Câmara Municipal de São Paulo aprova projeto que prevê desmatamento e novas fábricas de vacinas no Instituto Butantan; bancadas de oposição justificam voto favorável alegando que melhoraram o PL
Câmara Municipal aprovou PL 691/2025 por 43 votos a 6 (foto: Rede Câmara SP)

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta quarta-feira (20 de agosto), em segunda votação, o Projeto de Lei (PL) 691/2025, oriundo do Executivo, que atende ao desejo do Instituto Butantan de dar sequência ao seu projeto de construção de fábricas de vacinas na área, à custa de desmatamento, riscos biológicos e diversos prejuízos à comunidade do entorno — os bairros densamente povoados da região do Butantã.

O projeto altera o Plano de Intervenção Urbana (PIU) Arco Pinheiros, em vigor desde o final de 2024, e cria as Zonas de Ocupação Especial (ZOE) do Butantan e do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).

O texto foi aprovado por 43 votos a favor, seis contrários e uma abstenção. As bancadas do PT, do PSB e da Rede Sustentabilidade votaram a favor, depois de terem negociado com a base do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diversas alterações na proposta inicial, aprovada em primeira votação em junho, antes do recesso parlamentar.

Mesmo sem a adesão desses(as) parlamentares, o texto teria recebido 34 votos, um a mais do que o necessário para a aprovação. Todos os votos contrários foram da bancada do PSOL.

Os pronunciamentos de vereadores(as) durante o período de discussão da sessão foram feitos sem que o texto final do substitutivo tivesse sido protocolado. O vereador Fabio Riva (MDB), líder do governo na Casa e último a se manifestar na etapa de discussão, só protocolou o texto depois que representantes das bancadas do PT, PSB e Rede se comprometeram, na tribuna, a votar “sim”.

Texto aprovado reduz desmatamento e área para novas construções

Na discussão em plenário, vereadores(as) da oposição explicaram que era necessário lutar por mudanças no texto do PL, porque tanto a versão original quanto o primeiro substitutivo, proposto pelo Executivo no dia 11 de agosto, eram muito ruins: previa-se a derrubada de cerca de 7 mil árvores do Butantan e a realização de intervenções em praticamente toda a área do instituto.

O texto permitia inclusive a instalação de fábricas na categoria Ind-2, “atividade industrial geradora de impactos urbanísticos e ambientais”, na definição da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.

Era melhor negociar mudanças do que deixar o texto como estava, argumentaram oposicionistas, uma vez que a base governista já tinha votos suficientes para aprovar a proposta do Executivo.

O substitutivo aprovado nesta quarta-feira reduz o desmatamento para cerca de 1,7 mil árvores, limita a construção de fábricas aos locais já comprometidos com edificações, mantém áreas de preservação, não permite o parcelamento do solo — o que poderia levar à comercialização de loteamentos, de acordo com a oposição — e exige medidas contra a emissão de ruídos, uma das principais queixas de moradores(as) da vizinhança do instituto desde que as obras de expansão começaram e novos equipamentos, como o biotério, foram instalados.

O gabarito (altura máxima dos prédios) poderá ficar entre 28 metros e 48 metros (o equivalente a um edifício de 16 andares), a depender da localização.

“A proposta original do governo previa a derrubada de 7 mil árvores, no mínimo. E a transformação de todos os 900 mil m² do Instituto Butantan (IB) em área industrial. O governo tinha votos para aprovar essa aberração”, diz nota conjunta publicada nesta quinta-feira (21 de agosto) pelas bancadas do PT, PSB e Rede Sustentabilidade.

As bancadas de oposição, registra a nota, “conquistaram a alteração do PL, em um substitutivo que protegeu o bosque do Butantan, reduziu a área industrial ao setor já comprometido com galpões industriais, proibiu o parcelamento do solo e protegeu a vizinhança do ruído”.

“Conquistamos esses avanços, compatibilizando a proteção ambiental e da vizinhança sem que a produção de vacinas fosse prejudicada. Isso é muito importante para o entorno, a região do Butantã, para a cidade, para a saúde pública e para o país”, prossegue a nota.

Câmara transforma projetos péssimos em ruins, diz vereadora

A vereadora Renata Falzoni (PSB) disse na tribuna que iria “votar ‘sim’ com muito peso no coração”. “Mas me honra esse trabalho e essa negociação que fizemos. É absurdo estarmos nesta Câmara para pegar trabalhos péssimos e torná-los apenas ruins. Eu gostaria de discutir projetos médios e torná-los bons para a cidade”, lamentou.

A líder da bancada do PT, Luna Zarattini, afirmou que “o nosso posicionamento foi essencial para impedir que a área verde fosse totalmente desmatada e para que a área industrial ficasse restrita apenas onde já há construções”.

Outro ponto ressaltado pela vereadora é que a compensação ambiental pela derrubada de árvores deve ser feita no próprio território dos bairros adjacentes ao Butantan, e não em outras áreas da cidade.

