Meio ambiente
Projeto encaminhado por Nunes à Câmara Municipal permite a construção de prédios de até 48 metros de gabarito no Instituto Butantan; comunidade resiste e entrega reivindicações ao diretor Kallás

Um projeto de lei encaminhado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) à Câmara Municipal de São Paulo permite ao Instituto Butantan construir prédios de até 48 metros de gabarito em sua área. As construções integram o projeto de expansão do instituto, que quer instalar um enorme complexo de produção de vacinas em meio a uma área residencial, o que levaria à derrubada de quase 7 mil árvores, entre outras consequências.
O Projeto de Lei (PL) 691/2025 altera o Plano de Intervenção Urbana (PIU) para o território do Arco Pinheiros e cria a Área de Intervenção Urbana Arco Pinheiros. O texto desmembra a atual Zona de Ocupação Especial USP (ZOE-USP) e cria a ZOE-Butantã e a ZOE-IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas, cujas instalações estão no câmpus do Butantã), nas quais passariam a vigorar novas normas para edificações.
Na justificativa do projeto enviado ao legislativo, Nunes sustenta que “é importante pontuar que as alterações promovidas derivam de pedido formal apresentado pelo Instituto Butantan, por meio do Ofício IB nº 69/2025, para melhor compatibilização do Plano de Intervenção Urbana do Arco Pinheiros (PIU-ACP) com suas atividades, que são essenciais para o desenvolvimento e para a saúde em âmbito nacional”.
Pelo enquadramento na regulamentação atual, o Butantan pode erguer edificações com gabarito máximo de 28 metros, “sendo certo que essa previsão se mostra incompatível com o atual projeto de expansão do Instituto, já aprovado tanto no Conpresp [Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo] como no Condephaat [Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo] e financiado com recursos do Ministério da Saúde, BNDES, Governo do Estado de São Paulo e o Banco Interamericano de Desenvolvimento- BID, totalizando um investimento de aproximadamente 1,2 bilhões de reais” prossegue Nunes.
O gabarito máximo de 48 metros permite “maior verticalização das edificações a fim de reduzir o perímetro de construção e, consequentemente, a quantidade de árvores a serem removidas”, argumenta a justificativa do prefeito, que demonstra total afinação com a estratégia de “passar o trator” (e a “boiada”) adotada pelo Butantan e pelo governo estadual na condução do projeto.
Projeto pode ser votado em comissão e no plenário no mesmo dia
Tamanha é a sintonia que Nunes repete aos vereadores e vereadoras a principal argumentação do próprio Butantan: “Ademais, informa o Instituto que a manutenção do gabarito atual causará a paralisação das obras de ampliação do parque produtivo, que se mostram essenciais à produção de vacinas, soros e medicamentos monoclonais, como as vacinas da Dengue, Chikungunya, HPV dentre outras”.
Como noticiou o Informativo Adusp Online em junho do ano passado, o Conpresp aprovou parcialmente em abril de 2024 a revisão do Plano Diretor do Instituto Butantan, batizado de Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), valendo-se de um mecanismo de “empréstimo” de índices de áreas vizinhas para permitir a construção de edificações de até 48 metros de gabarito no Butantan.
Ao mesmo tempo, o Conpresp estabeleceu entre as diretrizes condicionantes para a aprovação completa do PDDI a criação de uma ZOE específica, o que o instituto solicitou à Prefeitura, que por sua vez encaminhou o PL à Câmara no último dia 12 de junho.
O texto tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJ) da Câmara, sob a relatoria do vereador Thammy Miranda (PSD). Na sessão da CCJ desta terça-feira (17 de junho), a vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL) pediu vista do projeto, prazo que já terá vencido na próxima sessão da CCJ, que ocorre na quarta-feira (25 de junho).
A tramitação pode ser muito rápida. Se aprovado na CCJ, é possível que um projeto seja votado no plenário no mesmo dia. Para isso, é convocado um congresso de comissões no próprio plenário, o que “valida” o texto nas demais comissões. Essa é a forma como a bancada governista tem “tratorado” na Casa, define a assessora de uma parlamentar da oposição.
Intervenções em andamento causam ruído incessante e atormentam a população
Organizar ações para pressionar os(as) vereadores(as) e impedir a aprovação do PL 691/2025 é mais uma frente aberta na luta do Movimento SOS Instituto Butantan, que se opõe ao desmatamento. O movimento deixa claro que não é contrário à produção de vacinas, mas defende que ela deve ocorrer em outras áreas, como a Fazenda São Joaquim, propriedade do instituto em Araçariguama.
As consequências das intervenções já em andamento são sentidas pela população do entorno: entre outras, barulho alto e ininterrupto produzido pelas novas instalações, aumento do tráfego de caminhões pesados e circulação crescente, pelos bairros, de animais silvestres expulsos da área do instituto.
Há também os problemas futuros, como a poluição de córregos e nascentes, ameaças de despejo de equipamentos públicos de educação e saúde vizinhos ao instituto e riscos biológicos associados à produção industrial.
No último dia 2 de junho, uma comissão do movimento foi recebida pelo diretor do Butantan, Esper Kallás, docente da Faculdade de Medicina da USP. Também participou da reunião o vereador Nabil Bonduki (PT), docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
O vereador sugeriu a criação de um conselho que acompanhe o processo de expansão do Butantan, além da realização de uma audiência pública sobre o assunto na Câmara Municipal.
