Meio ambiente
Protesto contra desmatamento e construção de fábricas no Instituto Butantan ganha as ruas do bairro; em entrevista à “Folha”, diretor fala de parcerias milionárias

Moradores(as) da região do Butantã e representantes de entidades e associações, organizados(as) no Movimento SOS Instituto Butantan, realizaram no último sábado (24 de maio) uma caminhada em defesa das árvores, do clima e da vida. Cerca de 150 pessoas se reuniram na Estação Butantã do Metrô e seguiram até a entrada do instituto na avenida Vital Brasil.
O movimento protesta contra os planos do Butantan de cortar quase sete mil árvores para dar sequência ao seu projeto de expansão fabril na área, que é tombada desde 1981 como bem cultural de interesse histórico e paisagístico estadual pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).
O maquinário e as novas instalações já em funcionamento no local têm provocado barulho ininterrupto, nas 24 horas do dia, causando distúrbios de sono e outros problemas de saúde à população da vizinhança.
“O processo de fabricação traz riscos, incluindo riscos biológicos, num bairro que está se adensando cada vez mais. Não faz nenhum sentido derrubar sete mil árvores e construir aqui seis fábricas de vacina”, disse na manifestação Lester Amaral Junior, integrante da coordenação do coletivo Butantã na Luta.

Amaral ressaltou que o movimento não é contra a produção de vacinas, principal justificativa do Butantan para a expansão, mas defende a instalação das fábricas em locais mais adequados, como a Fazenda São Joaquim, propriedade do instituto em Araçariguama, ou em áreas degradadas na região do Jaguaré. “Vacina sim, desmatamento não” é um dos motes do movimento.
“Não é possível acabar com a fauna e a flora de um território, não é possível colocar aqui um trânsito imenso de caminhões que vão fazer transporte de vacinas para todo o país”, afirmou o representante do Coletivo Butantã na Luta.
“A caminhada foi bastante positiva”, avalia Martha Pimenta, moradora do bairro e integrante da Rede Butantã de Entidades e Forças Sociais. “Apesar de não termos colocado uma multidão na rua, o que seria muito bom, fomos bastante felizes no percurso. Fomos bem recebidos pelos transeuntes e trabalhadores dos comércios da Vital Brasil que pararam para conversar, carros que buzinaram em apoio, tivemos jovens do Greenpeace e alunos da USP que se juntaram ao movimento. Houve a oportunidade de esclarecermos muitos moradores e moradoras que não sabiam do que está acontecendo.”
Martha citou também a boa cobertura da imprensa à caminhada. Veículos como a TV Globo, o jornal O Globo e o portal Metrópoles noticiaram a manifestação. “Fomos bastante claros em dizer que não somos contrários à ciência ou às vacinas, pelo contrário, mas nos preocupamos com o desmatamento e com a construção de um complexo industrial em uma área cada vez mais densamente povoada, com a construção de inúmeros prédios residenciais”, considera.
O barulho incomoda o sono e o bem-estar de muitos(as) moradores da Vila Indiana, relata. Os caminhões já atrapalham o funcionamento da Escola Alberto Torres e do Centro de Saúde Escola do Butantã (CSEB). Saruês e outros animais silvestres têm aparecido com frequência na áreas residenciais da vizinhança, o que mostra o dano à fauna, diz.
Movimento questiona discurso da “compensação”
O movimento também contesta as principais alegações que o Butantan repete em seus pronunciamentos públicos sobre a expansão. Uma é de que as licenças têm sido concedidas pelos órgãos do estado e da Prefeitura. De acordo com o movimento, o papel dos órgãos públicos tem sido questionável (há, por exemplo, um inquérito aberto no Ministério Público de São Paulo sobre o desmatamento que está empacado), e além disso o Butantan vem utilizando a tática de “fatiar” os requerimentos e solicitar as licenças para cada intervenção separadamente, “mascarando” assim os enormes impactos do conjunto das obras.

Outra alegação é de que o instituto implantará uma política de manejo e de compensação. “Desculpe dizer, mas o plano de manejo é vergonhoso, ele considera o plantio de nove mil árvores num espaço muito menor. Além disso, como podem defender que um complexo industrial dentro de uma área [de preservação ambiental] não terá outros impactos?”, declarou ao jornal O Globo Sonia Hamburger, integrante da Associação Cultural Morro do Querosene, da Rede Butantã e do Ponto de Economia Solidária.
Expansão tem parcerias com gigantes farmacêuticas globais
Uma entrevista concedida pelo diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás, docente da Faculdade de Medicina da USP, é bastante elucidativa quanto ao tamanho dos investimentos e dos interesses em jogo na expansão. A entrevista foi publicada pela edição online da Folha de S. Paulo no sábado, exatamente a data da caminhada organizada pelo movimento, e saiu também na edição impressa desta segunda-feira (26). Tamanha “coincidência” permite aventar que houve um trabalho de relações públicas do Butantan para propor a pauta ao jornal.
Na entrevista, Kallás afirma que o novo complexo fabril coloca “o Brasil como candidato a fornecer vacinas para o mundo inteiro”. Os planos incluem produção das vacinas tríplice bacteriana, contra HPV, dengue, raiva, hepatite A, vírus influenza e outras, incluindo um imunizante para a gripe aviária tipo A H5N8, para a qual o Butantan espera autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar os estudos clínicos.
Os projetos das novas fábricas têm parcerias com gigantes da indústria farmacêutica global, como a britânica GSK e as norte-americanas Merck Sharp and Dohme e Pfizer. Outro projeto em andamento é a fábrica de vacinas de mRNA, financiada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.

O instituto também deve assumir a gestão da Fundação para o Remédio Popular (FURP), laboratório vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, o que depende da aprovação de um projeto pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
De acordo com Kallás, um dos pontos fundamentais de toda essa expansão “é o ganho econômico para o Brasil”. “O valor agregado de produtos em biotecnologia é muito alto. Então, a gente não só consegue trazer essa engrenagem econômica para dentro do país como também contrata funcionários brasileiros especializados, melhora a capacidade produtiva, aumenta a nossa massa crítica, melhora o valor agregado dos nossos produtos, fortalece a cadeia de suprimentos. Você vai, por exemplo, estimular produtores brasileiros a se qualificarem para a entrega de ingredientes para os produtos. E coloca o Brasil como candidato a fornecer vacinas para o mundo inteiro”, afirmou à reportagem.
A matéria não faz nenhuma menção ao desmatamento e aos prejuízos presentes e futuros ao entorno e às pessoas que vivem na região.
Na próxima semana, Kallás receberá uma comissão de representantes do Movimento SOS Instituto Butantan. A reunião terá a participação do vereador Nabil Bonduki (PT), professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU), que foi procurado pelo próprio Kallás para intermediar o encontro.
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