Nabil Bonduki (PT), docente da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design (FAU) da USP, disse na tribuna que é preciso “continuar batalhando para que o Instituto Butantan faça uma expansão futura em outro terreno, mas neste momento precisávamos garantir que a área do bosque não fosse afetada”.

Há outros pontos que ainda precisam ser objeto de negociação, apontou o vereador. Entre eles, os impactos das intervenções nas áreas do entorno. Afinal, a produção intensiva de vacinas e outros insumos acarretará, entre outras consequências, enorme aumento no tráfego de caminhões e veículos pesados para o escoamento.

ETEC Cepam e outros equipamentos públicos seguem ameaçados

Vários(as) vereadores(as) fizeram referência aos riscos de que a Escola Técnica Estadual (ETEC) Cepam, localizada na avenida Lineu Prestes, no Câmpus do Butantã, seja desalojada.

A escola é vizinha da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), que deve ser transferida para o Centro da cidade, de acordo com o plano do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de construir um complexo administrativo para o governo estadual nos Campos Elíseos.

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Estudantes da ETC Cepam protestaram contra a ameaça de desalojamento

O edital para a concessão administrativa do novo centro foi publicado em junho e prevê um investimento de mais de R$ 5,4 bilhões, um verdadeiro banquete para o mercado imobiliário paulista.

“É óbvio que nesse contexto de mudança fica frágil a posição da ETEC Cepam. É preciso providenciar, na regulamentação desse projeto, um diálogo com a direção da escola”, alertou na tribuna a vereadora Luana Alves (PSOL). Alunos(as) da ETEC acompanharam a sessão nas galerias da Câmara.

Oportunidades para a construção civil, por sinal, não faltarão na área do instituto. Em fevereiro, a Fundação Butantan, entidade privada que na prática tem ditado os rumos da instituição pública, promoveu um workshop para empresários e profissionais do setor.

No evento, Cesar Jorge Maalouf, assessor técnico da fundação, definiu como “desafiador” o volume de obras previstas na expansão fabril do Butantan. “São obras de complexidade que requerem expertise, qualidade e compromisso. Precisamos de fornecedores diferenciados, e este evento é um canal que a gente abre agora junto a vocês”, disse.

Cabe lembrar que a principal fonte dos vultosos recursos administrados pela fundação é pública: são verbas do Sistema Único de Saúde (SUS) destinadas à compra de vacinas e outros insumos.

“Em 2024 a Fundação atingiu o segundo maior resultado de sua história em faturamento (R$ 3,13 bilhões) e em superávit (R$ 826,6 milhões), tendo sido superados apenas pelos resultados de 2021, período crítico da pandemia no qual o Butantan foi um dos mais importantes produtores da vacina contra a Covid”, diz o relatório financeiro de 2024 da fundação.

Além da ETEC Cepam, outros equipamentos públicos seguem ameaçados pela expansão prevista pelo Butantan para as próximas décadas. Entre eles estão o Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa (CSEB) e a Escola Estadual Alberto Torres.

Autor do PDDI do Butantan tem condenação em segunda instância

Também estavam presentes na sessão da Câmara representantes do movimento SOS Instituto Butantan, organizado pela comunidade do entorno, que luta contra as intervenções na área e defende que a produção de vacinas ocorra em outros locais, como a Fazenda São Joaquim, propriedade do instituto em Araçariguama.

O movimento vai realizar uma plenária na próxima quinta-feira (28 de agosto), às 18h30, no CSEB, junto à entrada do instituto, na avenida Vital Brasil, 1490. Estará em discussão a continuidade das ações em relação à expansão do Butantan, incluindo a possibilidade de medidas judiciais para questionar o processo.

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Representantes do Movimento SOS Instituto Butantan acompanharam a sessão

Entre outros pontos, o movimento sustenta que o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PPDI) do Butantan, que fundamenta a expansão das atividades fabris no instituto, padece de vícios de elaboração e aprovação.

O PDDI foi elaborado pelo arquiteto Carlos Augusto Mattei Faggin, livre-docente aposentado da FAU. Em maio do ano passado, a Diretoria da FAU divulgou nota na qual defendia o “afastamento cautelar” de Faggin da presidência do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).

Como o Instituto Butantan é tombado pelo órgão desde 1981, o Condephaat precisou analisar o PDDI. Nesse caso, Faggin esteve na condição de deliberar a respeito de um projeto de sua própria autoria. “A FAUUSP não considera saudável essa dupla atuação, ainda que ela seja aparentemente aceita pela Secretaria de Estado de Cultura, já que se configura uma situação com grande potencial de conflitos de interesses”, diz a nota da Diretoria da faculdade.

De acordo com nota publicada em seu site, o Condephaat “aguarda publicação com a designação de novos membros para o biênio 2025-2027” e, por essa razão, a reunião agendada para o último dia 11 de agosto foi cancelada.

No final de 2024, Faggin foi condenado em segunda instância pela 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) por improbidade administrativa no caso do destombamento e posterior demolição do Casarão Saraceni, construção histórica ligada à imigração italiana, em Guarulhos. O casarão veio abaixo apenas para dar lugar a mais vagas de estacionamento ao Internacional Shopping.

EXPRESSO ADUSP


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