O Butantan está absolutamente dentro do prazo e prestará todos os esclarecimentos necessários ao TCE”, prossegue.

“Não houve ‘dispensa de licitação’ para o referido contrato. Seguindo rigorosamente a legislação vigente, o contrato firmado foi na modalidade de ‘inexigibilidade’. Assim, o parâmetro para a verificação do preço é o valor médio cobrado pela contratada no mercado. Dessa forma, existe a certeza de que não está sendo praticado, de nenhuma forma, valor abusivo”, diz ainda a nota.

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!