Nesta semana, a diretoria do instituto comunicou a Bonduki que vai indicar uma pessoa para fazer a “interface” entre o Butantan e a comunidade, mas ainda não se manifestou sobre o agendamento da audiência.
Na reunião, representantes do movimento apresentaram várias reivindicações e entregaram uma manifestação elaborada pelo coletivo. No documento, o SOS Instituto Butantan agradece pela oportunidade de diálogo, o que não ocorreu “com as administrações que lhe antecederam”.
“Reconhecemos a importância da Ciência e o papel do Instituto Butantan na produção de vacinas e soros para melhoria do bem-estar humano. E por essa razão nos causa estranhamento que o Instituto Butantan, que se destaca pela pesquisa científica e uso da Ciência, não parece prezar o conhecimento técnico-científico na tomada de decisão relativa à expansão de suas instalações, negligenciando os impactos ambientais, à saúde e urbanísticos, sobretudo considerando a emergência climática que vivemos”, diz o texto.
O SOS Instituto Butantan apresenta questionamentos divididos em três itens. O primeiro se relaciona aos impactos ambientais e sobre a saúde. A mata é protegida pelo Decreto Estadual 30.433, de 20/9/1989, e “a sua pretendida supressão representa a destruição da Mata Atlântica secundária existente no IB e grandes perdas de CO2, maximizando a crise climática”, lembra o movimento.
O texto afirma ainda que as construções já realizadas na área, como o Biotério, o Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEV), os estacionamentos e a pavimentação de vias, “não têm observado a Lei 12.526/2007, que exige a captação e retenção das águas pluviais em áreas impermeabilizadas superiores a 500m2”.
O aumento do ruído produzido nas novas áreas construídas, prossegue o documento, “já tem causado enorme desconforto aos moradores das ruas fronteiriças (Barroso Neto e Corinto), que sofrem diuturnamente, com prejuízos ao bem-estar, sono e saúde mental”.
Movimento alerta para risco da produção de fármacos em área residencial
O segundo item diz respeito aos impactos urbanísticos. O movimento registra que a construção de edifícios na área do parque, com a expansão crescente do número de funcionários no Butantan, acentuaria impactos já causados no território pela especulação imobiliária “e causaria outros, com o aumento do tráfego de veículos, a lotação dos transportes públicos e a infraestrutura necessária para atender a este aumento demográfico”.
Além disso, a ampliação do complexo industrial “traria ainda grande movimentação de veículos pesados na área urbana da cidade, para a logística de suprimento dos materiais, entrega de seus produtos acabados e descarte de resíduos e refugos”.
Por fim, o movimento questiona a legalidade das intervenções e afirma que as condições que justificaram a escolha da área para a implantação do Instituto Butantan, no início do século passado, como o fato de ser uma área isolada e com características rurais, não mais existem: “Hoje o Butantã é um distrito altamente urbanizado, com crescente densidade demográfica. Um grande complexo industrial produtor de fármacos não representa ameaça a esta população tão próxima?”.
O SOS Instituto Butantan formula várias perguntas no final do documento. Entre elas, indaga se houve estudo de alternativas locacionais para a implantação do projeto de expansão e a instalação de um grande complexo industrial; se foi avaliada a alternativa de implantação do complexo industrial em local distante de áreas urbanas; e quais seriam as dificuldades para que a expansão seja feita na Fazenda São Joaquim (leia aqui a íntegra da manifestação).
Butantan promete contratar empresa para medir ruído até 30/6, e relatório sairá em “40 dias”
A Diretoria do Instituto Butantan encaminhou nesta semana ao vereador Nabil Bonduki um comunicado no qual relata as seguintes providências para a “mitigação do ruído proveniente do novo Biotério”: “1) Todos os dias, de segunda a domingo, estão sendo desligados os 3 Chillers (principal equipamento do sistema de HVAC) [Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado], no período noturno (entre 19:00 hs da noite e 7:00 horas da manhã aproximadamente). 2) Contratação (previsão até dia 30/6) de empresa especializada em medições acústicas para identificação das fontes geradoras de ruído, com emissão do relatório em até 40 dias após o início dos serviços. Com base nos dados encontrados a empresa irá fornecer relatório descrevendo as soluções acústicas para adequação à legislação vigente. 3) Licitação para execução de barreira acústica projetada pela equipe interna do Butantan – Prazo de licitação 60 dias – Prazo de execução 60 dias – Total 120 dias.”
O Informativo Adusp Online encaminhou ao Butantan uma série de perguntas sobre os desdobramentos da reunião do diretor com o movimento. A assessoria de imprensa da instituição enviou uma nota que diz apenas o seguinte: “O Instituto Butantan informa que uma empresa especializada irá realizar as medições sonoras e propor medidas para redução do ruído, conforme o estabelecido na legislação municipal”. As demais questões não foram respondidas.
Em relação ao desmatamento, a assessoria de imprensa limitou-se a indicar uma nota já publicada na Internet, segundo a qual os projetos em andamento são “de longo prazo”, com impactos que “ocorrerão no decorrer de 20 anos, sempre com compensações antecipadas e com resultado final positivo para o ecossistema”.
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